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WhatsApp Image 2021 03 19 at 17.25.562Alberto Pucheu
Faculdade de Letras

 

Março de 2020 inauguraria bons acontecimentos. Começaria um pós-doutorado para concluir o livro de minha pesquisa. Eu também comprara passagens para participar do lançamento do livro de Carlos de Assumpção, por mim organizado, e assistir à estreia da peça Na Boca do Vulcão, da Companhia Polifônica, que encenaria meu poema “Para que poetas em tempos de terrorismos?”. Havia, ainda, sido convidado para a Feira Panamazônica de Literatura, que homenagearia Vicente Cecim, sobre quem eu fizera um filme. Estenderia a viagem para filmar Márcia Kambeba, Elizeu Braga e outros poetas amazônicos.

Subitamente, tomamos consciência da devastação da pandemia estimulada pelo governo que nos assola. Tudo foi cancelado, menos o pós-doutorado. Dediquei-me a concluir o livro Espantografias: entre poesia, filosofia e política e a resgatar um poema escrito na semana anterior ao segundo turno de 2018, para estendê-lo, acompanhando o que acontecia. Publicado em 2020 no livro vidas rasteiras (Ed. Cult), “Poema para a catástrofe do nosso tempo”, terminado em 11 de maio de 2020, abre com os versos de 2018, que prenunciava o que viria:


Amanhã não será um dia melhor
do que hoje, que não é um dia
melhor do que ontem. Há um
sentimento fúnebre no ar,
de quem tem vivenciado
uma morte após a outra,
de quem tem vivenciado,
antecipadamente, mais uma
morte, a última delas, a morte
após a própria morte, a morte
da qual não se tem retorno,
a morte da qual os mortos
não voltam dela para a vida,
a morte a que apenas os vivos
se encaminham para ela
sem jamais poder voltar,
a morte da qual não se tem
poemas para se fazer,
não a morte simbólica,
mas a outra, a real,
a experiência final da morte
em vida, da qual sobrevivemos,
se tanto, ainda que neste mundo,
enquanto fantasmas desossados,
descarnados, desfigurados,
que berram na tentativa de evitar
a morte e de evitar, a todo custo,
a morte em vida. Berramos em vão.
Não assustamos mais ninguém
com nossos berros. São eles, antes,
os inassustáveis, que no
s assustam.
[...]

 

 

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