Fundamentais para o desenvolvimento do país, as universidades não recebem orçamento adequado para a manutenção de suas atividades. O diagnóstico, bastante conhecido dentro da comunidade acadêmica, ganhou uma nova tribuna desde o último dia 9.
A crise financeira das instituições federais de educação superior, com destaque para a maior delas, é o principal tema do artigo “Custos sistêmicos do subfinanciamento da UFRJ e propostas corretivas”, divulgado pelo site Consultor Jurídico. No texto, a procuradora federal Flávia Corrêa Azeredo de Freitas faz um cuidadoso levantamento das dificuldades enfrentadas pela universidade e apresenta algumas propostas de solução para o debate.
Confira a seguir alguns dos principais trechos do artigo, distribuídos em tópicos criados pelo Jornal da AdUFRJ.
PLANEJAMENTO PREJUDICADO
“A deficiência orçamentária para custeio de despesas correntes é um problema grave em qualquer circunstância. Seja no ambiente familiar, empresarial ou administrativo, orçamento é instrumento de planejamento e representa o fluxo previsto dos ingressos e das aplicações de recursos em determinado período. A insuficiência de recursos para garantir a manutenção de serviços e bens essenciais é um fator que precisa de atenção e atuação corretiva.”
UNIVERSIDADE NÃO É PRIORIDADE
“No Brasil, a Constituição de 1988 (artigo 212) estabelece a destinação de um percentual mínimo de 18% da Receita Líquida de Impostos (RL) para a educação. No que se refere aos estados e municípios, a parcela corresponde a 25%. Todavia, inexistem vinculações orçamentárias constitucionais ou legais que obriguem a administração pública a aplicar um percentual mínimo de suas receitas no ensino superior, como há para a educação básica.”
REDUÇÃO EXPRESSIVA
“Evolução do orçamento das IFES no período de 2011 a 2021 revela redução expressiva das despesas discricionárias, capaz de prejudicar a oferta e a expansão da educação profissional e tecnológica e do ensino superior público, assim como as atividades de pesquisa e extensão.”
TETO DE GASTOS
“Ações governamentais para se enquadrar no Teto de Gastos foram prejudiciais à educação superior e à educação profissional e tecnológica, diante da falta de priorização do setor.”
“Estudos sobre financiamento público do ensino superior apontam que, a partir de 2016, houve uma acentuada queda no orçamento discricionário, ou seja, aquele destinado ao custeio e investimento, excetuadas as despesas com pessoal.”
“O financiamento das universidades públicas federais ocorre por meio do Tesouro Nacional. As suas despesas, excluindo pessoal, são classificadas como discricionárias ou não obrigatórias; portanto, o limite orçamentário para essas despesas depende do volume de recursos disponíveis, dentro dos parâmetros econômicos e da meta de resultado fiscal.”
“As universidades e institutos federais têm pouca influência na formulação dos orçamentos anuais.”
NOVO ARCABOUÇO FISCAL
“O advento do novo arcabouço fiscal, ainda que se admita encontrar-se em fase de ajustes, não foi capaz de restabelecer a dotação suficiente à UFRJ para a manutenção e desenvolvimento das suas finalidades institucionais. Os noticiários recentes são prova dessa realidade.”
“Recursos de emendas parlamentares não beneficiam todas as instituições federais de ensino e há grande variação nos valores recebidos.”
BÁSICO CUSTA 40% DO ORÇAMENTO
“As despesas com água/saneamento, energia elétrica, limpeza/conservação e vigilância representaram para a UFRJ, em 2023, cerca de 40% do seu orçamento para custeio. É a maior proporção em comparação às outras quatro universidades federais que integram o Top 5:
UFRGS
30,4%
UFMG
26,45%
UFPR
24,46%
UFSC
34,6%”.
“Considerando apenas o custo de água/saneamento e energia elétrica no ano de 2023, a proporção na UFRJ (14,73%) se manteve a maior ante os 11% (UFRGS), 11,63% (UFMG), 8,31% (UFPR) e 9,55% (UFSC)”.
