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WhatsApp Image 2024 07 01 at 17.28.25 8Foto: Acervo Pessoal

ENTREVISTA I ANITA HANDFAS, DA REDE UNIVERSITÁRIA DE SOLIDARIEDADE AO POVO PALESTINO

Ela aprendeu com o pai, desde cedo, que práticas colonialistas e racistas do sionismo devem ser combatidas. Hoje, a professora Anita Handfas, da Faculdade de Educação da UFRJ, usa os ensinamentos paternos para denunciar as atrocidades do governo israelense na Faixa de Gaza e para irradiar pelas universidades brasileiras uma corrente de apoio aos palestinos. Nesta entrevista, ela fala sobre os objetivos da Rede Universitária de Solidariedade ao Povo Palestino, criada há cerca de cinco meses e da qual é uma das coordenadoras nacionais.

Jornal da Adufrj - Como surgiu a Rede e quais os seus objetivos?
Anita
- A Rede foi criada por um grupo de professores que perceberam a urgência em criar uma rede de solidariedade que congregasse todas as instituições de ensino superior brasileiras. É um movimento de solidariedade ao povo palestino, mas também de denúncia das ações de caráter colonialista e racista do sionismo que vêm ocorrendo há mais de 70 anos na Palestina. Como expresso em seu manifesto de criação, a rede quer fazer um chamado a toda a comunidade acadêmica para uma tomada de posição contra o “regime de apartheid e a atual política de terror praticada pelo Estado de Israel” na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. É uma rede que pretende estimular as mais diversas ações, sejam atividades culturais, debates, lançamento de livros, exibição de filmes e tantas outras que têm como objetivo demonstrar nossa indignação com o genocídio perpetrado pelo Estado de Israel e expressar toda a nossa solidariedade ao povo palestino.

Essa denúncia abarca o histórico da relação entre Israel e a Palestina?
Ao contrário do que a mídia corporativa propaga, de que essas ações recentes do exército israelense seriam uma resposta ao ataque do Hamas em 7 de outubro passado, a realidade é que o apartheid e o colonialismo existem há mais de 70 anos, desde a criação do Estado de Israel em 1948, e a história mostra como que o povo palestino tem sido privado de seus direitos básicos, de viver em paz e de exercer sua plena soberania. São décadas de sofrimento, mas também de muita luta dos palestinos pelo seu direito de viver em liberdade. A proposta da rede vem no sentido de aglutinar as universidades, estimulando a criação de comitês de solidariedade e de denúncia das condições em que vivem os palestinos.

E por que uma rede universitária?
A universidade tem como uma de suas principais vocações a de ser um espaço de desenvolvimento da crítica, da reflexão, e da tomada de posição em favor dos povos oprimidos. É na universidade que devemos ser chamados a pensar em alternativas para a solução dos problemas que afligem toda a humanidade. Um dos objetivos da rede é levar para dentro da universidade o tema da Palestina. É claro que outras instituições da sociedade podem e devem se mobilizar, e a rede vai estar sempre associada a essas iniciativas, mas afirmamos em nosso manifesto que “como professores e professoras que têm convicções críticas, democráticas e humanistas defendemos a necessidade de garantir ao povo palestino e suas lideranças o exercício do seu direito à libertação nacional e plena soberania”.

Outro objetivo da Rede é o BDS. Poderia falar mais sobre isso?
O BDS é um movimento internacional, cuja sigla significa Boicote, Desinvestimento e Sanções. É inspirado em ação semelhante da África do Sul, que também enfrentou um regime de apartheid, e visa pressionar Israel a cumprir o Direito Internacional. O país ocupa um lugar chave na fabricação de armamentos e na doutrina militar, abastecendo diversos países em contratos milionários. É o caso do Brasil. Temos como exemplo as armas usadas pela polícia nas favelas do Rio de Janeiro, em grande parte compradas do governo israelense. Na página da internet da rede fazemos um chamamento à comunidade acadêmica para se engajar no BDS, por meio de ações de rompimento de acordos de cooperação técnica que universidades brasileiras mantêm com o governo de Israel. Outra luta que buscamos levar à frente é para que o governo brasileiro rompa as relações diplomáticas com o Estado de Israel.

