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WhatsApp Image 2023 01 27 at 20.18.54 3PERFIL I Mychael Lourenço, Professor do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ

Aos 33 anos, o professor Mychael Lourenço já fez história. Ele foi citado como um dos 11 jovens pesquisadores mais relevantes do mundo em sua área por conta de suas pesquisas sobre o Alzheimer, doença que afeta cerca de um milhão de brasileiros e 35 milhões de pessoas no mundo. A lista foi divulgada pela prestigiada revista britânica Nature Medicine. Professor da UFRJ desde 2018, ele é o único representante da América Latina no seleto grupo divulgado pelo periódico. Os Estados Unidos lideram a lista com quatro nomes. Há, ainda, pesquisadores da Austrália, China, Holanda, Inglaterra e Maurício.

Amante de futebol e música, o “botafoguense, graças a Deus”, como se define, se surpreendeu com a lista divulgada pela revista. “Foi uma grata surpresa. Eu fui previamente contatado por uma editora para dar informações sobre minha pesquisa, mas ela disse apenas que era para uma matéria, sem dar muitos detalhes. Quando vi a lista, fiquei positivamente surpreso”, lembra. “Eu acredito que mais do que valorizar o meu trabalho, esta é uma forma de mostrar a Ciência brasileira, que vem sendo tão negativamente destacada e desvalorizada, para o mundo”, diz o carioca de Copacabana.

DIVERSIDADE
Mychael Lourenço é cria da UFRJ. Foi aqui que ele cursou sua graduação, aprofundou suas investigações no mestrado e realizou seu doutorado. Chegou à universidade em 2007, aos 17 anos, quando ainda não existia o sistema de cotas e nem o SESu. A instituição era bastante diferente e ele era um dos poucos alunos negros do Centro de Ciências da Saúde. “A universidade mudou e vem mudando. Essa diversidade vem sendo ampliada. E que bom. É necessário. A Ciência precisa dessa diversidade. Pessoas de origens diferentes são agregadoras para a pesquisa”.

Quando iniciou a graduação, ele se apaixonou pela investigação científica. “Eu gostava muito de Biologia e resolvi que seria professor da Educação Básica”, conta o docente. “Mas, no início da graduação, tive meu primeiro contato com a pesquisa. Como sempre quis entender como o cérebro funciona, busquei estágios em Iniciação Científica com esse norte.”

Foi aí que ele chegou ao antigo Laboratório de Neurogênese e Diferenciação Celular — um embrião do atual Lance (Laboratório Nacional de Células-tronco Embrionárias) do Instituto de Ciências Biomédicas. Em seguida, migrou para o Laboratório de Doenças Neurodegenerativas do Instituto de Bioquímica Médica, ao qual é vinculado até hoje. “Acredito que tive sorte por encontrar logo uma área por qual eu era apaixonado”, recorda o professor. “Acho que isso me ajudou a amadurecer cedo minhas perguntas de pesquisa e acompanhar o desenvolvimento dessa área nos últimos anos”.

A doença de Alzheimer, da qual o professor é especialista, foi descrita pela primeira vez em 1906, mas até a década de 1980 se sabia muito pouco sobre ela. “Só nos últimos 40 anos começou a haver avanços mais significativos, mas a velocidade das descobertas foi acentuada nos últimos dez anos”, avalia Mychael Lourenço. “Hoje sabemos que tipo de abordagem funciona e quais não funcionam para tratar a doença. Mas precisamos avançar também no diagnóstico precoce e atuar no campo da prevenção”, pontua.

DESCOBERTAS
Em 2019, o professor fez parte da descoberta que associou o hormônio irisina — produzido pelos músculos e pelo cérebro com a prática de atividades físicas — à preservação dos neurônios contra o Alzheimer. “A irisina ajuda a proteger das transformações pelas quais o cérebro passa com a doença”, revela. Essas transformações são causadas pela proteína beta-amilóide que, com o avançar da idade do indivíduo, se acumula e começa a gerar grumos em torno das células neurais. “A falta de ‘limpeza’ dessa proteína afeta o funcionamento dos neurônios. Então, quanto mais cedo diagnosticarmos esse acúmulo, melhor será o tratamento desse paciente e mais lenta será a evolução da doença”, explica o professor.

Hoje, é possível detectar a presença desses grumos de beta-amilóide por meio de um exame de neuroimagem chamado PET Scan. “É um exame de alta complexidade e extremamente caro. São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre são as únicas cidades do Brasil que possuem esse exame”, exemplifica o especialista.

Outra forma de se diagnosticar o acúmulo da proteína tóxica é por meio de punção do líquor da medula espinhal. Mas, além de caro, o exame é muito invasivo. “Provoca muita dor, não é simples de ser realizado, requer tempo de recuperação do paciente e, em pessoas idosas, é especialmente complicado”.

Esses impasses levaram a Ciência a pesquisar uma forma de o diagnóstico ser realizado por meio de exame de sangue de rotina. “Já se sabe que é possível diagnosticar desta forma esse acúmulo de proteína, mas é preciso baratear os custos, otimizar o processo. Ainda são equipamentos caros e específicos”, afirma o docente.

O cientista atua com Ciência básica para responder perguntas ligadas à evolução da doença, a tratamentos e diagnósticos. “A gente trabalha com a premissa de entender qual o ponto de não-retorno do Alzheimer, o que muda no cérebro, para descobrir como intervir. Nesse processo, descobrimos que não dá para fazer isso sem propor formas de diagnóstico e terapias que possam ser testadas por outros grupos”.

ORGULHO DE SER PESQUISADOR
Apesar das dificuldades pelas quais a ciência brasileira passa, com subfinanciamento e burocracia excessiva, Mychael Lourenço garante que não seria outra coisa senão cientista. “Ainda bem que não fiz Jornalismo, como queria quando criança”, ri. “Ser pesquisador é uma carreira muito recompensadora. Somos movidos por descobertas”, afirma.

Como recado para os estudantes que ainda não sabem se seguirão uma carreira acadêmica, o professor orienta. “O cientista pode ter experiências em outros estados, em outros países. Há possibilidades de fazer descobertas. Ser pesquisador te possibilita deixar um legado para a humanidade”.

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