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Por Estela Queiroz

Passados cem anos, a Semana de Arte Moderna de 1922 segue produzindo polêmicas, pesquisas e paixões. Financiada pela aristocracia paulista e essencial para a WhatsApp Image 2022 02 11 at 22.33.411posterior institucionalização do Modernismo, o evento que reuniu artistas e intelectuais no Teatro Municipal de São Paulo, entre 13 e 17 de fevereiro de 1922, é assunto central quando o tema é história da Arte no Brasil.

“Só depois de 22 é que os ‘herdeiros’ da semana trataram de valorizá-la retrospectivamente. Quando a Semana aconteceu, a repercussão foi muito menor do que se pode imaginar”, explica Antônio Carlos Secchin, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e professor emérito da UFRJ.  “Ela foi crescendo ao longo da história e se transformou em uma coisa que ela não foi na época”, completa o docente, lembrando que a atuação do escritor maranhense Graça Aranha, na ABL, teve papel crucial para a posterior nacionalização da Semana de Arte Moderna.

Literatura
A Semana foi dividida em áreas: Literatura, Música e Dança e Artes Plásticas, Na Literatura, a influência do evento chegou até a consolidação do verso livre — a abolição do uso da métrica para a poesia —, que foi uma questão importante no Modernismo. Segundo Secchin, essa espécie de “liberdade do verso” foi uma “liberdade impositiva”, já que veio acompanhada do descarte de outras formas e estilos literários. “Eu diria que isso, que foi uma liberdade, acabou também sendo uma espécie de prisão”, completa.

Godofredo de Oliveira Neto, escritor e professor de Literatura Brasileira na Faculdade de Letras da UFRJ,  ressalta que a “Semana não promoveu, nem tentou promover, uma efetiva transformação social da nação brasileira”. Ele explica que as mudanças são de caráter temático e estético, com pontos importantes ligados à independência cultural, sem incluir, no entanto,  as populações indígenas e negras no universo da arte nacional. “Mas a literatura brasileira foi outra depois da Semana, esse legado é inquestionável. A literatura contemporânea dialoga com os modernistas mesmo que não tenha consciência disso”, completa.

Outra inovação trazida pelo Modernismo e que se desenvolveu ao longo do movimento foi a escrita da fala brasileira, ou seja, passou a ser estudada e reivindicada uma incorporação do jeito brasileiro de falar português como um traço da língua. “Imagina se alguém falar hoje ‘dá-me dois pães’? De onde surgiu esse extraterrestre na face da Terra? A gente normalizou e legitimou o uso do português do Brasil por meio do Modernismo”, analisa Eduardo Coelho, também professor de Literatura Brasileira da UFRJ.

Eduardo conta que o evento foi patrocinado pela aristocracia paulistana, ligada à produção de café, e essa possibilidade de divulgação do encontro contribuiu para a importância do projeto. “Como um movimento tão de ruptura estabelece um pacto com a elite do café, que tem esse lastro aristocrático tradicional?”, questiona. “Não foi da noite para o dia”, afirma. Em vez de uma ruptura abrupta, o professor cita uma atualização gradual na transição para o Modernismo no país. “Depois do evento começaram a despontar as publicações modernistas, com pequenas tiragens. E a gente também tem o Modernismo do Nordeste, do Sul, de Minas”, explica.

Música
A busca pela identidade nacional que marca o movimento modernista é composta por uma valorização da cultura popular e a ideia de antropofagia cultural. Um dos WhatsApp Image 2022 02 11 at 22.35.22COMPOSITOR, PIANISTA E MAESTRO, Villa-Lobos foi vaiado durante concerto da Semana de Arte, onde se apresentou de casaca e chinelo – estava com o pé machucadoexpoentes nesse campo foi Heitor Villa-Lobos, vaiado em sua primeira apresentação na Semana de 22, mas aclamado internacionalmente pela fusão da música erudita com ritmos dos povos tradicionais.

A professora da UFRJ Maria Alice Volpe, integrante da Academia Brasileira de Música, explica que o resgate cultural promovido especialmente pelos folcloristas se apoiava no conceito de “autenticidade”: separava o “popular”, uma idealização do que seria ‘genuinamente brasileiro’, do “popularesco”, uma corrupção da ‘pureza’ do ‘espírito do povo’ pela ‘civilização’, muitas vezes localizada em ambientes urbanos com intensa confluência de elementos estrangeiros.

“A aproximação da classe intelectual e artística da cultura popular promovida pelo modernismo nacionalista foi continuada pelas gerações seguintes. A Semana de Arte Moderna de 1922 provocou um embate entre as posturas de vanguarda e as correntes nacionalistas, contundentemente na música, repercutindo até o Movimento Música Nova, em 1963, que propôs a superação da polarização entre a ‘alta’ e a ‘baixa’ cultura”, completa.

No outro pilar temos a antropofagia cultural, bastante influente na consciência identitária brasileira, com impacto substancial na música com o Tropicalismo, nos anos 1960. “Ele propunha a assimilação das influências estrangeiras pela cultura brasileira, não numa posição submissa ou colonial de mera imitação, mas numa posição crítica de apropriação e recriação”, explica a professora.

Presença feminina

Um dos feitos do Modernismo no Brasil foi o início do protagonismo de mulheres no cenário artístico. Anita Malfatti é a figura feminina principal da primeira fase deste movimento. Pintora, desenhista, ilustradora, a artista montou, em 1917, a exposição que gerou a fúria de Monteiro Lobato. O evento reuniu modernistas e foi a preparação para a Semana de Arte Moderna de 1922.

WhatsApp Image 2022 02 11 at 22.35.23Obra "A Estudante", de 1916. Anita MalfattiEm 2017, o professor Carlos Pires, do Departamento de Ciência da Literatura, visitou o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP em busca de materiais que o ajudassem a compreender alguns caminhos da institucionalização do Modernismo nos anos 1940 e 1950. Abrindo as caixas, ele encontrou um papel pardo escrito ‘Para Marta’. “Peguei, abri, tinha um caderninho preto e quando eu comecei a folhear era o diário de Anita”, diz o professor. O livro “Anita Malfatti: no tempo e no espaço” foi publicado em 1985 pela biógrafa e historiadora da arte Marta Rossetti, e o diário ficou guardado desde então. “O diário parou assim na minha mão de maneira bem estranha e completamente inusitada. Eu fiz a edição crítica do diário, fui tentando mapear o contexto dele e recuperar a trajetória dela na Alemanha nos anos 1910”, completa.

O diário tem anotações da pintora sobre desenho, conta como foi sua primeira exposição individual em 1914 e suas estratégias para se estabelecer como pintora no contexto paulistano. Outras importantes mulheres do período foram: a pintora Georgina de Albuquerque, que depois veio a se tornar a primeira mulher a dirigir a então Escola Nacional de Belas Artes (atual EBA/UFRJ), entre 1952 e 1955; a pianista Guiomar Novaes; e a pintora, desenhista e ceramista Zina Aita.

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