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WhatsApp Image 2023 12 01 at 21.29.34 4Renan Fernandes

"Desculpa, a consulta das crianças atrasou e estou presa no engarrafamento. Podemos remarcar a entrevista?”. A falta de tempo na jornada tripla da estudante Mithaly Corrêa entre os cuidados com as filhas, o trabalho e a vida acadêmica não é uma exclusividade dela. Para oferecer apoio a mulheres como ela, a Alerj acaba de aprovar o projeto de lei 1753/2023, de autoria da deputada Dani Balbi, que autoriza a criação de políticas afirmativas para mães de crianças de até seis anos nos processo seletivos e editais de concessão de bolsas da FAPERJ e Instituições de Ensino e Pesquisa do Rio de Janeiro. A proposta aguarda a sanção do governador para ser publicada.
Dados do IBGE apontam que as mulheres dedicam o dobro do tempo semanal em tarefas domésticas e no cuidado de pessoas, quando comparadas aos homens. A nova legislação busca minimizar essas desigualdades ao oferecer um amparo para cientistas mães na pós-graduação. “Não é só uma lei para mulheres cientistas. É um movimento para que jovens e crianças possam ter os cuidados necessários e a participação ativa das suas mães no período crítico de sua formação, sem que essas mães e crianças sejam penalizadas”, explicou a deputada.
Os efeitos da maternidade na trajetória acadêmica de mulheres são alvo de estudos que revelam o impacto na produtividade de cientistas. Um levantamento do Parent in Science realizado entre 2017 e 2018 apontou que, após o nascimento dos filhos, as mulheres sofrem um efeito imediato na redução de publicações científicas. Os reflexos na produtividade são sentidos até quatro anos após o nascimento do filho.
Recém-formada em Geografia pela UFRJ e mãe de três filhas, a vida acadêmica de Mithaly foi cheia de obstáculos. “Mudei para outra cidade, fugi de um relacionamento abusivo. Precisei criar estratégias para seguir a graduação. Puxava o máximo de matérias em um único dia, quando tinha mais apoio familiar para cuidar das minhas filhas. Ainda assim, perdi muitas matérias por não conseguir concluir e tive que me afastar por três semestres”, afirmou.
Foi uma bolsa no laboratório do Núcleo de Estudos do Quaternário Tecnógeno que deu mais estabilidade para a estudante na universidade. “É muito difícil conseguir bolsa sendo mãe, porque o nosso desempenho acadêmico cai e muitas bolsas dependem do coeficiente de rendimento (CR)”, disse Mithaly. “Antes trabalhava vendendo doces, fazendo artesanato. Bordava durante as aulas e ainda lidava com encomendas quando chegava em casa”.
O acesso às bolsas é fundamental para o despertar de novas cientistas. A professora Sabrina Baptista Ferreira, do Instituto de Química, fez parte do Grupo de Trabalho de Parentalidade e Equidade de Gênero da UFRJ e destacou a importância de envolver também as bolsas de iniciação científica na legislação. “Essa foi uma demanda que apareceu no grupo de trabalho. Muitas vezes, a aluna mãe não tem o CR ideal porque ela teve que se dividir. Ter esse olhar na hora da implementação de uma bolsa é importante. Talvez seja esse o ponto que permita a uma mulher continuar a carreira acadêmica”.

EFEITO-TESOURA
O Brasil caminha para o equilíbrio quantitativo entre cientistas homens e mulheres. Contudo, o estudo “Parentalidade e carreira científica: o impacto não é o mesmo para todos”, publicado em 2022 pelo Parent in Science, aponta que diversos cargos de liderança e poder no campo da ciência jamais foram ocupados por mulheres. Diversos fatores estão envolvidos no entendimento do chamado efeito-tesoura. Desde aspectos culturais relacionados ao papel social atribuído a homens e mulheres — incluindo a maternidade — até questões relacionadas ao preconceito, assédio e outras violências.
Políticas afirmativas já estão em andamento para reverter o cenário de desigualdade. Presidente da Comissão Permanente de Equidade, Diversidade e Inclusão da FAPERJ, a neurocientista Letícia Oliveira afirmou que a agência conta uma avaliação diferenciada para as pesquisadoras mães em quase todos os editais. “Se a pesquisadora que submeter um projeto à FAPERJ for mãe nos últimos cinco anos, o currículo é avaliado de maneira diferente. São acrescentados um ou dois anos na análise, dependendo da quantidade de filhos, o que aumenta a produtividade”, disse.
A comissão presidida por Letícia foi criada em fevereiro de 2023 e alcançou resultados práticos rapidamente. “Lançamos um edital exclusivo para jovens cientistas mulheres que contemplou 70 cientistas com financiamento de até 700 mil reais. Neste edital, usamos a política de apoio à maternidade e 50% das contempladas eram mães”, comemorou a neurocientista. A FAPERJ lançará um edital exclusivo para cientistas mães em 2024.
Desde 2022, a UFRJ também aplica em todos os seus programas de pós-graduação um fator de correção na avaliação de candidatas mães de crianças na primeira infância.

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