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WhatsApp Image 2023 11 09 at 22.48.01Desde 2012, quando foi denunciado pelo Ministério Público Federal por supostas irregularidades na gestão de recursos, o professor Carlos Levi da Conceição, de 73 anos, pode contar nos dedos as noites tranquilas de sono que conseguiu ter. “Não é um sono profundo, é algo agitado, confuso. Parece tão absurdo isso durar todo esse tempo. Por mais forte que você tente ser, é uma espada na sua cabeça”, conta o ex-reitor da UFRJ (2011-2015).
O longo processo, que resultou em uma condenação em primeira instância em 2019 e que até hoje não teve o recurso da defesa julgado, se assemelha a um clássico caso de lawfare contra dirigentes de universidades públicas no Brasil: o do então reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, da Federal de Santa Catarina, em 2017. Preso e afastado da UFSC por supostos desvios de recursos — jamais provados —, o professor cometeu suicídio poucos dias após a prisão (veja na página 7).
A simetria entre os dois casos e os erros apontados pelas defesas dos acusados — além de Levi, há outros quatro gestores da UFRJ e da Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB) arrolados — são denunciados pelo manifesto “Apoio ao reitor Levi e servidores vítimas de lawfare”, que circula na internet desde 29 de outubro. Até o fechamento desta edição, o documento já tinha angariado mais de 3.500 adesões.

“ERROS GROTESCOS”
O termo lawfare, usado no manifesto, ganhou força no início deste século. A palavra é uma junção dos vocábulos “law” (lei) e “warfare” (guerra), pode ser traduzida como “guerra jurídica” e designa uma prática que, no Brasil, ganhou notoriedade com os excessos da Operação Lava Jato. Esse tipo de assédio judicial, que é praticado sob a aura da legalidade, se vale de instrumentos jurídicos para atacar um inimigo, levando-o a ser denunciado ou condenado, com prejuízos à sua imagem na sociedade. No caso da Lava Jato, o alvo preferencial do lawfare foi o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso e impedido de disputar as eleições de 2018.
“De forma muito semelhante ao que ocorreu na esfera política durante a operação Lava Jato, também em relação às universidades federais se desenvolveu um tipo equivalente de lawfare, cuja consequência mais dramática e trágica foi o suicídio do reitor Cancellier, da UFSC”, diz o documento.
Filho de Carlos Levi e articulador do abaixo-assinado, o economista Daniel Conceição, professor do Ippur/UFRJ, identifica uma mesma tática nos processos judiciais contra dirigentes de instituições federais de ensino superior. “Em todos esses ataques contra reitores de universidades, o caminho foi a criminalização das relações das universidades, absolutamente normais e corretas, com suas fundações de apoio. Inclusive no caso de Santa Catarina, e isso veio à tona com as revelações da Vaza Jato, a tese da delegada era a de que as fundações serviam a um grande esquema utilizado pela esquerda para passar recursos para partidos e ONGs”, avalia Daniel.
No caso específico de seu pai, o professor do Ippur diz que há graves inconsistências na sentença de condenação, que não foram observados pelo desembargador relator Wanderley Dantas, do Tribunal Regional Federal (TRF) em 14 de fevereiro deste ano, quando o primeiro julgamento do recurso da defesa chegou a ser iniciado, mas foi anulado porque o desembargador Marcello Granado se declarou impedido. E aponta uma delas. “Em seu voto anulado, o relator declara que não havia notas fiscais referentes a alguns pagamentos, mas nós apresentamos as notas. São alguns erros grotescos, é uma condenação flagrantemente infundada. Por isso estamos otimistas na reversão”, crê Daniel.
O julgamento dos recursos das defesas dos acusados deveria ter sido retomado na última terça-feira (7), mas foi novamente adiada a decisão. O desembargador revisor Flávio Lucas alegou impedimento, por motivo de foro íntimo, e um dos advogados pediu a suspeição do relator. Não há previsão de quando será o novo julgamento.

