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WhatsApp Image 2023 12 11 at 20.34.29 2Fotos: Fernando SouzaAlexander W. A. Kellner
Diretor do Museu Nacional/UFRJ

Ingressei no Museu Nacional/UFRJ em 21 de agosto de 1997 e acabo de completar 26 anos nessa instituição bicentenária. Na realidade, como talvez alguns possam imaginar, pensei em escrever esse texto no ano passado, mas simplesmente fui atropelado pelo trabalho e pela vida...
Quando passei no concurso, não conseguia esconder minha felicidade! Como já disse diversas vezes, a instituição que mais me encantava para trabalhar no Brasil era justamente o primeiro museu fundado no país. Muitos eram os sonhos, mesmo consciente dos enormes desafios que a instituição enfrentava. Na minha avaliação, a solução para uma melhoria das condições do Museu estava diretamente relacionada a um trabalho intenso na sua marca, algo que não estava sendo feito de forma efetiva. A meu ver, não seria possível que a sociedade, sabendo da importância da instituição, não procurasse ajudar a resolver as questões prementes de infraestrutura. E era necessário mostrar as condições precárias juntamente com o enorme potencial deste que é o maior museu de história natural e antropologia da América do Sul.
Aqueles primeiros meses não foram tão fáceis. Eu tinha voltado dos Estados Unidos, tendo realizado o doutorado em Nova Iorque, na Columbia University que mantinha um programa de pós com o American Museum of Natural History. Havia passado cinco anos em um escritório destinado aos estudantes que tinha vista para o Central Park. Sei que parecerá difícil acreditar, mas eu tinha à minha disposição recursos para desenvolver qualquer pesquisa na minha área (paleontologia), desde que justificasse e produzisse resultados (em tempo, foi ali que, ainda aluno de doutorado, publiquei o meu primeiro paper na Nature).
A realidade no Museu Nacional me trouxe algum choque. Para começar, o meu escritório, compartilhado com outros, ficava em um ambiente “dominado” por gatos, com todos os ônus (e sem muitos bônus) que se pode imaginar... Importante frisar que, na época, fui muito bem acolhido pelos meus colegas de setor, talvez já acostumados e ambientados com aquela situação, que era estranha para mim. Depois de algum tempo, chegamos a um acordo, limpamos e reformamos o Setor de Paleovertebrados, com divisões minimamente decentes e um (micro!) espaço para alunos.
Ainda no início, houve a minha primeira experiência com o perigo de um incêndio. Estava em meu escritório e uma gritaria fez com que eu fosse para a área de coleção: fumaça saindo de uma daquelas lâmpadas fluorescentes! Felizmente, ela parou logo, sem nenhuma intervenção. No dia seguinte, o administrador da época explicou, para um “novato desconfiado”, que não havia risco real e que era normal que essas lâmpadas, quando queimavam, soltassem aquela fumaça...WhatsApp Image 2023 12 11 at 20.34.29 3
Não me perguntem o porquê, mas, mal havia chegado, fui convidado para me tornar chefe do departamento de Geologia e Paleontologia (DGP). Quem me incentivou — e fez a campanha — foi a minha querida amiga Beth Zucolotto. Nessa época também veio a oportunidade de fazer uma exposição — uma longa história... Depois de idas e vindas, No Tempo dos Dinossauros abriu na quinta-feira, 10 de junho de 1999, alguns dias depois do aniversário de 181 anos da instituição, se transformando em um sucesso instantâneo! Filas no parque da Quinta da Boa Vista! Foi a mostra de paleontologia de maior sucesso realizada até aquela data. Juntava a marca Museu Nacional/UFRJ com ações na mídia (não havia mídias sociais naqueles anos) graças ao assessor de imprensa, o querido Pedrosa. Ele foi levado para o Museu pela colega Simone Mesquita (uma lutadora, sempre procurando modernizar a instituição), que convenceu o melhor diretor do Museu das últimas décadas, Prof. Luiz Fernando Dias Duarte (que, entre outras conquistas, batalhou a verba para essa exposição e outras iniciativas com a PETROBRAS, e, também, foi quem trouxe a fundação VITAE de volta para o Museu), da necessidade de ter um canal mais direto com a sociedade através da mídia! Óbvio? Não para a instituição até aquele tempo. Essa exposição também possibilitou a montagem de uma réplica do primeiro dinossauro brasileiro — Staurikosaurus pricei — um trabalho de Helder de Paula Silva, um preparador de mão cheia que fez escola na preparação de fósseis a nível nacional. Outro destaque que veio com a exposição foi o talentoso Maurílio Oliveira — grande artista que, de certa forma, pode ser considerado uma espécie de “pai da paleoarte brasileira”! A arte de Maurílio foi fundamental para o sucesso da exposição. E tantos outros trabalharam muito para aquela iniciativa!
