Foto: Fernando SouzaO Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN) sediou ao longo desta semana o Colegiado de Pró-reitores de Graduação (Cograd), órgão de assessoramento da Andifes. O encontro reuniu 54 dirigentes de universidades e institutos federais de todas as regiões do Brasil. O evento, que foi organizado em conjunto com as instituições federais do Rio, discutiu mudanças nas legislações do ensino a distância e o papel da pós-graduação na formação de professores. Mas as questões orçamentárias permearam os debates.
A mesa de abertura teve a participação do reitor Roberto Medronho e da vice, Cássia Turci. A professora destacou os avanços conquistados pelas universidades, apesar dos desafios orçamentários. “A despeito de todas as dificuldades, nós estamos avançando nos nossos cursos de graduação”, celebrou. “Nosso corpo social é incompatível com nossa infraestrutura, mas estamos buscando superar esses entraves”.
O reitor Roberto Medronho destacou a importância dos investimentos nas instituições públicas de ensino e pesquisa. “Estive recentemente na China, que há 50 anos era um país agrário e extrativista, como nós, mas que investiu e segue investindo em ciência, tecnologia e inovação. Precisamos que nossos governantes compreendam que só há desenvolvimento de uma nação com forte investimento nessas áreas”, afirmou.
MUDANÇAS NO EAD
O principal tema da reunião foi o decreto 1256/2025, que estipula mudanças no ensino a distância. A nova política de EaD, assinada pelo presidente Lula em maio, proíbe cursos 100% a distância e exige mínimo de 20% da carga horária presencial. Outra alteração é a proibição de ensino a distância para os cursos de graduação em Medicina, Enfermagem, Odontologia, Direito e Psicologia. As aulas remotas passam, ainda, a ser obrigatoriamente síncronas, ou seja, exigir interação online ao vivo entre alunos e professores.
A UFRJ aderiu ao EaD por meio do Consórcio Cederj. Criado em 2000, o consórcio reúne outras instituições de ensino superior fluminenses: Cefet, Uerj, Uenf, UFF, UniRio e Rural. A UFRJ oferece os cursos de graduação em Biologia, Física, Química e Ciências Contábeis.
Segundo a pró-reitora de Graduação da UFRJ, professora Maria Fernanda Quintela, as recentes mudanças estipuladas pelo decreto presidencial não impactam diretamente a universidade. “A UFRJ sempre trabalhou com a política do ensino semipresencial no consórcio. Nós consideramos muito importante que haja atividades presenciais em todos os cursos”, disse. “Além disso, nossos cursos não estão entre aqueles proibidos pelo decreto”, assinalou. “Dessa forma, o impacto para nós é muito menor do que para outras universidades que atuam com o ensino integralmente remoto no EaD”.
FALTA DINHEIRO
A escassez de recursos é um drama vivido pelas instituições de ensino superior. Os pró-reitores que conversaram com o Jornal da AdUFRJ foram unânimes em relação aos riscos de colapso. Marcelo Souza Motta, pró-reitor de Graduação da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), destacou o desafio de manter políticas de permanência para alunos socialmente vulneráveis. “Temos muita preocupação em não darmos continuidade a essas políticas tão importantes e isso se refletir no aumento da evasão”, pontuou o docente. “As ações de cortes de orçamento do PNAES (Programa Nacional de Assistência Estudantil) podem retirar nossos estudantes da sala de aula”, afirmou.
Outra repercussão negativa é na área de investimentos em pesquisa. “A gente está atuando no básico, sem possibilidades de investir na pesquisa, que é uma área de interesse não só para nós, mas para toda a sociedade”, disse. “Ao mesmo tempo, dependemos muitas vezes de ações de grupos isolados na universidade para tocar uma obra emergencial, uma intervenção na estrutura e mantermos o funcionamento. Não há espaço para planejamento”.
Ele também comentou o efeito dos cortes no aumento das vagas ociosas. “Hoje já sofremos um fenômeno de baixa atratividade para os cursos de graduação e esse corte de orçamento dificulta as nossas ações de ensino, pesquisa, extensão. A gente sofre ao não poder oferecer uma educação de qualidade, efetiva, que proporcione a formação do cidadão crítico”, disse. “O novo marco da EaD precisa refletir a permanência dos nossos estudantes na instituição. O desafio é criar novas possibilidades para que os alunos possam permanecer na universidade”, afirmou.
Pró-reitora de Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a professora Elda Melo destacou que a mudança de perfil social do alunado exige mais investimentos. “Historicamente nossa universidade sempre abrigou um público de elite. Entretanto, as ações de democratização do acesso permitiram a chegada de um público diferenciado e mais vulnerável socioeconomicamente. Essa mudança de paradigma gera demandas por medidas de permanência”, explicou. “Bolsas, auxílios, apoios passam a ser necessários para que essas pessoas continuem na universidade e tudo isso demanda mais recursos. Sem dinheiro, as políticas ficam inviabilizadas”, concluiu a dirigente.
UNIVERSIDADES NOVAS
Os desafios de manter as portas abertas é sentido tanto por instituições antigas, como a UFRJ, como por instituições jovens. Se as mais antigas têm graves problemas de infraestrutura predial – em que boa parte é patrimônio tombado e gera necessidades extras de recursos para sua estruturação – as novas ainda lutam para se consolidar. Para o professor Braz Batista Vaz, pró-reitor de Graduação da Universidade Federal do Norte do Tocantis (UFNT), os desafios são ainda maiores.
“Nós fomos criados em 2019 e somente a partir de 2024 ganhamos autonomia”, contou o pró-reitor. “Dessa forma, sofremos mais com as reduções orçamentárias porque precisamos lidar com as assimetrias regionais e elas são enormes na distribuição orçamentária”, pontuou o professor. “Também somos uma universidade interiorizada, parte da Amazônia Legal. Somos multicampi, o que exige uma logística mais complicada para a comunidade acadêmica e gera maior custo para a instituição. Uma semana acadêmica, por exemplo, que teoricamente seria uma ação simples, se torna muito mais complexa e cara por essas circunstâncias”, exemplificou o docente.
Outro diferencial é que os estudantes são, em grande parte, indígenas e quilombolas – populações historicamente negligenciadas pela sociedade brasileira. “São extremamente vulneráveis, muito carentes. São indígenas, quilombolas, ribeirinhos. Então, temos enorme demanda de suporte orçamentário para ações e políticas de permanência”.
O resultado da diminuição de recursos é desastroso para a instituição. “Para nós, contingenciamento significa limitar o ingresso de alunos, inviabilizar a permanência dos estudantes e prejudicar sobremaneira o ensino, a pesquisa e a extensão”, afirmou. “Agora temos as cobranças relativas à inovação, que também demandam investimentos, e se tornam um enorme desafio para nós”, disse. “Tudo isso faz com que a nossa instituição demore muito mais tempo para se estruturar e pode nos colocar numa situação de colapso”.
Fixar professores é mais um desafio nesse contexto de carências. “O processo de interiorização nos levou para lugares em que a universidade não atuava. No entanto, manter a instituição funcionando nesses locais não é a mesma coisa que manter uma universidade já consolidada em capitais. Há outras exigências”, apontou o pró-reitor. “Temos muita dificuldade de fixar docentes, de estruturar a universidade. É preciso olhar as assimetrias e os contextos, pensar em políticas para que todas consigam avançar juntas na missão de ensino, pesquisa e extensão”.