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WhatsApp Image 2022 05 13 at 18.49.26Alexandre Medeiros e Beatriz Coutinho

Acenderam a luz no quarto escuro e encontram uma infestação de mosquitos. É assim que se sentem pesquisadores brasileiros frente ao aumento de casos de dengue no país, no início deste ano. O último boletim do Ministério da Saúde, publicado em 6 de maio, aponta 654.800 casos prováveis de dengue até o dia 30 de abril, com taxa de incidência de 307 casos por 100 mil habitantes. Em comparação com o mesmo período de 2021, o aumento foi de 135,1%.
O Centro-Oeste é a região que mais acumula casos, com taxa de 1.054,6 casos por 100 mil habitantes, seguida pelo Sul, com 539,5 por 100 mil habitantes. Alguns governos estaduais, como o do Paraná, e municipais, como os de Natal, Itabuna (BA), Araraquara (SP) e Blumenau (SC), já decretaram formalmente a epidemia de dengue. A Prefeitura de Goiânia, capital com maior número de casos no país, decretou estado de emergência na saúde pública.
No estado do Rio de Janeiro, segundo levantamento da Coordenação de Vigilância Epidemiológica, foram registrados 2.839 casos até 30 de abril, um aumento de 115,6% em relação ao mesmo período de 2021. “Diante do cenário epidemiológico da dengue, ficou caracterizado um aumento expressivo de casos registrados em alguns municípios do estado, sinalizando para uma possível situação de alta transmissão”, alertou, em nota, o secretário de Estado de Saúde, Alexandre Chieppe.
Para Ademir Martins, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, da Fiocruz, há três hipóteses que podem justificar o aumento dos casos. A primeira é a subnotificação. Em dois anos de pandemia, os sistemas de vigilância de doenças, não só da dengue, ficaram muito prejudicados. Ou seja, houve uma falha nesses diagnósticos, ao mesmo tempo em que muitas pessoas não buscaram assistência médica. Agora, as pessoas têm procurado os postos de saúde por outras questões além do coronavírus. “Essa é uma hipótese, de que esses números de hoje sejam reais, porém o aumento não seja real”, aponta Martins.
A segunda hipótese é que haveria, sim, um aumento real. Nessa ideia, o diagnóstico teria acontecido corretamente durante a pandemia. Como as pessoas estavam mais tempo em casa, elas também conseguiram se atentar mais a possíveis criadouros de mosquitos, como vasos de planta e caixas d’água. O contato das pessoas com o mosquito teria, então, caído, assim como o número de casos da doença.
A terceira hipótese é relacionada ao clima. Martins aponta que a influência do fenômeno La Niña — que, na América Latina, acarreta em seca em alguns países e maior volume de chuva em outros — fez com que o ciclo de desenvolvimento de larva até o mosquito adulto tenha sido encurtado nos períodos mais quentes, o que favorece a proliferação desses vetores. “Se você tem mais mosquito, há possivelmente mais transmissão do vírus. Então, pode ser uma mistura desses três fatores e outros”, analisa o pesquisador.

NOVA CEPA
Em 5 de maio, o Instituto Oswaldo Cruz, da Fiocruz, em parceira com o Laboratório Central de Saúde Pública de Goiás (Lacen-GO), detectou um novo genótipo (linhagem ou cepa) do vírus da dengue. A linhagem cosmopolita, a que mais circula pelo mundo, foi diagnosticada em um morador de Aparecida de Goiânia (GO). O cosmopolita é um dos seis genótipos da dengue 2. A doença é dividida em quatro sorotipos: 1, 2, 3 e 4. Esses sorotipos podem apresentar diferentes linhagens. No Brasil, já circula uma cepa do tipo 2, denominada asiático-americana. Nessa nova onda de dengue, concentram-se os sorotipos 1 e 2 pelo país.
Pesquisadores apontam que, apesar da nova cepa poder apresentar potencial de maior transmissibilidade, a sua detecção foi precoce. Motivo de vigilância, mas não ainda de preocupação. Para Roberto Medronho, epidemiologista da UFRJ, o foco no momento é entender qual a nossa resposta imunológica ao vírus. Apesar da premissa de que quem contraiu um sorotipo da dengue fica imune para o resto da vida, Medronho é cuidadoso: “Ainda não temos certeza se nossos anticorpos são suficientemente robustos para neutralizar a infecção pelo dengue 2 deste genótipo cosmopolitano”. Para o professor, é fundamental que haja vigilância epidemiológica e genômica, a fim de identificar se o cosmopolitano está ou não se espalhando pelo Brasil. “O Rio de Janeiro, por ser um polo de turismo, favorece a entrada de novos sorotipos”, observa o epidemiologista.
A novidade não deve gerar pânico. Ademir Martins acredita até que, em certa dose, a preocupação pode virar proteção: “Com a covid-19, a gente evitava a doença usando máscara. Agora, estamos na época das arboviroses (doenças transmitidas pelos arbovírus, como dengue, zika, chikungunya e febre amarela) e nós as evitamos não deixando o mosquito se proliferar dentro das nossas casas”. Medronho segue a mesma linha preventiva. Para ele, a forma de se combater o vírus é concreta, como evitar água parada dentro de casas, borracharias e ferros-velhos.