Entre os resultados, tivemos verba para instalar um laboratório de preparação de vertebrados fósseis (a sala habitada por dois morcegos que eu havia batizado de Minnie e Mickey) e reformar a área de coleções. Saíram armários infestados de cupins e entraram os primeiros arquivos deslizantes modernos — hoje comuns. Acredito que essa iniciativa modificou a paleontologia no Brasil, uma vez que despertou o interesse da imprensa pela pesquisa de fósseis, que se expandiu para as pesquisas realizadas por paleontólogos em outros estados brasileiros. E para o Museu, uma dotação orçamentária mais expressiva. Uma verdadeira revolução em diferentes campos!
Logo depois da abertura dessa mostra, muitos colegas vieram conversar comigo se eu não queria me candidatar para a direção do Museu. Até mesmo o diretor Luiz Fernando havia comentado em uma ocasião que seria algo em que eu deveria pensar. No entanto, por mais que muitos imaginassem que eu nutria essa ambição, sempre me esquivei da ideia. Vim da experiência da iniciativa privada, havia passado pelos Estados Unidos, onde direitos e deveres são conceitos bem definidos, e estava iniciando no serviço público, um ambiente muito diferente. Não ia dar certo. Ademais, era muito jovem, e queria desenvolver a minha carreira.
Até que, na reunião magna da Academia Brasileira de Ciências (na qual ingressei em 1996 como Membro Correspondente e em 2003, como Membro Titular), realizada em 06 de maio de 2015, após uma palestra sobre o Museu, acadêmicos me perguntaram o que poderia ser resumido assim: o que você está fazendo pelo Museu Nacional? Por mais que me esquivasse e desse as já tradicionais explicações (ministrar aulas, orientar alunos, realizar pesquisa e proferir palestras críticas sobre a situação do Museu), eles me convenceram a pelo menos pensar no assunto da direção.
Depois de algum tempo (não sou muito impulsivo para uma tomada de decisões de grande impacto pessoal e costumo analisar prós e contras), resolvi me preparar para uma candidatura que ocorreu em 2017. Antes da primeira apresentação pública (uma longa história) que acabei fazendo para técnicos-administrativos em educação, um deles, que torcia pelo sucesso da candidatura, me aconselhou a não falar em mudanças, pois as pessoas são refratárias a transformações, mesmo ele sabendo que eu iria mudar muita coisa. Não pude seguir esse conselho: na minha apresentação, improvisada, deixei claro para todos que precisaríamos mudar a maneira com a qual nos relacionávamos com a sociedade! Isso teria que passar por questões internas, caso contrário, uma candidatura como a minha não valeria a pena para ninguém: nem para o eleitorado e nem para o candidato. Na época, eu previ que iria haver uma segunda chapa, com perfil mais ameno e que não iria mudar muita coisa. Houve. E o resultado da eleição: com 63,72% (contra 32,24% da outra chapa; 0,12% brancos; 3.92% nulos) a chapa “Para além dos 200 anos – revitalizando o Museu Nacional” venceu a consulta. A instituição ansiava por mudanças — isto bem antes da tragédia (ao contrário da afirmação de alguns)!
Logo no início, muitas transformações — demais para listar aqui (sim, estou escrevendo um livro a respeito): organização administrativa, incluindo a instituição de uma chefia de gabinete; início de um plano museológico; fortalecimento do setor de museologia com foco nas exposições — uma das maneiras de diálogo com a sociedade; funções gratificadas — mais raras na instituição do que os fósseis que pesquiso; cursos teóricos e práticos ministrados pela Defesa Civil para medidas preventivas e primeiras ações no caso de incêndio (mais de 90 foram treinados); abertura para segmentos da sociedade, mostrando o potencial de uma parceria com o Museu; contatos com o entorno; dedicação integral para a viabilização do projeto do BNDES — que já tramitava, morosamente, por alguns anos; e muito mais! Até mesmo o antigo gabinete do diretor foi reaberto, mostrando a realidade da instituição: grandeza, refletida pela imponência da sala e do mobiliário, com problemas, retratados pelas paredes descascadas por conta das infiltrações. Era necessário tratar dos problemas e havia a necessidade de envolver a sociedade.
