facebook 19
twitter 19
andes3
 

filiados

WhatsApp Image 2021 05 14 at 22.47.371Desde o final de abril, a Colômbia vive um cenário de terror, com fortes cenas de repressão contra manifestantes nas ruas de Cali e de outras cidades colombianas. Os confrontos começaram no dia 28, quando milhares de pessoas protestaram contra um projeto de reforma tributária do governo que propunha aumentar o imposto sobre o valor agregado, o que geraria uma pressão inflacionária e afetaria os mais pobres. A resposta do governo do presidente Iván Duque foi o ataque violento aos protestos. Segundo um levantamento da organização não-governamental Temblores, até o dia 11 de maio foram registrados 40 assassinatos cometidos por agentes de segurança, 313 casos de agressão e 1.003 detenções arbitrárias.
São retratos de um momento tenso num país profundamente militarizado. A Colômbia dedica entre 3 e 4% do PIB a gastos militares, maior percentual da América do Sul e equivalente ao de países como EUA e Rússia. Enfrentar um aparato tão militarizado não é trivial para os manifestantes, que resumem a conjuntura numa frase repetida em faixas e cartazes. “Uma população que sai para protestar em meio a uma pandemia tem mais medo do governo do que do vírus”.
Para entender a conjuntura política do país vizinho, o Jornal da AdUFRJ conversou com Rafael Araújo, professor de História da América na Uerj, mestre e doutor em História Comparada pela UFRJ, e com o professor colombiano Sergio Romaña Ibarra, do Instituto de Matemática da UFRJ. Ele mora no Brasil há 14 anos, e tem acompanhado os confrontos com preocupação e saudade de seus familiares e amigos.

Rafael Araújo, professor de História da América na uerj

WhatsApp Image 2021 05 14 at 22.49.58JORNAL DA ADUFRJ: Os protestos foram contra a proposta de reforma tributária, ou o projeto do governo foi o estopim de um movimento que estava por ebulir?
Rafael Araújo: É importante pensar sobre os efeitos da pandemia nos países latino-americanos. A pandemia intensificou as contradições sociais que a América Latina carrega ao longo da sua história. Entidades como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) diagnosticaram que a região foi a mais afetada do mundo pela pandemia. Não só em termos econômicos, mas em números proporcionais de infecções e mortes.
A Colômbia enfrenta, nos últimos dois anos, um quadro de instabilidade. O país vem vivenciando uma luta social. Ano passado, por causa da pandemia, os índices de pobreza e extrema pobreza aumentaram, respectivamente, 5% e 4%. Nesse cenário de múltiplos fatores, houve a proposta de reforma tributária, que afetava as classes médias e mais pobres, os mais afetados pela pandemia, por parte do governo Iván Duque. Também já circulava no Congresso uma reforma do sistema de saúde com uma lógica privatista.

E quais são as causas e os efeitos da violenta repressão aos protestos?
No caso da Colômbia, se potencializou por conta da violência policial. A repressão foi muito forte e inflamou o movimento. A violência policial é mais uma das marcas da América Latina, e a Colômbia tem um histórico de militarização por causa do combate à guerrilha e ao narcotráfico. Isso faz com que o caráter repressivo da força policial seja muito forte.

Em 2016, o então presidente Juan Manuel Santos assinou um acordo de paz histórico com as Farc. Esse acordo não deveria ter diminuído a militarização na Colômbia?
O Juan Manuel Santos, apesar de ser ligado à direita e ao ex-presidente Álvaro Uribe, fez o acordo. O Iván Duque é uma expressão mais vinculada ao uribismo e à onda de direita que atingiu América Latina nos últimos anos. Ele expressa uma direita mais radicalizada, mais refratária ao apaziguamento com as Farc. Até setembro do ano passado, quatro anos depois da assinatura do acordo de paz, cerca de mil ativistas haviam sido mortos desde o acordo, e boa parte deles no governo do Duque.