Vacina nacional é esperança no horizonte

Na semana passada, foi dado mais um pequeno passo na longa caminhada em busca da vacina contra a dengue no Brasil. Começaram a ser recrutados, nas cidades gaúchas de Porto Alegre e Pelotas, 700 voluntários que vão participar de um novo subestudo da vacina da dengue do Instituto Butantan. No momento em que os casos da doença explodem no país, esse subestudo se propõe a avaliar a resposta imune de três diferentes lotes de produção da vacina em desenvolvimento no Butantan. A pesquisa começará no mês que vem, será randomizada e faz parte do ensaio clínico de fase 3, que é o estudo principal do imunizante e que está em andamento desde 2016.
Os voluntários serão homens e mulheres sadios ou com doença clinicamente controlada, com idades entre 18 e 59 anos. Em Porto Alegre, o trabalho será feito em parceria com o Hospital São Lucas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), e em Pelotas, com o Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Os participantes receberão uma dose do imunizante de um dos três lotes, ou de placebo, e serão acompanhados por até 52 semanas.
A vacina em desenvolvimento no Instituto Butantan, em parceria com o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (NIAID) e a farmacêutica Merck, é a mais promissora frente de imunização em curso no país. Ela utiliza vírus enfraquecidos que induzem a produção de anticorpos sem causar a doença e com poucas reações adversas. Será tetravalente e vai proteger contra os quatro tipos de dengue. Estudo publicado no dia 15 de março na revista científica Human Vaccines & Immunotherapeutics mostra que a vacina induziu a geração de anticorpos em 100% dos indivíduos que já tiveram dengue e em mais de 90% naqueles que nunca haviam tido contato com o vírus. Os estudos foram iniciados em 2009 e o acordo do Butantan com o NIAID prevê que o instituto produza e distribua o imunizante em território brasileiro. A previsão é que a pesquisa seja concluída até 2024.
De acordo com a pesquisadora Simone da Costa, da Fiocruz, há diversos grupos no Brasil que estudam vacinas contra a dengue, usando várias estratégias e em diferentes estágios de evolução. Esses grupos estão em unidades da Fiocruz em vários estados, em universidades federais e estaduais. Ela lembra que desde 2015 há uma vacina licenciada contra a dengue, mas para um público restrito. “Ela é direcionada a indivíduos entre 9 e 45 anos. Foi aprovada em cerca de 20 países, incluindo o Brasil. É recomendada para pessoas que já tiveram dengue ou contato com o vírus”, diz Simone, mestre em Genética pela UFRJ e doutora em Biologia Celular e Molecular pela Fiocruz.
Para Simone, o longo caminho até a vacina contra a dengue se explica porque ela tem que induzir altos níveis de proteção por longo período contra os quatro sorotipos virais. “Se ela não é eficiente contra um dos sorotipos, você aumenta a chance de a pessoa vacinada, ao ser infectada pelo vírus, desenvolver um quadro mais grave da doença, em vez de estar protegida”, sustenta.
A mesma opinião é compartilhada pelo epidemiologista Roberto Medronho, da UFRJ: “Sabemos que uma vacina contra a dengue, para ser eficaz, deve ter proteção contra os quatro sorotipos da doença. E que seja uma proteção robusta. Porque se ela só protege contra um ou outro sorotipo, e proteger menos contra outros, podemos ter até um agravamento de casos, pela teoria da infecção sequencial, já há muitos anos consagrada. Então, uma vacina, para ser realmente segura e eficaz, precisa proteger contra os quatro sorotipos”.

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