Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna não titubeou ao aceitar o convite para ser a presidente de chapa para a diretoria da AdUFRJ, em 2017, quando tinha 74 anos. Foi a forma que encontrou de continuar fazendo política na universidade. E, ao mesmo tempo, atender a um desejo do irmão Aloísio Teixeira, ex-reitor da UFRJ entre 2003 e 2011.
“Uma coisa que eu nunca falei é que o Aloísio, quando saiu da reitoria, disse: ‘Agora eu quero ser o presidente da AdUFRJ’. Ele queria ficar na universidade, atuando. Ele não conseguiu satisfazer esse desejo. Faço por ele”, contou à época, em entrevista ao Jornal da AdUFRJ.
E fez em um momento muito bruto da realidade brasileira. Entre outubro de 2017 e outubro de 2019, Marilu conduziu a AdUFRJ entre o fim do governo Temer e os primeiros meses de Jair Bolsonaro — e seus péssimos ministros da Educação. Incansável, dona de uma análise rigorosa dos acontecimentos, firme em suas convicções e com muito bom humor, a professora cativou os colegas de mandato.
“Marilu escutava, se encantava, forjava caminhos e construía entendimentos”, escreveu a professora Tatiana Sampaio, 2ª secretária daquela gestão, em depoimento para esta edição. “Mulher linda, suave, generosa, polida. Amiga para sempre guardada no lado direito do peito”, registrou a professora Ligia Bahia, vice-presidente da diretoria 2017-2019.
Confira, a seguir, a íntegra dos depoimentos dos colegas.
Carlos Frederico
Leão Rocha
Diretor do Instituto de Economia
Maria Lucia era uma comunista. Foi presa pela ditadura como Eunice, e como Maria seguiu adiante. Teve pai, irmão e marido perseguidos e criou quatro filhos, que geraram nove netos, que cantaram a Internacional no seu enterro, pleno de amigos com carinhosas referências. Ao final, uma canção de Tim Maia simplesmente pedia para ela ficar. Tenho muito a agradecer a Marilu. Ela tinha uma assertividade que se conjugava com generosidade que permeavam o espírito daqueles que tiveram a sorte de conviver com ela. Em 2017, quando pedi a Marilu para assumir a presidência da AdUFRJ, ela estava ofegante, mas não titubeou em aceitar, para logo depois recuperar o fôlego. Marilu seguiu na luta. Talvez tenha sido a primeira presidente aposentada da AdUFRJ. Lutou até o final contra a reforma da previdência, contra os desarranjos do governo Temer que lhe deixamos para enfrentar. A previdência era seu tema de estudo, que carregava com o sentimento de solidariedade que deixava permear pelo seu entorno. Maria Lucia era uma humanista. Solidariedade, humanismo e generosidade são temas cada vez mais escassos nessa trajetória neoliberal do tempo em que vivemos, o tempo que o tempo lhe deu e que a nós caberá tocar adiante. Marilu, vou pedir para você ficar.
EDUARDO RAUPP
Instituto Coppead
Conheci a Marilu pessoalmente no processo de construção da chapa que viria a ser a diretoria da Adufrj na gestão 2017-2019 e que foi por ela liderada. Marilu emprestou seu nome, sua reputação e sua experiência para que um processo de mudança no sindicato iniciado na gestão anterior pudesse ter continuidade. Até então eu tinha referências da sua atividade intelectual, de sua luta contra a ditadura e das importantes funções que havia desempenhado na UFRJ. Era uma admiração distante que só cresceu com a convivência. Marilu tinha o tino da análise de conjuntura, da visão nacional, da contextualização das pautas sindicais no seu mais amplo contexto histórico e político. Vivemos um período duríssimo na conjuntura nacional, das consequências do golpe contra Dilma à eleição do golpista. Era compreensível se, àquela altura da sua trajetória, depois de tanta luta pela democracia brasileira, ela desanimasse com o que estávamos vivendo. Estávamos novamente diante de uma ameaça democrática, que não superamos de todo e que foi explicitada nos acontecimentos de janeiro de 2023. Mas desânimo e Marilu eu jamais vi conviverem. Ela foi firme na direção do nosso sindicato e liderou com ternura e firmeza as iniciativas que tomamos. Marilu propiciava uma ligação entre uma tradição militante e a sabedoria para enfrentar os novos desafios que se impunham. Um privilégio para quem podia cotidianamente aprender com ela. Um legado que impulsiona todos nós na defesa dos princípios pelos quais ela viveu.
Lembro com muito carinho do seu acolhimento, da sua paciência e da sua compreensão comigo, mesmo nos momentos mais tensos da nossa gestão.