É plausível imaginar que movimentos como esse aconteçam em outros países da América Latina?
O que vimos no Equador em 2019, no Chile no ano passado, no Paraguai há dois meses e agora na Colômbia é uma luta social em razão do quadro de estagnação econômica e piora dos indicadores sociais em toda a região. Esse quadro de estagnação econômica começa em 2014, quando o ciclo das commodities se exaure. A América Latina cresceu 0,1% entre 2014 e 2019, e a pandemia agravou o quadro. No ano passado, a região teve uma retração de 8% do PIB, e o desemprego atingiu 11%. A pobreza aumentou 7,1% e a extrema pobreza, 4,5%. Segundo dados da Cepal, 231 milhões de pessoas, ou seja, um terço da população local, estão na condição de pobreza ou extrema pobreza. E esses são os efeitos econômicos da pandemia. A América Latina tem 8% da população mundial, e em 2020 a região registrou 20% dos casos e 30% das mortes por covid-19 de todo o mundo. Não será uma surpresa se este ano assistirmos em outros lugares o que estamos vendo na Colômbia.

Sergio Romaña Ibarra, Professor de Matemática da UFRJ

WhatsApp Image 2021 05 14 at 22.49.581JORNAL DA ADUFRJ:- Como o senhor tem acompanhado as notícias sobre as manifestações na Colômbia?
Sergio Romaña Ibarra: Eu fico triste com o que está acontecendo na Colômbia. Estamos vendo o Estado usando toda a sua força para reprimir cidadãos que, na verdade, estão lutando contra a reforma tributária. Fico muito preocupado porque estou longe do país. É meu país, eu gosto muito dele. Ver as pessoas passarem por isso é algo muito triste, e aqui me sinto com as mãos atadas. Quando eu era estudante na Colômbia, eu ia a manifestações. Já vi repressões a manifestações, mas nunca com toda essa violência, como agora. Eu nunca tinha visto um confronto desse nível. Fico bastante apreensivo. Também fiquei triste porque as autoridades mundiais demoraram muito para se posicionar, e isso deixou a população ainda mais vulnerável.

E quais são os relatos dos seus familiares e amigos sobre a maneira como o governo colombiano está lidando com a pandemia?
As pessoas na Colômbia se sentem abandonadas. No Brasil, ainda há laboratórios públicos que produzem vacinas. Na Colômbia não há, lá não produzem vacinas. E mesmo assim o governo não se esforçou minimamente para comprar imunizantes. Minha mãe tem 64 anos e não tomou nem a primeira dose, e a chance de ela tomar a primeira este ano é cada vez menor, porque o Estado não está interessado em fornecer vacina para a população.

O que explica a intensidade da violência das repressões às manifestações?
A polícia parece realmente estar com o intuito de deixar a população com medo. A ordem foi “atirem na população para ela voltar para casa”. Quando esses governantes caírem, não voltam mais.

E essa estratégia de incutir medo é utilizada com frequência pelo governo?
Sim. O governo da Colômbia, desde a época do presidente Álvaro Uribe, sempre colocou medo na sociedade dizendo que o país vai virar uma Venezuela. O governo comete crimes para passar essa ideia de que estão fazendo a coisa certa. Agentes policiais se infiltram em manifestações para quebrar coisas e agredir outros policiais, para aumentar esse medo. Tudo para vender a ideia de que é um protesto de vândalos, que não serve para nada e que torna o país mais inseguro.

E como as pessoas avaliam a posição do presidente Iván Duque sobre o acordo de paz feito com as Farc?
O [Juan Manuel] Santos foi eleito com o apoio do Uribe, mas em um momento ele se afastou do ex-presidente e percebeu que era melhor fazer um acordo de paz com as Farc do que ficar brigando. Foi uma coisa boa, ele ganhou o Nobel da Paz por isso. Mas o Uribe não concordou.
O Duque também foi eleito com o apoio do Uribe, e a primeira coisa que ele fez foi sair do acordo, alegando que o governo não devia pagar para terroristas. Mas ele não viu o outro ponto de vista, que desarmar as Farc é positivo para o país. Além disso, Colômbia não precisaria gastar dinheiro comprando armas se não há uma guerra. Mas a missão de Uribe é deixar o país sempre com medo da guerrilha para se perpetuar no poder. Eles alimentam esse conflito contra a guerrilha, e os cidadãos já se cansaram dessa situação.

Topo