facebook 19
twitter 19
andes3
 

filiados

A pergunta que dividiu a universidade em 2013 e em 2021 está de volta: a UFRJ deve aderir à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh)? Há dez anos, após turbulentas sessões, o Consuni resolveu apostar na construção de uma solução alternativa que nunca saiu do papel. Passados mais oito anos de crescente crise nos hospitais, o conselho autorizou a reitoria a iniciar negociações com a empresa. Agora chegou a hora de decidir.
No intervalo de pouco mais de uma semana, a universidade conheceu dois estudos para subsidiar a deliberação. O primeiro foi apresentado em 1º de novembro por um grupo de trabalho criado pela reitoria para negociar com a empresa. Coordenador do GT, o professor Amâncio Carvalho trouxe dados preocupantes sobre o Complexo Hospitalar da UFRJ e explicou como funciona a Ebserh em audiência pública realizada no auditório Quinhentão, do CCS (veja AQUI).
Já no Conselho Universitário do dia 9 foi a vez de uma comissão formada por professores, técnicos e estudantes — também criada pela reitoria —, expor um relatório de 71 páginas sobre o funcionamento da Ebserh ao longo dos últimos dez anos (abaixo).
“Mais uma vez, quero reafirmar que qualquer decisão sobre a Ebserh será votada no Conselho Universitário”, afirmou o reitor Roberto Medronho na audiência pública do dia 1º. “Outro compromisso que quero reafirmar para vocês é que, desta vez, nós votaremos. Não podemos ficar neste limbo”, completou.


Mais leitos de terapia intensiva e muito mais pessoal e investimentos. Por outro lado, menos leitos de internação e menos funcionários concursados pelo Regime Jurídico Único. Esta é a síntese do relatório inédito apresentado ao Consuni sobre os principais indicadores da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) entre 2012 e 2022, no último dia 9.
Elaborado durante dois meses de intenso trabalho por comissão paritária, criada pela reitoria e liderada pela professora Ligia Bahia, o documento tem 71 páginas e apresenta detalhada radiografia dos 41 hospitais universitários que aderiram à Ebserh. “A comissão não tem posicionamento sobre a adesão à Ebserh”, resumiu a professora Lígia. “Na comissão, temos pessoas com posicionamentos diferentes. Mas houve uma combinação para ficarmos restritos à avaliação”, completou a docente, uma das maiores estudiosas do país sobre saúde pública “Foi um trabalho muito difícil, mas nós conseguimos atravessar o túnel”. A docente assina um artigo exclusivo para o Jornal da AdUFRJ (abaixo).
O estudo tomou como referência os hospitais hoje administrados pela empresa, mesmo com diferentes datas de adesão. O texto enfatiza que as unidades possuem contextos geográficos e sociais singulares, além de portes e relevância assistencial diferenciados.

Confira os principais
pontos do relatório

LEITOS
Em relação aos leitos de internação, houve uma perda de 8,33%: de 7.660 para 7.022. Cerca de um terço dos hospitais reduziu leitos. Entre os queWhatsApp Image 2023 11 09 at 22.44.07 ampliaram capacidade instalada, sete são de menor porte e apenas um — da Universidade de Santa Maria — é de grande porte. Para os demais, não houve mudanças significativas.
Já em relação aos leitos de terapia intensiva, ocorreu aumento de 25,72%: de 762 para 958. O documento ressalta que nem todos possuem leitos assim, como: maternidades, hospitais especializados em doenças tropicais e hospitais gerais de menor porte.

PROFISSIONAIS DE SAÚDE
No somatório dos registros de trabalhadores da saúde pelos hospitais administrados pela EBSERH, nota-se ampliação do quadro de pessoal em todas as unidades, exceto para o hospital da Universidade de Mato Grosso, Universidade Federal do Pará (duas unidades) e para a maternidade da Universidade Federal do Paraná. O crescimento geral foi de 82,26%: de 43.870 para 79.956. Um padrão é recorrente: aumento de médicos e enfermeiros CLT e redução de ambas as categorias contratadas pelo regime estatutário.

CUSTEIO
Com dados devidamente corrigidos pela inflação, observa-se elevação de quase todos os itens de gastos referentes a pessoal efetivo. Desde vencimentos e salários, passando por adicionais para despesas com saúde e alimentação, até adicionais noturnos.
Em relação aos principais gastos de custeio assistenciais, houve aumento das despesas com material hospitalar, estabilidade para material farmacológico e redução dos gastos com serviços médico-hospitalares e laboratoriais. De 2013 a 2022, os gastos subiram de R$ 7,7 bilhões para R$ 11,5 bilhões.

INVESTIMENTOS
Os investimentos realizados sofreram flutuações ao longo dos anos. Mas, considerando o marco inicial em 2013 e o final em 2022, houve significativo aumento: de R$ 67,3 milhões para R$ 355,7 milhões (528%).

