Daniel Conceição
professor do IPPUR/UFRJ e filho do ex-reitor Carlos Levi da Conceição
Imagine ser condenado criminalmente por algo que o próprio Tribunal de Contas da União descreveu como um simples “saldo remanescente” de contrato. Um troco, como o TCU registrou em seus pareceres. Parece absurdo? Pois essa é a realidade enfrentada por professores da UFRJ, entre eles o ex-reitor Carlos Levi, em mais um capítulo do lawfare que atinge o Serviço Público — com ecos claros do trágico caso de Luiz Carlos Cancellier, ex-reitor da UFSC.
Ambos os casos têm em comum o uso distorcido de instrumentos jurídicos para punir gestores comprometidos com a universidade pública. No caso da UFRJ, a perseguição judicial teve origem em uma denúncia genérica, apresentada ao Ministério Público Federal por um ex-professor da casa exonerado por graves condutas — entre elas, agressão física a estudante. Foi esse professor, conhecido por seu alinhamento ideológico com o integralismo e por declarações homofóbicas e anticomunistas, quem acusou falsamente a gestão da UFRJ de desviar cerca de R$ 50 milhões em um contrato com o Banco do Brasil.
A acusação não resistiria a uma checagem técnica minimamente rigorosa. O contrato em questão (nº 52/2007), negociado pela gestão do reitor Aloísio Teixeira, garantiu cerca de R$ 40 milhões à universidade em troca da exclusividade dos serviços bancários prestados pelo Banco do Brasil. Os recursos, de natureza obviamente extraorçamentária, foram geridos pela Fundação José Bonifácio (FUJB), conforme a legislação vigente (Lei nº 8.958/1994 e Decreto nº 5.205/2004) e a praxe de centenas de universidades federais.
Mais de mil projetos foram executados com esses recursos, incluindo eventos acadêmicos, programas de apoio institucional e obras estruturantes como o Restaurante Universitário da Ilha do Fundão. Todos os gastos foram auditados e considerados regulares por órgãos de controle como o TCU, a CGU e a própria AGU.
Ao final da execução, com a interrupção precoce da atuação da FUJB (determinada em virtude das investigações pelos órgãos de controle), um saldo de R$ 2,9 milhões permaneceu na conta da fundação. Esse valor foi devolvido à UFRJ com correção monetária. Ainda assim, a sentença de primeira instância tratou esse troco como prova de crime. Segundo a juíza, a devolução do saldo indicaria que a “taxa de administração” paga à fundação não teria sido devidamente justificada ao TCU.
A conclusão é frontalmente desmentida pelos próprios documentos utilizados como base da acusação. O Acórdão 856/2014 do TCU reconhece a regularidade das contas e identifica os valores devolvidos como saldo não utilizado — e não como verba desviada. O Acórdão 1546/2015 reforça que, após comprovações adicionais, restou apenas o valor residual, já restituído e a correção monetária. O parecer da CGU (nº 294/2012) também afirma que todos os recursos foram aplicados em benefício da UFRJ, com comprovação de custos e conformidade com os procedimentos. Por fim, o parecer da AGU (nº 02/2023) desmonta completamente a tese de irregularidade.
Outra erro fragoroso: a sentença comete erros factuais facilmente demonstráveis que aumentaram muito a pena do professor Levi. A juíza o tratou como reitor durante a vigência do contrato, quando na verdade ele era pró-reitor de Planejamento — o reitor era Aloísio Teixeira. Essa falsa imputação de “autoridade máxima no período” foi usada como justificativa para o agravamento da pena.
Não há crime, não há dolo, não há dano ao erário. Há, sim, a criminalização de uma prática institucional legítima, a distorção de dados técnicos e o uso político do sistema de Justiça contra servidores que contribuíram para o fortalecimento da universidade pública. A perseguição judicial iniciada por um fascista inconformado por ter sido exonerado justamente já destroçou seis vidas. Além de verem seus nomes injustamente manchados, Levi, Luiz Martins de Mello, João Eduardo Fonseca, Raymundo de Oliveira e Geraldo Nunes já enfrentaram problemas de saúde sérios comumente associados ao estresse e à ansiedade. Nosso saudoso Aloísio Teixeira faleceu vítima de um infarto fulminante quando a perseguição judicial pesava quase toda sobre o seu peito de reitor.
A UFRJ precisa defender seus quadros com a mesma dignidade com que estes defenderam a universidade. A segunda instância tem agora a chance de corrigir essa injustiça — e evitar que seis de seus servidores se tornem mais nomes na lista dos outros Cancellieres da história universitária brasileira.