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No encontro virtual de lançamento da pesquisa “A liberdade acadêmica está em risco no Brasil?”, na quinta-feira (19), um dos testemunhos mais marcantes sobre o cerco cienciaelisaà livre expressão do pensamento no país veio de Conrado Hubner, professor de Diretor Constitucional da Universidade de São Paulo (USP) e colunista do jornal Folha de S. Paulo. “Intimidação é a tentativa de produzir medo e apreensão. E, nesse sentido, escolher alguns alvos para assediar, preferencialmente por instrumentos jurídicos, é estratégico. Eu acabei virando, há poucos meses, um desses alvos por um artigo que escrevi na Folha e por dois ou três tuítes”, relatou o professor no evento, que teve a mediação da jornalista Mônica Waldvogel.

Hubner responde queixa-crime pelos crimes de calúnia, injúria e difamação, apresentada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. “Com base nos mesmos fatos, ele me representou na Universidade de São Paulo, solicitando que meu caso fosse encaminhado à Comissão de Ética”, acrescentou o professor.

“O que faz os poderes máximos de uma República intimidarem e humilharem um professor universitário?”, questionou Debora Diniz. Licenciada sem vencimentos, a docente da Universidade de Brasília (UnB) vive fora do país, há três anos, em função de ameaças de morte por atuação relacionada à bioética e aos direitos reprodutivos das mulheres. Debora falou sobre a inversão de valores que culpa a vítima pelas perseguições sofridas. “É a instalação de uma pararrealidade”, disse. “Nós passamos a responder: será que ela não deveria ter escrito de outro jeito? E, com isso, nos confundimos nesse processo”.

Conhecido pelos posicionamentos críticos à política de Saúde do governo federal durante a pandemia de covid-19, o epidemiologista Pedro Hallal, ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), trouxe outros relatos de constrangimento.  “A gente é atacado na nossa liberdade de apresentar os resultados das nossas próprias pesquisas”, afirmou. “O caso mais grosseiro que aconteceu comigo foi coordenar uma pesquisa de âmbito nacional que teve uma coletiva de imprensa do Ministério da Saúde em que eu tive suprimido um slide que mostrava a desigualdade étnico-racial na distribuição da covid-19 no Brasil”. Esse caso foi relatado pelo próprio Hallal na CPI da Pandemia do Senado Federal.

Os três casos ganharam visibilidade em função da rede de solidariedade formada em torno dos pesquisadores. Contudo, segundo Maria Clara Santos, do Observatório do Conhecimento, a pesquisa sobre violações e ameaças à liberdade de cátedra pretende jogar luz sobre todos os tipos de censura.  “Queremos saber tanto dos casos graves e de grande repercussão, como dos que envolvem as pequenas nuances da perda de liberdade e autonomia acadêmica em nosso dia a dia”, afirmou.

Entre as ameaças mais sutis à democracia nas universidades, docentes e pesquisadores citam o desrespeito à autonomia para escolha de reitores, o estrangulamento financeiro das universidades e a imposição de critérios não acadêmicos para aprovação de eventos por agências de fomento. “Produzir dados da realidade hoje é uma ato de resistência”, destacou a procuradora da República Débora Duprat, quarta convidada da mesa.

Para a vice-presidente da SBPC, Fernanda Sobral, os últimos anos foram de retrocessos para a liberdade de ideias e de expressão, essenciais ao desenvolvimento do trabalho científico. Também da SBPC, a antropóloga Maria Filomena Gregori apontou na mesma direção: “Nos últimos anos, as garantias constitucionais em defesa da Ciência não têm sido observadas, sequer respeitadas”, alertou.  

O questionário da pesquisa “A liberdade acadêmica está em risco no Brasil?” é voltado para toda comunidade acadêmica. E pode ser respondido de forma anônima pelo link https://pt.surveymonkey.com/r/CYCS3YB. O preenchimento não leva mais do que dez minutos.

 

DEBATEDORES

 

“A liberdade de escolha democrática nas universidades está prejudicada. A própria liberdade de financiamento está desprotegida por um histórico, no Brasil, de uma confusão muito grande entre as políticas de Estado e as políticas de governo.”
Pedro Hallal

 

“[As perseguições] têm um efeito contagioso. No meu caso, como são muito gravosas à universidade, a vítima passa a ter um efeito radioativo. Ela não pode estar em comum espaço aos outros. Ela não pode existir como um corpo na esfera pública sem um dever de proteção, pelo caráter difuso das ameaças de colocar os outros em risco. Por esse caráter contagioso, elasimpõemuma censura antecipada. O medo de se tornar esse personagem radioativo impõe uma autocensura, qualquer que seja a agenda de pesquisa.”
Debora Diniz

 

“Um professor que considera golpe o impeachment de 2016 criou um curso, concordemos ou não com o termo. E o ministro da Educação, à época, antes mesmo desse governo, interferiu. Houve um movimento de reação bonito, mas é uma interferência concreta. Durante o período eleitoral de 2018, a polícia invadiu o espaço da universidade, interrompendo aulas, debates etc. São formas sérias de ataque à liberdade acadêmica.”
Conrado Hubner

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