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WEB menorP10AProfessora emérita, a economista portuguesa Maria da Conceição Tavares completou 90 anos no último dia 24. Responsável pela formação de várias gerações de economistas na UFRJ e na Unicamp, ela acumula um legado de admiração e combatividade nas formulações sobre politicas econômicas. Ex-deputada pelo PT do Rio, Maria da Conceição é homenageada no Jornal da AdUFRJ por um de seus queridos ex-alunos, o agora professor Carlos Pinkusfeld, do Instituto de Economia.

 

Eu era um aluno da Escola de Química da UFRJ e aspirante a músico. Gostava muito de política, também, como a maioria dos jovens no início dos anos 1980 na efervescência do processo de redemocratização. Não entendia muito bem quando os políticos atacavam, com grande, imprecisão, o tal “modelo econômico brasileiro”. Para mim fez-se a luz quando comecei a ver as palestras da Prof. Conceição Tavares. Ou melhor, fez-se o brilho, o riso, a provocação e a ânsia por aprender mais.

Para mim ao ver suas palestras ficou claro que era aquilo que eu queria estudar o resto da vida. E de preferência com aquela professora. Dito e feito: entrei no IEI da UFRJ e além das aulas e palestras, acabei ganhando minha orientadora de mestrado e uma amiga.

Suas aulas e seminários eram um mini show, o tempo voava. No começo, se fossem pela manhã então, a expectativa era a pior possível. Afinal ela, normalmente, chegava resmungando, com sua voz grave: “estou péssima”. Não sem razão!!

WEB menorP10Crise dos anos 1980, ascensão do neoliberalismo... Mas a “promessa” era inteiramente falsa. Minutos depois estava lá a professora, gesticulando muito, gritando, fumando desesperadamente, andando de um lado para o outro na sala... Ensinando seus queridos Kalecki, Keynes, Marx e Schumpeter, misturados com referências ao filme que tinha visto na véspera do David Byrne e que pra ela, com razão, retratavam as transformações do capitalismo norte americano pós anos 1980.

Era muita coisa junta e misturada, tudo muito divertido; mas, mais importante: fazia todo sentido. Abria a nossa cabeça para a importante ligação entre teoria e mundo real e como essas conexões podem, e devem, ser captadas com a observação atenta das diversas formas de expressões culturais.

Ter sempre um olho de economista estruturalista na vida. A honra de ser orientado pela professora foi recheada de broncas homéricas, lições inestimáveis e descobertas curiosas: como sua paixão por ficção científica.

Mesmo a ruim. Num domingo que tínhamos marcado para discutir a dissertação, tive que assistir a boa parte do terceiro filme da série original do Planeta dos Macacos, sessão regada à sua inseparável Coca Cola. Acho que fazia parte do processo educacional, ainda que ela, volta e meia, reconhecesse: “Eu sei que esse filme é muito ruim!!” Nos nossos anos de convivência pude atestar a dimensão da sua voracidade pela leitura em geral e por ficção científica em especial. Mas não se deixem enganar pelas aparências. Mesmo a ficção científica não era apenas um espaço lúdico para descanso de uma mente brilhante. Lembro-me do seu entusiasmo em discutir Blade Runner, e como antevia um futuro distópico como consequência das contradições do capitalismo e da realidade dos anos 1980. Mais uma vez, a partir de um filme de imenso sucesso popular, encontrava espaço para dar mais uma “aula”, seguindo sua permanente orientação de partir da análise das contradições sociais e da evolução das condições materiais como forma de entendimento dos processos históricos concretos. “Como ensinou o velho barbas” (sic)

Além de famosa e querida no Brasil, Conceição também era admirada fora daqui. Durante um aula no doutorado a também grande e querida Prof. Alice Amsden ficou radiante ao saber que eu havia sido orientado pela Conceição. Contou alguns “causos”, típicos da mestra, e completou: “ She is crazy. I love her. Send my warmest regards when you see her”.

Quando visitei o Brasil, numas férias de verão, transmiti o abraço da Prof. Amsden e falei, com leve arrogância: “Poxa Conceição, tem umas coisas que a gente está estudando no curso de doutorado que eu já vi no mestrado”.

Ela deu um tapinha no meu ombro e falou com certo enfado: “Claro ué, você teve mestre”.

Tive mesmo. Obrigado professora.

CARLOS PINKUSFELD BASTOS
Professor do Instituto de Economia

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