Como tem sido a adesão à rede?
Centenas de professores universitários de todo o Brasil já se integraram à rede. Temos iniciativas importantes que têm em comum a solidariedade aos palestinos e a denúncia do genocídio que em Gaza, assassinando até o momento mais de 37.000 pessoas. É um pesadelo para todo o povo palestino, mas também para tantos profissionais que têm sido mortos. São médicos cujo objetivo é salvar vidas; são jornalistas que querem mostrar ao mundo a barbaridade que vem ocorrendo em Gaza. A destruição dos edifícios e do patrimônio cultural é gigantesca, veja as várias universidades que foram derrubadas. É importante registrar a crescente participação dos estudantes com ações de denúncia e de BDS.

Como a rede pode mostrar a realidade dos territórios ocupados?
Nunca houve tanta visibilidade da questão palestina como agora. Ao contrário do que vinha acontecendo em outros confrontos, temos um conflito com transmissão direta. Recentemente testemunhei o depoimento de um aluno que se disse horrorizado com as imagens de crianças correndo de bombas aéreas. Esse aluno entendeu o que representa o sionismo e se colocou a favor da causa palestina. A opinião pública pode até não ter clareza da real situação, tendo em vista o papel deturpador da mídia corporativa. A rede quer fazer esse contraponto, resgatando a verdade histórica. Vamos denunciar o genocídio que vem ocorrendo em Gaza.

Como vê o movimento em universidades norte-americanas em favor da causa palestina. É uma inspiração?
Só temos que aplaudir esse movimento que veio na esteira de manifestações gigantescas na Europa. Foi um posicionamento dos professores, dos estudantes. Na Universidade de Columbia, por exemplo, foi emocionante. Muitos professores sendo presos e fazendo barreiras com seus corpos para que a polícia não atingisse os alunos acampados. É algo que aqui no Brasil ainda não alcançamos, mas vamos nos manter firmes e fazer tudo o que for possível para engajar o maior número de professores, técnicos e estudantes. Creio que as manifestações nas universidades lá de fora serviram de inspiração para alguns atos que tivemos aqui, como o acampamento dos estudantes da USP, para citar um exemplo.

Você acha que há algum foco de resistência às ações de Israel em Gaza dentro das universidades israelenses?
Participamos de uma atividade recente na Faculdade de Educação que exibiu uma entrevista com uma professora universitária israelense, Nurit Peled-Elhanan, pesquisadora da Faculdade de Letras da Universidade de Jerusalém, autora do livro “Ideologia e propaganda na Educação: a Palestina nos livros didáticos israelenses”. Ela demonstra a forma pela qual os palestinos são retratados como seres inferiores nos livros didáticos do ensino médio em Israel. Há uma estratégia didática de apagamento do povo palestino. E veja que em Israel os estudantes ingressam no Serviço Militar — meninos e meninas — assim que concluem o ensino médio. Isso nos dá a dimensão do papel decisivo que os livros didáticos exercem na formação desses jovens com relação ao desprezo ao povo palestino. Este é apenas um exemplo. Nas universidades israelenses há vozes corajosas que se posicionam contra o sionismo, ainda que sejam perseguidas.

Qual a sua visão sobre os próximos passos do conflito?
É difícil fazer previsões. Benjamin Netanyahu (primeiro-ministro de Israel) está desgastado internamente e isolado externamente. Mas quem será capaz de deter Netanyahu e sua máquina de guerra, que já fustiga o Líbano e o Irã? Teremos um conflito generalizado na região? Uma coisa é certa, o povo palestino resistirá, como tem feito há mais de 70 anos. De nossa parte, é seguir na luta contra o genocídio, contra a ideologia sionista e exigir um cessar-fogo imediato.

Os docentes da UFRJ têm se engajado na Rede?
Embora diversos professores tenham aderido ao manifesto, ainda temos muito a caminhar. É preciso replicar as ações, incorporando um número crescente de professores. Gostaria de fazer um chamamento aos meus colegas da UFRJ para que se juntem a essa luta de apoio ao povo palestino e de denúncia do caráter racista e colonialista do sionismo. Uma luta contra o apartheid, contra o genocídio que está ocorrendo em Gaza. Convido todos os colegas a conhecer a página da Rede na internet (https://universidadespelapalestina.com/), e se engajar nessa luta tão importante pela libertação e pela soberania do povo palestino.

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