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WhatsApp Image 2023 11 22 at 20.26.21 1Foto: Acervo PessoalAntônio Carlos Fontes dos Santos
Professor Titular do
Instituto de Física

Durante este mês de novembro celebramos a Consciência Negra. É um momento para recordarmos as batalhas dos movimentos negros em prol do fim da opressão causada pela escravidão. O dia 20 de novembro faz lembrar a morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares juntamente com Dandara. O mês da Consciência Negra também nos instiga a não esquecer que este país é marcado por mais de três séculos de escravidão e pelo comércio transatlântico de pessoas escravizadas. Porém, mesmo depois de mais de um século após a sua abolição oficial, os efeitos daquele Holocausto negro ainda são presentes na nossa sociedade, como a discriminação e a subalternização de pessoas negras.
Parte da academia e da sociedade, não apenas no Brasil, mas a nível mundial, busca meios para aumentar a diversidade nos lugares de poder em busca de uma sociedade mais justa e saudável. Muitos fatores contribuem para a falta de diversidade na universidade, incluindo grandes questões sociais sobre as quais um membro individual do corpo docente tem pouco ou nenhum controle. Porém, a dinâmica intrínseca do poder social dentro da universidade, nitidamente o capital social, ou, no caso brasileiro, o capital social das relações pessoais, mantém diversas manifestações de privilégio e de exclusão, as quais podem manifestar-se mesmo em instituições cujo funcionamento é orientado, pelo menos no discurso, para promoção da igualdade.
A universidade brasileira reproduz essas ocorrências de vantagem e de exclusão. A presença de um conjunto restrito de sobrenomes no corpo docente nos informa sobre a presença de uma “aristocracia social branca”, tornando menos evidente o princípio da igualdade de oportunidades que serve como base para os sistemas educacionais e que mantém uma lógica de castas por trás de uma aparência de meritocracia racional. Não raro encontramos cursos de graduação e programas de pós-graduação coordenados historicamente por membros de uma mesma família.
Como professores, nos concentramos em qual conteúdo ensinar e como apresentá-lo. Curiosamente, a educação das relações étnico-raciais e o ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena (Leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008, Parecer CNE/CP nº 3/2004 e Resolução CNE/CP nº 1/2004), ainda não constam nas disciplinas de vários cursos de licenciaturas. Podemos entender que esta é também uma das consequências da falta de representatividade?WhatsApp Image 2023 11 22 at 20.32.02
Outra consequência deste sistema de privilégios é que os professores não compreendem completamente as perspectivas dos seus alunos. Estudantes pertecentes de grupos subrepresentados chegam às aulas com suas próprias dúvidas e preocupações. Eu pertenço a este lugar? Sou inteligente o suficiente para estar aqui? O professor e os outros alunos me respeitarão? Eles olham para os docentes e dirigentes e podem se perguntar: “Há alguém como eu aqui?”
Rotineiramente ouvimos denúncias de casos de racismos dentro da UFRJ. Pessoas negras são definidas como sem capacidade, por exemplo, para ocupar cargos de direção ou participar de bancas de concurso. Mesmo que o racismo tenha deixado de ser socialmente aceito, ele continua atuando no plano inconsciente. Muitas posições de poder dentro da universidade são ocupadas por indicação. Para além de práticas discriminatórias, essas indicações decorrem das preferências por pessoas do mesmo grupo, como nossos colegas da psicologia social sabem há muito tempo.
A discriminação inconsciente surge de uma série de processos interconectados. Dado que a categorização é um componente central do processo cognitivo, as pessoas constantemente classificam os outros com base em normas culturais. Os estereótipos operam de maneira automática e inconsciente, levando as pessoas a encontrarem razões para excluir indivíduos de grupos minoritários. O Professor Rodrigo Morais, em sua tese de doutorado [1], evidencia que um grupo de estudantes do Ensino Médio, quando exposto a fotos de acadêmicos e acadêmicas e questionado sobre quais reconhecem como cientistas, identifica apenas homens brancos, rejeitando mulheres e pessoas negras.
Este exemplo ilustra a presença de um pensamento colonial, como se apenas homens brancos, com fenótipos europeus, fossem capazes de produzir conhecimento acadêmico. E se eu não sou um homem branco, logo a universidade não é um lugar para mim. Assim, o privilégio do conhecimento para alguns resulta na negação do conhecimento para outros, assim como a afirmação da existência para alguns oculta a negação do direito à vida para outros: a desqualificação epistêmica se torna um instrumento destacado da negação ontológica [2].
A cegueira e o negacionismo acerca das disparidades aqui relatadas (“eu não vejo cor, para mim são todos iguais”) condena e permite explicar todas as desigualdades, especialmente no que diz respeito ao desempenho acadêmico, como inerentes e resultantes de diferenças de habilidades.

[1] R. F. Morais, Identidades Racializadas e a Atitude De Negras(Os) Frente à Física, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática, UFRJ, (2019)

[2]N. MALDONADO-TORRES, Sobre la decolonialidade del ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GOMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Orgs.). El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica mas allá del capitalismo global, p. 127-167. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad Central; Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos; Pontificia Universidad Javeriana; Instituto Pensar, 2007.

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