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WhatsApp Image 2023 06 22 at 20.25.49 1Por Francisco Procópio

No mês em que o mundo celebra a diversidade sexual, o Jornal da AdUFRJ publica emocionantes depoimentos de docentes sobre o cotidiano da comunidade LGBTQIA+ nos campi. “No meu início, o ambiente não era muito receptivo. Ao longo dos anos, isso foi melhorando. Fui patrono e paraninfo por 14 vezes”, resume Ricardo Henry Dias, da FACC.
Marcelo Alexandre de Melo, da Letras, ressalta a importância de falar sobre o assunto em sala de aula. “É um movimento de afirmação, de orgulho. É um ato político. É importante que a gente fale sobre este tema também na sala de aula e em todos os lugares. Principalmente quando você é professor e está em uma situação de certo destaque”, pondera o docente.
Também da Letras, Katia Teonia reconhece que, recentemente, a universidade adotou uma série de medidas inclusivas, mas avalia que ainda há muito por fazer. “Como aluna, não me lembro de ter tido algum docente LGBTQIA+. Existe uma questão de representatividade aí. Tivemos mudanças institucionais importantes na UFRJ, como a resolução que assegura o nome social a pessoas trans. Vejo espaços de debates pautando o assunto na universidade. Existe a ouvidoria também, mas acho importante estarmos sempre pensando os mecanismos de combate às violências. Temos muito o que fazer ainda”, alerta.

DEPOIMENTOS

WhatsApp Image 2023 06 22 at 20.27.14 2Marcelo Alexandre
Lopes de Melo

Professor da Letras

Sou filho de pai militar e fiz colégio militar por sete anos. No fim dos anos 1980, início dos 1990, não havia discussões sobre questões LGBTQIA+. Instintivamente, desde a minha adolescência, fui aprendendo a me esconder dentro de uma identidade que não era minha. Era um sentimento de preservação, que me levava – sem perceber – a esconder gestos, a gesticular menos, a usar determinado tipo de roupa e a falar com determinado tom de voz. Essas pequenas violências diárias foram muito significativas. Eu me assumi no ano 2000, com 24 anos. Hoje tenho 46.
Entrei na UFRJ como professor substituto em 2015. Em 2016, um aluno da Letras, que era gay, o Diego Vieira, foi assassinado aqui no campus. Houve uma reunião na faculdade para cobrar as medidas cabíveis para a apuração do caso. Esse encontro iria ocorrer no dia da minha aula. Mandei um e-mail para os alunos e disse que não daria a aula porque como professor, aluno — eu era doutorando — e um homem gay dessa instituição, não poderia deixar de participar desta reunião. Muitos ficaram surpresos. Provavelmente essa surpresa se deu em razão do estranhamento causado pelo fato de muitos terem um professor gay que falasse abertamente sobre sua sexualidade. Acredito que a maioria nunca devia ter tido um professor abertamente gay que dialogasse sobre sua orientação sexual, ainda mais relacionando tudo isso a um episódio de tamanha violência. Assim como Diego, eu poderia ter sido alvo daquela violência toda. E o próprio choque já mostrou que eu precisava falar mais sobre isso.
É importante que a gente fale sobre este tema também na sala de aula e em todos os lugares: é um movimento de afirmação, de orgulho. É um ato político. Principalmente quando você é professor e está em uma situação de certo destaque. É importante falar do meu companheiro, dos meus afetos, assim como qualquer outro professor fala em sala de aula. Quem é LGBTQIA+ sabe da dificuldade de tornar isso um hábito diário. E muitos alunos LGBTQIA+ enxergam na gente uma possibilidade de existir, porque somos professores da UFRJ, a maior universidade federal do país. E podemos ocupar qualquer lugar.
Aqui na Letras, é mais tranquilo. É um ambiente muito mais plural e acolhedor do que fora da universidade. Temos um ambiente politizado em relação a essas e outras questões. Mas, infelizmente, acho que a universidade como um todo ainda discute muito pouco estas questões.