Gastos com luz e água
UFRJ - 14,73%
UFRGS - 11%
UFMG- 11,63%
UFPR - 8,31%
UFSC - 9,55%
“A proporção maior de gastos se justifica pois a UFRJ é, dentre elas, a maior universidade e a que mais possui laboratórios de pesquisa e hospitais, os grandes consumidores de água e energia elétrica.”
E SE ATRASA O PAGAMENTO?
“Quando se paga uma fatura em atraso (e no caso da UFRJ, as faturas tomam proporção de milhões), paga-se juros e multa, em valores que não são desprezíveis. Quando a fatura de um serviço essencial não é paga, corre-se o sério risco de comprometimento das atividades – também essenciais – da instituição devedora. Além disso, e na maioria das vezes, a discussão é levada ao judiciário, efetivando-se o pagamento por precatório, com a inescapável incidência de correção monetária, juros de mora e honorários advocatícios, tudo a acrescer o valor original da dívida.”
“O recurso ao Poder Judiciário para remediar um quadro de crise orçamentária também eleva custos de outras ordens, tais como o tempo dispendido pelos atores envolvidos e custos administrativos para gerir o impasse.”
“Não nos esqueçamos, ainda, do abalo emocional que acomete as pessoas responsáveis por gerir uma crise dessa magnitude. Fazer parte da rede de atuação para manutenção de serviços essenciais, como água e luz, em uma universidade com mais de mil laboratórios, uma dezena de unidades de saúde e cerca de 70 mil estudantes não é algo trivial.”
DÍVIDAS
“Em 2024, a dívida da UFRJ com a concessionária de energia elétrica chegou a R$ 35 milhões, incluídas parcelas não quitadas de um acordo administrativo, e com a concessionária de água o débito gira em torno de R$ 18 milhões.”
Débitos com concessionárias
(2024)
Energia elétrica
R$ 35 milhões
Água
R$ 18 milhões
EXCELÊNCIA, APESAR DE TUDO
“Apesar das dificuldades decorrentes do subfinanciamento, a UFRJ ocupa posto nas Top 5 universidades federais do país, ao lado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), segundo o Academic Ranking of World Universities 2024.”
“Outro indicador da excelência da UFRJ é o Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição (IGC), desenvolvido pelo Inep e corresponde à média das notas dos cursos de graduação e dos conceitos Capes dos cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), ponderadas pelo número de matrículas de cada curso.”
“Tanto a UFRJ como as outras quatro universidades que integram o citado Top 5 receberam a nota máxima de IGC – 5 – no último levantamento realizado em 2023 que considerou o ciclo avaliativo do Enade (2019, 2021, 2022).”
GANHOS
“Os ganhos sociais e econômicos obtidos por uma nação que investe adequadamente em educação estão comprovados. Os três principais indicadores para avalição do índice de desenvolvimento humano da ONU são saúde, escolaridade e renda.”
EXEMPLO DA USP
“A USP é a universidade brasileira mais bem ranqueada entre as 2,5 mil avaliadas pelo Academic Ranking of World Universities 2024. Sua fonte de financiamento está legalmente atrelada à arrecadação do ICMS. Do montante repassado pelo Governo do Estado de São Paulo às instituições, 5,02% são destinados para a USP, 2,34% para a Unesp e 2,19% para a Unicamp.”
DEBATE NECESSÁRIO
“Ao lado dessas premissas, consideramos adequada uma atuação plurinstitucional em torno do tema. Há outros atores, além das Ifes, MEC, Ministério da Fazenda, Congresso Nacional e TCU, que podem contribuir para a elaboração de diagnóstico efetivo e plano de ação para a crise, que não é limitada à UFRJ. Quando agentes com diferentes expertises pensam em conjunto, ideias criativas surgem e o debate se qualifica.”
PROPOSTAS
“Equacionamento das fontes de custeio público, aprimoramento da captação de receitas próprias, aperfeiçoamento da legislação do ensino superior com vinculação de repasse de percentuais mínimos e formação de uma rede plurinstitucional são exemplos de propostas corretivas que trazemos para o debate de soluções.”
