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Francisco Procópio


A defasagem dos salários dos professores traduz a desvalorização da carreira. Um professor universitário estuda formalmente mais de duas décadas até a conclusão do doutorado. Muitos realizam pesquisas de pós-doutorado até que o sonhado concurso aconteça. Mas a qualificação não termina com o acesso à carreira do magistério superior, ou do ensino básico, técnico e tecnológico, como no caso dos professores do Colégio de Aplicação da UFRJ. A trajetória que alia ensino, pesquisa e extensão exige dos docentes atuação contínua nas investigações científicas.

No entanto, a vida inteira dedicada à qualificação e à descoberta de novos caminhos científicos e educacionais não se traduz em remuneração adequada. São anos sem reajuste, com salários corroídos pela inflação e com desafios pessoais e profissionais que muitas vezes parecem intransponíveis. Os mais afetados são os jovens professores que sofrem as maiores defasagens salariais. Mas todos os níveis da carreira são impactados de alguma forma. “A sensação é de que o professor é desvalorizado e o não tem reconhecido o seu papel na sociedade”, desabafa a professora Maria Lúcia Werneck Vianna, ex-presidente da AdUFRJ e docente aposentada do Instituto de Economia.

O Jornal da AdUFRJ ouviu quatro professores em diferentes fases da carreira para compreender como a falta de reajuste repercute no dia a dia desses docentes.

WhatsApp Image 2023 03 06 at 16.55.21CARINE PREVEDELLO
Professora Adjunta da Escola de Comunicação

Eu acabei saindo do Rio Grande do Sul, meu estado de origem, onde eu tinha toda uma estrutura, casa própria, para vir para o Rio de Janeiro sozinha e montar uma casa completamente do zero. Então, no meu caso, a falta de uma recomposição salarial e mesmo dessa manutenção do piso básico nesses primeiros anos fez com que eu tivesse que optar por um apartamento bastante modesto no Rio de Janeiro.
O salário inicial do professor universitário realmente é muito baixo, considerando a nossa necessidade de formação de carreira, de trajetória, de preparação para chegar a um posto com esse tipo de responsabilidade. Foram quase 20 anos de caminhada até chegar à UFRJ. Então, a gente, que é professor em início de carreira, leva muito tempo para conseguir recompor minimamente o vencimento básico com o primeiro nível de progressão na carreira. É vergonhoso. Nosso salário se manteve muito defasado porque nós não tivemos nenhum aumento nos últimos cinco anos. A gente passa três anos só com vencimento inicial básico do professor universitário, que é em torno de R$ 7 mil. Eu sempre busquei alguns tipos de adicionais por cargo de comissão, cargo de direção, que também agrega um pouquinho ao salário, porque realmente só com o salário básico, principalmente nos primeiros três anos da carreira docente, não há condições de viver confortavelmente no Rio de Janeiro.
A perda do nosso poder aquisitivo foi bem significativa, foi muito dramática. Eu diria até que na pandemia houve um recuo nessa perda porque a gente não tinha condição de fazer gastos muito expressivos com lazer, com viagens. Mas isso se manteve após a pandemia e se aprofundou com a falta de reajuste e a inflação.

IMG 6008JACKSON MENEZES
Professor Associado do Nupem/Macaé

A falta de reajuste salarial associada com o reajuste de todos os outros serviços e produtos, como alimentos, eletricidade e água, compromete o poder de compra do nosso salário. Ao longo desses anos sem reajuste, eu precisei cortar algumas coisas que antigamente eu pagava e que hoje eu não estou podendo mais pagar. Hoje eu não pago mais academia e tenho que ter substituir a academia por uma atividade ao ar livre. Tive que mudar o plano de saúde para um de custo mais baixo. No interior do estado há uma dificuldade muito grande de acesso a serviço de saúde. Então, essa falta de reajuste salarial impacta diretamente nossa qualidade de vida. Em alguns dias da semana não dá para vir trabalhar de carro, tem que substituir o carro pelo ônibus para poder equilibrar o custo da gasolina. Eu, por exemplo, acabei pegando o dinheiro da reserva de segurança para poder pagar algumas despesas correntes e aí tive que vender bens. Troquei de carro, peguei um carro mais simples.
A pandemia trouxe dificuldades a mais, já que todas as despesas de implantação do ensino remoto foram por conta dos docentes. Não ter tido nenhum tipo de financiamento pela universidade ou pelo governo pesou. Tive que comprar um computador novo porque o meu não tinha velocidade de processamento suficiente para dar três a quatro horas de aula. Tive que comprar a câmera, o microfone.
Já até pensei na possibilidade de me transferir para uma cidade em um campus universitário, cujo custo de vida seja menor.