Sem deixar de lado suas posições, sempre deu voz a todos, estimulou o debate e liderou as sínteses possíveis. Minha memória da Marilu vai ser sempre a da sua altivez, da inconformidade genuína e do jeito habilidoso de trazer à baila os pontos críticos. Suas pautas vinham de antes, eram atualizadas e vislumbravam muitos dos desafios de uma luta civilizatória que vamos continuar fazendo. Sem hesitação quanto às tarefas militantes, mesmo que já àquela época fosse desafiada pelas questões de saúde, foi sempre um exemplo. Nos dois anos de convívio na diretoria da ADUFRJ, ela nos brindou com sua lucidez, capacidade de diálogo e firmeza. A admiração se seguiu e seguirá para sempre. Seu legado é inspiração para seguirmos na luta sincera pela Universidade, pela democracia, pelo Brasil.
Marilu, presente!
TATIANA SAMPAIO
Instituto de Ciências Biomédicas
Convivi de perto com a Maria Lucia por apenas 2 anos, durante nosso mandato na diretoria da Adufrj. Não posso afirmar que a conhecia bem, mas posso dizer que adorei tudo que conheci. Tranquila, profunda e acolhedora, a imagem de um lago, recebendo muitos rios sem nunca transbordar. Marilu escutava, se encantava, forjava caminhos e construía entendimentos. Uma combatente firme e doce, que enriqueceu o mundo
por onde passou. Estava ao nosso lado fazendo de tudo, liderando sem se impor, vibrando nas conquistas, não se abatendo nas dificuldades e se alegrando ao longo do caminho. Boa de cabeça e de coração, uma pessoa admirável, uma heroína mulher a brilhar como um norte para sempre em nossa memória
FELIPE ROSA
Instituto de Física
Ao contrário da maioria dos esvaziados pela sua partida, não conheci a Maria Lúcia Werneck da luta contra a ditadura, da prisão e da jornada pela redemocratização. Tampouco convivi com a brilhante professora de economia e Decana do Centro das Ciências Jurídicas e Econômicas. Meu primeiríssimo contato com a querida Marilu foi em 2017, num dos encontros que consolidou a chapa que venceria as eleições para a AdUFRJ
naquele ano. Ficamos dois anos em nosso mandato, e apesar da dureza inerente à prática sindical, ela sempre carregava – ao lado de seu arguto intelecto – uma humanidade que quase arrastava todos ao seu redor. O estar com Marilu sempre trazia aquele conforto da conversa entre velhos amigos, e me lembro de pensar mais de uma vez que “daqui a trinta anos, se estiver como Marilu, é porque algo certo fiz na vida.” Muito obrigado
pelo carinho e ensinamentos, minha amiga. Descanse em paz.
MARIA PAULA ARAÚJO
Instituto de História
Conheci Marilu desde que fiz meu doutorado no Iuperj, nos anos 90. Eu a conheci por seus estudos de Sociologia Política e Economia. Mas era uma referência teórica apenas. Muitos anos depois, integramos a diretoria da AdUFRJ entre 2017 e 2019. E aí foi um grande encontro de amizade. Conviver com Marilu durante estes dois anos foi um aprendizado para mim: de perspicácia, de julgamento moral, de juventude, de coragem, de acuidade em relação a fatos, pessoas e posturas. E de uma enorme vivacidade. Marilu conjugava uma integridade muito absoluta com alguns momentos de grande senso de humor. Foi uma parceria importante na minha trajetória. Sempre vou me lembrar de tudo que aprendi e vivi com ela.
DEBORAH TRIGUEIRO
Técnica-administrativa
Trabalhei com a Maria Lúcia no Instituto de Economia durante muitos anos. A Marilu tinha uma história de vida que fazia toda a diferença. Tinha sido professora do ensino básico, era mãe de quatro filhos, e vinha de uma família de cassados pela ditadura. Estudava bem estar social e políticas públicas. Dialogava muito com funcionários e professores. Era muito querida por todos. Admirável mesmo. Fez parte da minha formação política junto com a Conceição e outras professoras do IE. Carinhosa, solidária, acolhedora, mas firme, convicta e segura. Foi um prazer voltar a trabalhar com ela aqui na AdUFRJ. Ô sorte a minha!
