A violência é resultado direto da retórica bolsonarista. É o que analisa a professora Mayra Goulart, cientista política que estuda Bolsonaro desde 2018. “No campo da extrema-direita, essa liderança faz inúmeros discursos reivindicando a violência como horizonte possível e defende o armamento da população”, sinaliza Mayra. “Tudo isso cria uma moldura que explica o aumento da violência política e o potencial que ela aumente muito mais, uma vez que temos uma população armada que é estimulada a ser violenta”.
A docente também destaca que a violência não é fruto da chamada “polarização”.“Polarização dá ideia de que os dois lados são equivalentes. E não são. Um lado instiga a violência enquanto o outro adota uma postura contra a violência. A violência política é produto de estímulos deliberados ao uso da violência”, afirma.
Ao longo do discurso de Brasília, na quarta-feira, Bolsonaro defendeu o golpe militar e fez ameaças. “Ele colocou o Golpe de 64 na lista de ‘outros momentos difíceis’. Citou 2016, 2018 e afirmou quase que como uma ameaça que ‘a história pode se repetir’”, comenta Mayra. “Em outro momento, ele puxa o coro de que é ‘imbrochável’, revelando um machismo que assume tons muito fortes, para não dizer grotescos”.
A celebração oficial dos 200 anos da independência se tornou campanha eleitoral. “Isso é uma vitória política para Bolsonaro. Ele capturou totalmente esse sentimento tradicional da população, de acompanhar os desfiles. Todo mundo que estava em Copacabana, São Paulo e em Brasília estava lá em apoio a ele”, diz o professor Josué Medeiros, também da Ciência Política do IFCS.
Mas nem tudo é ganho para o atual mandatário brasileiro. “O lado bom, para a democracia, é que ele está isolado. Falou para seus convertidos”, afirma o docente. Para o pesquisador, as falas de Bolsonaro foram direcionadas aos seus apoiadores, imprimiram um tom golpista, mas foram insuficientes para mudar os rumos do resultado eleitoral do primeiro turno. “Ele perdeu a oportunidade, felizmente, de ampliar seu lastro de apoio. Não havia com ele os candidatos a governador mais bem colocados nas pesquisas, nem as autoridades das instituições democráticas”, comenta Josué Medeiros. “Esse isolamento enfraquece suas pretensões golpistas nesse primeiro momento”, acredita o professor.
Para o docente, não haverá, até o primeiro turno, uma escalada no tom autoritário de Bolsonaro, mas a partir de 2 de outubro as coisas podem mudar. “Independentemente do resultado, perdendo a eleição no primeiro turno ou ganhando mais três semanas de campanha para o segundo turno, ele vai subir o tom. Vai haver um acirramento”.
REAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES
Mayra Goulart, que é vice-presidente da AdUFRJ, acredita que o isolamento político de Bolsonaro é devido, em parte, à mudança de postura dos Poderes. “As instituições saíram da relativa inércia diante de uma figura que é de extrema direita e anti-establishment, que ataca as instituições da democracia brasileira”, diz.
Para Mayra, são muitos os sinais que demonstram essa mudança de postura.“Há um despertar tardio das instituições e isso se mostra pela decisão recente do Supremo Tribunal Federal de restringir os efeitos da portaria das armas, pela proibição de acessar as urnas com celulares e pela ausência nas comemorações oficiais”, conclui a professora.
IMAGEM QUE VALE MAIS QUE MIL PALAVRAS
No Rio de Janeiro, as lentes da repórter Lola Vieira, do UOL, registraram o momento em que meninos negros vaiavam a motociata de pessoas brancas que acompanhavam Bolsonaro em Copacabana. “A foto simboliza muito bem o isolamento de Bolsonaro”, acredita o professor Josué Medeiros. Menos de dez minutos depois do flagrante, o Batalhão de Choque da PM parou o ônibus e retirou todos os meninos. Os outros passageiros sequer foram revistados.
“IMBROCHÁVEL” REVELA MACHISMO E DEGRADA ATO CÍVICO
Pior do que transformar as comemorações da independência do país num palanque eleitoral, Bolsonaro conseguiu imprimir tons grotescos em diferentes momentos de seu discurso. Num deles, comparou a primeira-dama Michelle Bolsonaro à socióloga Rosângela Silva, esposa de Lula, a Janja. “Procurem uma mulher, uma princesa”, disse Bolsonaro logo antes de puxar para si o coro “imbrochável”. Nesta sexta, Janja rebateu: “Aqui só tem mulher que luta”.
AMEAÇAS À OPOSIÇÃO, MENTIRA A APOIADORES
Bolsonaro fez propaganda do auxílio pago aos mais vulneráveis. Ele só não citou que o valor de R$ 600 só foi possível porque ele foi derrotado pela oposição. Sua equipe econômica defendia R$ 200. Ele também atacou a “ideologia de gênero”, fake news criada na campanha de 2018 e disse que não há corrupção em seu governo, apesar de o Brasil ter perdido posições em rankings internacionais e a PGR ter arquivado 104 pedidos de investigação contra ele.