INÍCIO DO PROCESSO
A denúncia do MP é de 12 de dezembro de 2012 e aponta irregularidades em razão de valores captados pela UFRJ entre 2007 e 2011, mediante convênio e contratos com o Banco do Brasil, e geridos pela FUJB. Os réus foram condenados em 27 de fevereiro de 2019. Carlos Levi ficou com a pena de 4 anos e 9 meses em regime semiaberto. Os outros acusados são João Eduardo Fonseca, chefe de gabinete de Levi (9 anos e 5 meses), Geraldo Nunes, coordenador de Convênios e Relações Institucionais da UFRJ (7 anos e 2 meses), Raymundo de Oliveira, presidente da FUJB (7 anos e 1 mês) e Luiz Martins, secretário-geral da fundação (5 anos).
Os convênios com o Banco do Brasil foram feitos na gestão do reitor Aloísio Teixeira, quando Carlos Levi era pró-reitor de Planejamento. Teixeira acompanhou as primeiras denúncias e investigações — desde 2007 — e morreu ao longo desse processo, em 23 de julho de 2012, vítima de um ataque cardíaco.
Daniel Conceição lembra bem do trauma que a morte de Aloísio trouxe aos envolvidos. “O professor Aloísio Teixeira se foi ao longo desse processo, e não é difícil estabelecer a relação entre um infarto fulminante e todo o estresse desse lawfare. Foi um baque para todos”, recorda. Segundo o professor, as mudanças promovidas por Teixeira lhe renderam alguns inimigos na UFRJ. “Um deles, declarado e já falecido, foi o professor Agnelo Maia, da FND, que mobilizou o MP para a denúncia criminal inicial. Nessa denúncia, a procuradora Neide Mara Aparecida agradece ao professor pela revelação do suposto crime. Ele foi testemunha de acusação no processo”.
O professor recorda também que o ambiente “persecutório” da época favoreceu a condenação. “A sentença da primeira instância é da juíza Caroline Figueiredo, que disputava com o juiz Marcelo Bretas o papel de protagonismo da Lava Jato no Rio de Janeiro, e é muito próxima de Sergio Moro”, diz Daniel, que acredita na anulação da sentença. “Estamos otimistas na reversão”.
Esse é o mesmo sentimento de Rogério Marcolini, advogado de João Fonseca. “Como se trata de novo julgamento, o relator não está vinculado ao voto proferido anteriormente, e a expectativa da defesa é que ele venha reconsiderar sua posição a partir dos novos elementos e documentos levados ao seu conhecimento. A expectativa da defesa é de reforma da sentença condenatória, uma vez que os dirigentes universitários agiram em absoluta conformidade com as diretrizes estabelecidas previamente pelos órgãos colegiados superiores da UFRJ”, diz Marcolini.

ENTREVISTA I CARLOS LEVI DA CONCEIÇÃO, PROFESSOR E EX-REITOR DA UFRJ

WhatsApp Image 2023 11 09 at 22.42.44 5Jornal da AdUFRJ — Esse processo tem início formal com uma denúncia do MP em 2012. São mais de dez anos de idas e vindas na Justiça. Como o senhor tem suportado esse longo calvário?
Carlos Levi
— Isso traz repercussões para a sua vida, a sua família, e vai consumindo seu cotidiano com incertezas e dúvidas que ficam sempre pairando no horizonte. E com alguns momentos de pico, como aqueles em que se aproximam audiências importantes, quando a tensão cresce.

De que a forma a certeza da inocência lhe ajuda nesses momentos?
A convicção da inocência me dá a certeza de que as ações que fiz, as intenções que me moveram, não têm nada de errado. Isso me leva a acreditar que, em algum momento, vai prevalecer a lei, a boa Justiça, e me dá confiança para enfrentar todo esse processo. Até porque a fragilidade das provas que foram elencadas para me condenar é muito forte e evidente.

Se as provas são frágeis, e podem ser derrubadas com fortes elementos, por que tanto tempo de processo?
Até por conta desse distanciamento no tempo e no espaço, hoje eu posso ter mais clareza para entender esse processo. Tudo começou em 2003, na gestão do reitor Aloisio Teixeira, com um convênio com o Banco do Brasil, eu nem fazia parte da administração da UFRJ naquele momento. Esse convênio se transformou em um contrato com o banco em 2007, com a participação da FUJB, quando eu já era pró-reitor de Planejamento. Hoje fica claro que já havia então em gestação um movimento lavajatista no Judiciário e no MP. E uma das características desse movimento era a perseguição às universidades públicas. O mais remoto exemplo que eu me lembro dessa perseguição aconteceu em 2008 com o então reitor da UnB, Timothy Mulholland, acusado pelo MP de improbidade administrativa. Foi um caso muito explorado na época pela imprensa como um exemplo de mau uso de recursos públicos (Timothy acabou aboslvido na ação de improbidade administrativa).

O senhor acredita que a gestão do professor Aloísio Teixeira tenha sofrido algo semelhante?
Sim. E no caso dele havia ainda uma resistência interna às mudanças que a gestão vinha promovendo, notadamente na Faculdade Nacional de Direito. A primeira denúncia na imprensa contra a gestão do Aloísio partiu justamente de um integrante da FND, falando do contrato com o BB. Mais tarde veio a denúncia do MP, em 2012. Nesse mesmo ano, o professor Aloísio Teixeira faleceu. Éramos amigos íntimos. Ele estava muito desgostoso por ter sua vida depreciada, enxovalhada. Esse processo de alguma forma participou para acelerar a sua morte. Só quem experimentou o sabor amargo dessas injustiças, o ambiente que se forma, sabe o que é essa amargura.