SALÁRIOS
Os valores de remuneração dos profissionais contratados pela Ebserh aumentaram mais do que os verificados para os rendimentos dos trabalhadores do executivo federal.

ENSINO
No conjunto, o número de vagas para os cursos de graduação de Medicina aumentou (39,99%). Para a graduação de Enfermagem, a série indica estabilidade (18,61%). Houve aumento nas vagas em residência médica (14,68%).

PERCEPÇÃO DO USUÁRIOS
Para tentar apreender a percepção dos usuários sobre o acesso, qualidade e segurança dos cuidados aos pacientes foram consultados os relatórios das ouvidorias disponíveis para o ano de 2022. Destacam-se reclamações de falhas graves em processos assistenciais e problemas de infraestrutura física. Por outro lado, observou-se uma taxa de aprovação dos serviços entre 58% e 83% pelos usuários dos hospitais.

DIREÇÃO
A maioria dos escolhidos para ocupar postos de direção é de professores das universidades. Nesse elenco de dirigentes, predominam médicos homens, seguidos por médicas e três enfermeiras, um farmacêutico e um psicólogo (do quadro da Ebserh).

ARTIGO / LIGIA BAHIA

EBSERH e a UFRJ: uma relação delicada e dedicada

Debater algo que está aparentemente mais que sabido, sacudido e polarizado é tarefa exigente de delicadeza e dedicação. Reconhecimento de afinidades, afetos em meio a tensões e divergências é compromisso acadêmico e político. Toda política carrega consigo conflitos, resolve e desagrada, atende determinados interesses e torna outros irrelevantes.
A EBSERH como política deve ser criteriosamente analisada. O desfile ostensivo de emoção excessiva é um meio necessário e legítimo para registrar oposições e adesões, mas organiza uma espécie de “catálogo de violências,” que autoriza a desinibição para alguns assuntos e interdita muitos.
Ao apreender a realidade apenas como um precipitado, situação coagulada, nos afastamos de abstrações do “solúvel”, do inseparável. Jargões e slogans são legítimos, sintetizam, agitam e agregam. Contudo, operam por meio da união de causas a efeitos distantes entre si. Retomar o exercício coletivo de estudar as maneiras de combinação entre atividades específicas, exige encontrar pontos de partida adequados, explicitar pressupostos, delinear modelos causais menos lineares.
A EBSERH é uma criatura (uma instituição) com face neoliberal, o modelo é inspirado pela New Public Management (NPM), que tem por objetivo superar as organizações erigidas pela Burocracia Tradicional (BT). Desde o final dos anos 1970, o apogeu da NPM em 1980 e 1990 (no Brasil) tanto o neoliberalismo quanto suas lideranças políticas têm sido intensamente questionados. Em relação aos modelos de gestão da NPM, os estudiosos do tema sugerem: a resistência do modelo, ainda que venha sendo reformulado constantemente e a resiliência da BT. Ou seja, a necessidade de atenção aos híbridos.
No Brasil a adoção disseminada das Organizações Sociais (OSS) na rede pública do SUS tem sido avaliada, por pesquisadores e técnicos, como vetor de corrosão dos princípios de solidariedade, privatização e fragmentação dos cuidados à saúde. Perspectiva contrária, a da experiencia da comunidade de pesquisadores e técnicos de instituições cientificas administradas com as OSS. Plausivelmente, o mesmo figurino não serviu para instituições completamente distintas.
A saúde vem procurando alternativas para a substituição das OSS. Foi nessa rota, a da busca de soluções para as carreiras profissionais, acesso e qualidade do SUS, que a EBSERH firmou seus fundamentos. Uma estratégia de mudança na gestão apenas para uma parte dos hospitais públicos, que vinham às voltas com crises crônicas de sustentabilidade.
A EBSERH, portanto, é um modelo NPM de segunda geração, tenta mitigar falhas da OSS. Ainda assim, não faltam críticas às suas feições ambíguas, há quem acentue os problemas da “saída isolada” encontrada pelo MEC até as observações sobre uma estrutura centralizada em um país federativo com um SUS tripartite. Talvez tenha se afirmado como política pública exatamente por seus traços sincréticos.
Na UFRJ, o debate gravita em outro eixo: o do regime de contratação. Tema super relevante, mas não exclusivo de uma agenda sobre saúde. Tema incontornável, desde que encaixado com a melhoria da saúde. Tema in pectore, quando não maltratado, compreendido como crucial para relações entre cidadania, burocracia e democracia. Instituições políticas bem desenhadas contribuem para governos assumam intervenções socialmente desejáveis. Não se trata de limitar o papel do Estado, mas sim conferir excelência às instituições públicas. Como? Com muito esforço, diálogo, ação e competência para construir pontes.

Topo