FERNANDO DUDA
Coppe
Tive o privilégio de conhecer pessoalmente a Marilu durante as articulações para a montagem da chapa que disputou e venceu as eleições para a AdUFRJ no período de 2017 a 2019. Nesse mandato, ela exerceu a presidência, enquanto eu atuei como tesoureiro, o que me permitiu acompanhar de perto sua vitalidade, energia, inteligência, carisma, bom humor e firmeza. Essas qualidades, somadas à sua sagacidade e ao seu sorriso acolhedor, marcaram profundamente sua gestão à frente da AdUFRJ. Participamos de inúmeras reuniões, congressos do ANDES em Salvador e Belém, além de muitos outros encontros. Foi um período de grandes desafios no pós-impeachment, com severas ameaças ao serviço público e às universidades públicas, em um contexto político tenso, marcado inclusive pela intervenção federal no Rio de Janeiro. Marilu foi uma liderança
ativa, resiliente e inspiradora, que enfrentou essas adversidades com coragem e determinação, deixando um legado
de resistência. Uma amiga querida que deixará muitas saudades.
ROBERTO MEDRONHO
Reitor da UFRJ
Professora Maria Lúcia foi ícone na luta pela democracia e pela justiça social em nosso país. Uma mulher forte, corajosa e generosa. Professora e pesquisadora brilhante. Seus estudos sobre a previdência social e a saúde são referências importantes
para todas as pessoas. Seu legado permanecerá. Maria Lúcia é um belo exemplo da excelência
de nossa Universidade
LIGIA BAHIA
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva
Fui convidada para escrever este texto por ter compartilhado com Maria Lucia uma gestão da AdUFRJ. Fomos da diretoria em 2017-2019, ela Presidente (não gostaria de Presidenta - importante advertir que rejeitaria por ser feminista) e eu vice. Como o espaço para o texto é exíguo e
imensa a relevância da Maria Lucia para o Brasil e UFRJ, decidi sintetizar uma parte de sua trajetória intelectual.
Sua tese de mestrado “A Administração do “Milagre” – O Conselho Monetário Nacional – 1964-1974” é um marco para a compreensão da ditadura militar, para além de seus aparatos repressivos e arrocho economico. Importante, inédita, avançou o conhecimento sobre a conformação de legitimidade, hegemonia de governos autoritários. Maria Lucia, não foi apenas vítima dos anos de chumbo, ousou estudar o monstro; dissecou suas entranhas. Passou a nos ensinar que “lei pega” (pode ser mais, menos) que as normas legais importam, fazem sentido, oprimem, produzem, intensificam desigualdades.
A obra “A Americanização (Perversa) da Seguridade Social no Brasil: Estratégias de Bem-Estar e Políticas Públicas” – resultou de seu doutorado.
Um estudo “pra ninguém botar defeito.” O que é “O Social” nas suas dimensões valorativas e pragmáticas expostos com rigor, acuidade e ultra bem documentados, estão acompanhados por análises acuradas de experiências internacionais, debates, o teor da Constituição de 1998, controvérsias após a aprovação,leis regulamentadoras e posicionamentos de movimentos sociais, sindicais e empresariais.
Maria Lucia, uma das criadoras da concepção sobre a inserção dos direitos sociais na Constituição, se dedicou à investigação da criatura: uma
seguridade social contraditória, seletiva, com baixo potencial redistributivo, mas “superlativa.” Tese, referência incontornável para os estudos sobre possibilidades, limites e padrões daquilo que é considerado esfera social, benefício, direito social no Brasil. O adjetivo “perversa” (para ela, conceitos qualificados, após a conclusão de pesquisas adquiriam conteúdo) tem sido substituído, em outros estudos, por excludente, incompleta,
imperfeita) .... Mas, proposição e argumentos originais permaneceram atuais.
Dois exemplos de empreendimentos teóricos e de dedicação à reflexão sobre nossa realidade e seus limites e possibilidades de mudança, sedimentados em uma longa trajetória de domínio da literatura clássica, esforços para o acompanhamento dos caminhos e descaminhos das ciências sociais e genuína abertura para o entendimento do novo-novo e novo velho. Maria Lucia nunca foi fiel a um autor, a uma escola. Marxista, gostava de Weber, de Gramsci e Stuart Mills....
Ecletismo, mas com rumo e prumo. Pensamento único jamais. Distorções, contorções e pedantismos pseudocientíficos, nunca. Nem pensar em descrições exaustivas que “morriam na praia” e números torturados, “que por si nada falam.” Professora generosa, com profundo interesse e respeito pelos distintos pontos de partida e chegada de cada aluno, pelas dúvidas, hesitações e vacilações. Pesquisadora despretensiosa
em relação a títulos e honrarias, porém hiper consciente em relação aos empreendimentos necessários, cumulativos e divergentes para o conhecimento crítico. Mulher linda, suave, generosa, polida. Amiga para sempre guardada no lado direito do peito.