Mais uma vez chama a atenção a demora no processo.
Veja, esse processo só vem a ser julgado em primeira instância em 2019. Sete anos após a denúncia. É muito tempo de agonia. O processo entra pela 7ª Vara, que é a vara da Lava Jato no Rio. Quem estava lá era o juiz Marcello Granado, que se declarou impedido em fevereiro deste ano, já como desembargador do TRF, quando o julgamento de nosso recurso contra a condenação chegou a ser iniciado, mas foi anulado com esse impedimento.

Esse é o julgamento na esfera criminal, mas há também um processo na esfera cível, não?
Sim, esse outro está correndo sem qualquer ligação com esse da esfera criminal. Vamos nos concentrar nesse da esfera cível depois de esgotar a luta na esfera criminal. O processo criminal é o que mais nos preocupa pela sua natureza persecutória, com esse ambiente lavajatista que vem desde o episódio com o reitor da UnB. Mas que também se manifestou na UFMG, na FURG e, o caso mais trágico e dramático, o da prisão e do suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier, da UFSC, em 2017.

Estava previsto para esta terça-feira (7) um novo julgamento do recurso, mas ele foi mais uma vez adiado. Como está o seu dia a dia e qual a sua expectativa para o desfecho desse caso?
Mais um adiamento... Um dos três desembargadores se declarou impedido e precisará ser substituído para recompor o quorum mínimo requerido. Além disso, houve um pedido de suspeição contra o relator, encaminhado por uma das partes envolvidas. Hoje estou aposentado na UFRJ, mas sigo com atividades de orientação de teses e participo de um grupo de energia eólica na Coppe. Minha expectativa é que essa condenação seja derrubada, só depois vou pensar melhor do que fazer da vida. Parece tão absurdo isso durar todo esse tempo. Por mais forte que você tente ser, é uma espada na sua cabeça. Você pensa em relaxar, se divertir, mas vem aquela sombra. É muito pesado, não recomendo nem desejo a ninguém. Mas ao menos estou vivo e tenho esperança. A luta continua.

 O caso mais emblemático de ‘lawfare’ nas universidades públicas

WhatsApp Image 2023 11 09 at 22.42.44 6“A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!”.
Este foi o bilhete encontrado no bolso da calça do ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier de Olivo, de 59 anos, depois que ele pôs fim à vida se atirando do sétimo andar do shopping Beiramar, em Florianópolis, em 2 de outubro de 2017. Dezoito dias antes, em 14 de setembro, ele tivera a prisão decretada pela delegada Erika Marena, ex-coordenadora da força-tarefa da Lava Jato, no âmbito da Operação Ouvidos Moucos, que apurava supostos desvios de verbas em cursos de educação a distância na UFSC. Acusado pela delegada de obstruir a investigação, o que sempre negou, Cancellier passou nu por revista íntima, foi algemado nos pés e nas mãos e encarcerado por 36 horas na Penitenciária de Florianópolis.
A prisão foi autorizada pela juíza federal Janaina Cassol Machado, da 1ª Vara Criminal Federal de Santa Catarina, que entrou de licença médica após assinar o mandado. No dia seguinte à prisão, a juíza substituta Marjôrie Freiberger autorizou que Cancellier respondesse em liberdade. Depois da soltura, ele foi proibido de retornar à universidade, da qual era reitor desde março de 2016, assim como outros docentes e funcionários da UFSC também investigados pela operação da PF.
O CNJ abriu um processo para investigar a conduta da juíza Janaina Cassol no caso, mas a ação foi arquivada. No último dia 21 de agosto, o CNJ abriu novo processo contra a magistrada por supostas irregularidades na Operação Match Point, da Polícia Federal, deflagrada em abril deste ano para combater uma quadrilha de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. A investigação está em curso.
Em 8 de julho passado, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou a abertura de investigações para apurar possíveis irregularidades e abuso de poder nas atuações de agentes públicos que, em 2017, levaram à prisão do então reitor da UFSC. Quatro dias depois, no evento “A Ciência voltou!”, no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também lembrou o caso, emocionado: “Nesse momento em que a gente está reunindo a inteligência brasileira, através dos nossos cientistas e pesquisadores, a gente não pode esquecer o nosso companheiro reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancelier. Sempre que a gente puder, a gente tem que lembrar das pessoas que foram vítimas do arbítrio para que esse arbítrio, essa insanidade, nunca mais aconteça em nosso país”.
Em 20 de julho, a UFSC divulgou nota em que afirma que os dois processos que tramitavam no Tribunal de Contas da União (TCU) referentes a supostas irregularidades também investigadas pela Operação Ouvidos Moucos, foram encerrados sem constatação de irregularidades.

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