WhatsApp Image 2023 06 22 at 20.27.14 1Katia Teonia
Professora da Letras

Estou aqui há 12 anos como professora efetiva e há mais tempo como substituta. E, desde antes disso, sou uma mulher casada com outra mulher. Mas só agora estou sendo convidada a falar sobre o tema em um espaço para docentes. Isso é uma prova de que as coisas estão mudando para melhor. Pode ser que eu esteja sendo injusta, mas não me lembro de ter visto uma matéria visibilizando os docentes e técnicos da UFRJ que são pessoas LGBTQIA+.
Sou muito grata o tempo todo às alunas, aos alunos e aos alunes por me ajudarem a reconhecer quem sou.
Quando estava acabando meu contrato como substituta lá em 2008, eles resolveram fazer uma homenagem para mim. Foram até meus pais, minha esposa e amigos e pegaram depoimentos e fotos para exibir em um auditório.
Um desses depoimentos foi o da minha esposa Renata. Só que eu não sabia que minha mãe estava lá atrás, no auditório. Foi um momento muito especial, porque eu nunca tinha conversado com ela sobre este assunto.
Sou bissexual. Eu era noiva de um rapaz e terminei com ele para ficar com a Renata, com quem estou casada há 21 anos. Eu saí de casa, falando: ‘mãe, vou morar com uma amiga’. Então esse momento de homenagem dos alunos foi também quando pude falar com a minha mãe abertamente sobre o tema e, a partir dali, tudo mudou.
Não existe nenhum coletivo LGBTQIA+ de docentes, pelo menos aqui na Faculdade de Letras. Não conheço na UFRJ. Está aí uma boa sugestão. Nesse aspecto, os alunos nos dão muitas aulas.
Como aluna, não me lembro de ter tido algum docente LGBTQIA+. Existe uma questão de representatividade aí. Em 2008, depois daquele episódio, fui procurada por uma aluna. Ela disse ter sido muito importante me ouvir naquela homenagem, porque estava passando por um momento de se reconhecer como uma mulher que gosta de mulher.
Tivemos mudanças institucionais importantes na UFRJ, como a resolução que assegura o nome social a pessoas trans. Vejo espaços de debates pautando o assunto na universidade. Existe a ouvidoria também, mas acho importante estarmos sempre pensando os mecanismos de combate às violências. Temos muito o que fazer ainda.

WhatsApp Image 2023 06 22 at 20.27.14Ricardo Henry Dias Rohm
Professor da FACC

Entendo que é publicamente sabido que não sou heterossexual. Até porque eu tenho sido uma referência para muitos alunos que me procuram com dificuldades de discriminação, não se sentindo bem na universidade. Eu oriento, converso, sempre foi assim.
Sofri homofobia diversas vezes. Na juventude, já vivi situações que precisei enfrentar fisicamente as pessoas, e não deixei de enfrentar, já que eu praticava artes marciais. Na UFRJ, mesmo como professor, o ambiente não era muito receptivo, no início, em 2006. Como eu comecei a orientar pesquisas na área da diversidade e isso não existia na FACC, percebi algumas reações veladas, alguns comportamentos de estranheza. Ao longo dos anos, isso foi melhorando. Felizmente, sou muito bem quisto. Fui patrono e paraninfo de turma de formatura por 14 vezes. Isso deve significar alguma coisa.
Evidentemente, no período bolsonarista, a situação voltou a piorar, até por parte de alguns alunos extremistas. Durante a pandemia, uma live de pesquisa da universidade sobre diversidade foi invadida por extremistas. Assustou inclusive os professores que não tinham vivência com esse tipo de discriminação e se solidarizam conosco. Mas não me deixo dobrar por esse tipo de coisa, não.
Não faço parte de nenhum coletivo, mas tenho um programa de pesquisa que criei há 14 anos, com uma parte de desenvolvimento humano na qual oriento alunos de graduação e pós-graduação que trabalham com o tema da diversidade.
Há um clima mais favorável e mais aberto, mas há muito trabalho a ser feito. Acho que deveria haver uma orientação, inclusive, do corpo docente da universidade. Não é simplesmente fazer uma palestra aqui, outra ali para todo mundo ficar politicamente correto, não. Vou além. Especificamente no caso de professores, deveria até contar para a progressão funcional. Para os professores fazerem progressão na universidade, independentemente da atividade de pesquisa, ensino, extensão, deveriam frequentar alguns cursos de formação ligados à diversidade e à sustentabilidade. Questões que são prementes no mundo contemporâneo.

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