WhatsApp Image 2023 03 06 at 16.56.15ANTONIO SANTOS
Professor titular do Instituto de Física

A gente faz alguns sacrifícios, tem que repensar todas as nossas despesas, evita sair pra comer fora. No supermercado, a gente vai sempre naqueles itens mais baratos, eu só ando de ônibus. No dia de pagamento, eu recebo, já pago as contas e tenho que administrar o que sobra para chegar até o final do mês porque o mês é sempre mais longo do que o salário. Eu sou dependente da minha esposa em plano de saúde porque é um custo muito elevado para uma família de quatro pessoas. Eu tenho a sorte de ela trabalhar em hospital particular e ter um plano de saúde do qual eu sou dependente dela porque eu não teria como arcar com essa despesa. Então, a gente tem feito restrições para que o orçamento caiba no mês.
O salário está muito aquém do que deveria ser. O Executivo é um dos poderes que tem em média a maior formação. Não só os professores, mas o Executivo em geral, e são os salários que estão mais baixos, se comparados com o Judiciário ou com o Legislativo. Nós trabalhamos na UFRJ. O Rio de Janeiro tem custo de vida elevadíssimo.
A gente teve lá atrás, antes do primeiro governo PT, uma defasagem grande. Com as políticas implantadas houve um período de valorização tanto da carreira docente como da pesquisa. Depois de 2016, a situação tem ficado muito ruim para a universidade como um todo. Insustentável! E isso repercute no salário.
De forma imediata, as propostas que estão circulando estão aquém do ideal, mas dão um alívio. Pelo menos um pouco de fôlego para poder em parte compensar as perdas dos últimos anos. Eu acho que ainda está longe de se dizer que o salário está valorizado da forma adequada, mas dá um respiro.

FSOU5791MARIA LÚCIA WERNECK VIANNA
Professora aposentada do Instituto de Economia

A primeira questão é que a distribuição de renda no Brasil é extremamente perversa. É uma desigualdade que não é só de renda, mas é particularmente de renda e particularmente salarial. O salário de um professor quando entra na carreira, do ponto de vista da categoria, é muito mal pago. Se a gente comparar o salário do professor universitário com o de um técnico do BNDES, que tem a mesma qualificação nossa, com mestrado e doutorado, e que também fez concurso, deste ponto de vista nossos salários são muito baixos. Um técnico do BNDES ganha muito mais, três vezes mais no mesmo nível da carreira que um jovem professor.
É claro que temos que defender o aumento salarial, mas tendo essa perspectiva de que a gente vive num país extremamente desigual, é preciso negociar em torno de um argumento que não seja apenas corporativo. É preciso questionar por que os nossos salários são menores do que os dos técnicos do Ipea, do BNDES. Por que a profissão do professor não é valorizada? Sem desmerecer essas profissões, um engenheiro é mais valorizado que um professor, um economista que trabalha no BNDES é mais valorizado.
O professor é fundamental, inclusive para redução das desigualdades. A universidade não forma só médicos, engenheiros. Ela forma professores que darão aula no Ensino Médio, que darão aula no Ensino Fundamental. Então, trata-se de valorizar uma profissão que é responsável por uma coisa importantíssima que é a Educação e que é, ao fim e ao cabo, um dos elementos fundamentais para reduzir as desigualdades sociais. A questão central para os professores da universidade é a valorização da profissão, a valorização do professor e a valorização do professor universitário na sociedade brasileira.
A sensação é de que o professor é desvalorizado e o não tem reconhecido o seu papel na sociedade e nem pelo poder público. É isso que eu sinto.

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