REITOR ELOGIA DIAGNÓSTICO E PROPOSTAS APRESENTADOS NO ARTIGO
Foto: Fernando SouzaO artigo da procuradora Flávia Corrêa foi bem recebido na UFRJ. Ganhou divulgação no site e nas redes sociais da instituição e, durante o Conselho Universitário do dia 13, o reitor Roberto Medronho solicitou a distribuição do link do texto a todos os representantes de docentes, técnicos e estudantes no colegiado.
“Fiquei gratamente surpreso ao ler o artigo da doutora Flávia. Retrata a nossa realidade. Mostra que foi feito por uma pessoa que conhece profundamente este sistema”, disse o dirigente ao Jornal da AdUFRJ.
Além do diagnóstico da crise, a procuradora aponta o modelo de financiamento da USP, Unicamp e Unesp — que recebem um percentual fixo sobre a arrecadação de ICMS do estado de São Paulo — como uma ideia a ser discutida para o aperfeiçoamento da legislação relativa às federais.
Medronho concorda com a proposta. “O modelo das estaduais paulistas é plenamente exitoso. Estão crescendo cada vez mais. Contribuindo para o desenvolvimento do estado de São Paulo e prestando serviços relevantes para a sociedade brasileira. Lá, houve sensibilidade para se investir na educação superior”, afirma. “Esta é uma discussão que o Congresso deve fazer. Mas nós, reitores, temos a obrigação de levar esse debate para a sociedade”.
Economista responsável pelos estudos do Observatório do Conhecimento — rede de associações docentes que defendem a universidade pública, hoje coordenada pela AdUFRJ —, Letícia Inácio também avalia a proposição de forma positiva. Com uma ressalva: “A minha única preocupação com essa proposta é que a arrecadação tributária depende, em grande parte, do nível de atividade econômica. Isto é, quando a economia vai bem, a arrecadação é alta. O contrário também é válido. Nesse caso, como assegurar que um período de crise econômica não vai acarretar uma crise orçamentária também às universidades?”, questiona.
Uma forma de evitar eventuais dificuldades em tempos de “vacas magras” seria a criação de fundos patrimoniais, também citados no texto da procuradora. “Essas são propostas que devem andar em consonância: receita a partir da arrecadação e fundos para casos excepcionais de restrição orçamentária”, afirma.
Letícia sugere que os recursos das universidades federais sejam vinculados à aplicação de percentual sobre a receita líquida total da União, “partindo da soma de todos os impostos arrecadados”. Ou pelo menos, sobre a arrecadação dos impostos de maior volume, como IRPF (da Pessoa Física) e IRPJ (de Pessoa Jurídica).
Diretor do Instituto de Economia, o professor Carlos Frederico Leão Rocha também expressa preocupação com um modelo de financiamento semelhante ao das instituições paulistas: “O problema é que o financiamento sofre flutuação de acordo com o nível de atividade econômica. O sistema precisa estar pronto para fazer os ajustes necessários, inclusive nos salários. Porque lá os salários também são pagos por este orçamento. Fazer este tipo de ajuste nunca é muito simples”, observa.
ORÇAMENTO INTERNOEnquanto ainda não existe uma solução, a UFRJ precisa lidar com a dura realidade. Sem receitas aprovadas pelo Congresso Nacional — a previsão é que o orçamento da União seja votado apenas em março —, toda a administração pública está sobrevivendo com duodécimos mensais da PLOA (Proposta de Lei Orçamentária) encaminhada pelo governo para a discussão de deputados e senadores.
No caso da maior federal do país, os dois primeiros duodécimos de 2025 foram consumidos quase integralmente por despesas ainda do ano passado, informou o pró-reitor de Finanças, professor Helios Malebranche, ao Consuni do dia 13.
A PLOA reserva para a UFRJ R$ 324 milhões para o funcionamento das atividades. “Isso é absolutamente insuficiente”, disse Medronho. Além disso, a reitoria já prevê a perda de R$ 18 milhões com a recente mudança da Desvinculação das Receitas da União (DRU), noticiada na edição anterior do Jornal da AdUFRJ. “E o que já era insuficiente ficou mais complicado ainda”, completou.
O reitor quer formar uma comissão do Conselho Universitário para discussão do orçamento interno de 2025. “E tentarmos construir uma proposta para 2025 que não traga tantos problemas como no ano anterior”, completou.