O sistema de avaliação da Capes terá uma grande novidade a partir do próximo ano. Os artigos científicos não serão mais classificados apenas pelo grau de importância atribuído aos periódicos nos quais foram publicados. Outros critérios, como o número de citações, ganharão mais relevância no ciclo entre 2025 e 2028.
Hoje, dois artigos diferentes publicados na renomada revista Nature — considerada como A1, o máximo conceito do sistema — recebem a mesmíssima avaliação. “Mas esses artigos podem ter impactos diferentes nas suas áreas. No próximo ciclo – além de estar em uma revista de grande prestígio, um aspecto que vai permanecer na avaliação –, haverá atributos que irão diferenciá-los”, explica a presidente da Capes e ex-reitora da UFRJ, professora Denise Pires de Carvalho.
Um desses atributos poderá ser o número de citações, dependendo da área. Um artigo na revista Nature ou equivalente, com apenas uma citação, poderá valer menos que um artigo publicado em uma revista nacional importante, com maior número de citações, por exemplo. A medida, de acordo com a dirigente da Capes, poderá valorizar os periódicos nacionais. “Revistas nacionais, indexadas e com projeção internacional, poderão valer mais, porque não só a revista valerá, mas o conteúdo do artigo e suas citações”, completa.
A injusta competição internacional nesse mercado editorial é outro fator que pode ser atenuado com a ampliação da sistemática de avaliação. “A competição as vezes não é justa com o pesquisador brasileiro nessas revistas de maior renome”, afirma Denise. “Com foco mais na produção acadêmica e não nas revistas, vamos valorizar a pesquisa brasileira e o seu impacto, valorizar o pesquisador brasileiro e possivelmente também as revistas brasileiras. É isso que a gente pretende”.
Outro ponto que poderá ser levado em conta na classificação do artigo será o impacto na sociedade, como a divulgação no noticiário e repercussão nas redes. “Estão dizendo que o pesquisador vai virar um Youtuber. Não é nada disso. É a divulgação científica tão necessária. A divulgação científica vai fazer com que a sociedade fique perto dos cientistas e vai diminuir o negacionismo”, conclui Denise.
Os critérios comuns do próximo ciclo de avaliação da Capes aprovados pelo conselho técnico científico serão publicados pela diretoria de avaliação no início do próximo ano. As fichas de avaliação de cada área com critérios específicos serão divulgadas em março de 2025 (leia mais no quadro abaixo).
OTIMISMO
Integrante do CTC da Capes desde 2018 na área de Engenharia I e professor da Coppe, Rômulo Orrico está otimista com as mudanças que estão sendo desenhadas para o próximo ciclo. “A primeira expectativa é que seja evitado o excesso de publicações. O foco será a produção de algo correto, concreto. O que eu quero é qualidade”, afirma.
O docente também espera a redução da competitividade na Academia. “Se eu buscar publicar meus artigos nas melhores revistas, vou entrar num processo competitivo com meus colegas. E nem todos recebem as bênçãos dos deuses do Olimpo, não é?”, brinca. “Ciência é cooperação. Ninguém aprende nada sozinho. Ou se aprende pouco sozinho”.
O professor também aposta na valorização dos bons periódicos nacionais. “Buscar boas revistas já será de bom tamanho. Aquela loucura para publicar numa revista estrangeira que custa R$ 12 mil ou R$ 15 mil não faz sentido para nós, brasileiros. Aliás, acho que não faz sentido também para os americanos e europeus”, completa.
Mas nem todos estão satisfeitos com as mudanças. Em postagens que circulam pela internet, há quem argumente que o maior peso para as citações irá beneficiar autores com nome estabelecido na Academia. Ou aqueles que colocarão os alunos para citar o próprio trabalho.
Rômulo discorda. “É o contrário. A gente não vai ficar disputando citação. Quem fica puxando citações são as revistas, as empresas. Claro que deve ter uma meia dúzia de pesquisadores que não age de forma adequada. Mas citação cruzada ou autocitação não têm valor. Não é por aí que vamos medir a qualidade do artigo”.
Também integrante do CTC e professora da Escola de Química da UFRJ, Verônica Calado é outra apoiadora da classificação dos artigos por meio de algum índice. “Publicar na Nature continuará sendo importante, mas você irá além na avaliação”, diz.
Esse ir além não será baseado em critérios subjetivos. “Existem vários critérios. Daí sairá a classificação final”, diz a coordenadora da Engenharia II. Cada área vai definir os critérios. “Por exemplo, uma área pode utilizar um índice chamado FWCI (Field Weighted Citation Impact), que compara o número de citações do seu artigo com o número de citações de artigos similares na mesma época, na mesma área, no mundo inteiro. Assim, vamos fazer comparações mais justas do que o chamado índice H, que acumula o número de citações do artigo ao longo dos anos”, observa.
“Se o FWCI for maior do que um, o artigo está sendo mais citado do que a média mundial naquele tópico e naquele ano. Ou seja, dois artigos publicados na mesma revista — portanto, com o mesmo fator de impacto — podem ter classificações diferentes”, explica a professora.
“Temos de nos preocupar com o impacto do artigo ou produto para a sociedade de forma geral”, defende Verônica. “O jornalismo científico é fundamental para a divulgação dos trabalhos desenvolvidos nas universidades”.
AVALIAÇÃO DA AVALIAÇÃO
O anúncio de mudanças antes de um ciclo da Quadrienal da Capes não é novidade. O sistema está em constante processo de aprimoramento. “A avaliação da pós-graduação é um patrimônio do Brasil. A pós chegou aonde chegou, pois, desde o início, é avaliada. Só que a avaliação que se fazia lá no início não é a mesma do início dos anos 2000, quando o Qualis periódico foi introduzido”, afirma Denise, em referência a uma das ferramentas utilizadas para a análise da produção bibliográfica dos docentes e discentes dos programas de pós.
“E que vem evoluindo muito bem nesses 20 anos. Em 2018, o modelo do Qualis já foi atualizado. O que não quer dizer que não pode haver mudança. Não conheço nenhum processo de avaliação que seja mantido para sempre”, completa.
A presidente da Capes enfatiza que todas as mudanças são amplamente discutidas. “Não é uma decisão monocrática do presidente ou diretor de Avaliação da agência. É uma decisão do Conselho Técnico-Científico da Educação Superior, um dos mais qualificados do mundo, que tem cientistas de reconhecimento internacional”, defende.
Em 2023, o CTC começou a discutir as mudanças implantadas na última quadrienal (com o chamado Qualis Único). Foram criados cinco grupos de trabalho — o relacionado ao Qualis se chamava “GT Classificações da Produção Intelectual em Qualis Periódicos”. Todos os relatórios aprovados pelo CTC-ES serão divulgados agora em dezembro.