A posse festiva da nova diretoria ocorreu na sexta-feira, 13 de abril de 2018, ilustrando bem que a instituição navegava por novos rumos: mais de 300 (!) pessoas em um auditório e salas anexas lotados, com, além de membros de diversas unidades da UFRJ, representantes da sociedade civil: empresários, políticos e representantes de governos estrangeiros! E muitas pessoas de bem, entusiasmadas com as mudanças em curso.
Então houve a festa dos 200 anos do Museu. Foi grandiosa, apesar da marcada ausência de ministros de Estado, ilustrando o contínuo descaso com o primeiro museu do Brasil! Um dia antes, 5 de junho, houve, finalmente, a assinatura do contrato com o BNDES, que traria o financiamento para dias melhores. E a abertura de uma exposição patrocinada pela PETROBRAS!
Tudo ia bem, até o início da noite do domingo de 2 de setembro de 2018, quando o maior pesadelo da instituição se concretizou. Menos de sete meses da posse... Pessoalmente defendo que essa data entre para o calendário nacional como um dia para a reflexão sobre a necessidade de proteção do patrimônio científico e cultural.
Desde então, o mundo para o corpo social do Museu mudou. Momentos de muita frustração, aliadas a demonstrações de muita solidariedade! A imagem do abraço dado ao palácio no dia seguinte pelo corpo social que envolveu estudantes das escolas públicas do entorno jamais deixará de emocionar... Como também deve ser vista com muito respeito e admiração a resiliência dos servidores da instituição: muitos não se deixaram abater, transformaram o luto em luta e poucos dias depois da tragédia surgiu o mote: O Museu Nacional VIVE!
Este mote se tornou o Projeto Museu Nacional Vive (https://museunacionalvive.org.br/), que está a frente da reconstrução principalmente do palácio e da biblioteca central. Nestes cinco anos, houve avanços: temos um terreno de 43.400 m² onde se projeta o futuro e esperança da instituição, pois ali serão construídos os novos laboratórios e edificações para abrigar as coleções! Nunca é demais enfatizar a necessidade de apoiar a pesquisa que é o grande diferencial deste museu para muitos outros. Também estão planejadas edificações contendo as salas de aula em um parque no qual o público poderá passar algumas horas e se inteirar um pouco sobre a atividade de pesquisa do Museu.
Como pode ser imaginado, nem tudo são flores... As dificuldades ainda são muitas e o governo que passou não facilitou em nada a reconstrução. Até mesmo acusações de que a direção fazia parte de um partido político e que estava construindo no lugar do palácio um Shopping Center com apoio da UNESCO — uma verdadeira aberração — foi difundido. E o pior: esse absurdo “colou’, atrasando em muito o projeto.
Porém, com o início deste ano, no qual estou há um quarto de século na instituição, a esperança voltou! Recebemos um apoio fundamental do Excelentíssimo Sr. Camilo Santana, Ministro da Educação, que trouxe o Presidente Lula para o Museu! E com o novo governo veio a promessa em auxiliar o Museu para que este reabra as portas em abril de 2026! Não será fácil e ainda há muito que fazer. Nem sempre encontramos o apoio que poderia nos ser dado, inclusive por unidades da própria universidade, seguindo (infelizmente) à risca o provérbio: ‘Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão’. Não existe possibilidade em declinar do apoio da iniciativa privada para evitar o estado de sucateamento das universidades. Também há que se pensar em maneiras diferentes para financiamentos, particularmente na questão da reconstrução de Museu Nacional/UFRJ, que requer uma quantidade de fundos considerável, inclusive para a sua manutenção. Teremos que ter mais apoio tanto do governo federal e da sociedade, incluindo o empresariado. Mas, olhando para os últimos cinco anos, tenho a percepção de que estamos na direção certa! Isso graças à UFRJ e aos parceiros como BNDES, UNESCO, Instituto Cultural Vale, Bradesco, governo da Alemanha e o governo brasileiro que, sobretudo através do MEC, tem nos permitido sonhar!

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