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WhatsApp Image 2022 03 25 at 23.52.45Beatriz Coutinho

O DNA não mente. É com essa premissa, partindo da Genômica Pesqueira, que trabalha o Centro Nacional para Identificação Molecular do Pescado (Cenimp) da UFRJ, cujas novas instalações foram inauguradas no último dia 18. Vinculado ao Instituto de Biologia, o Centro descende da antiga Rede Nacional para Identificação Molecular do Pescado (Renimp) e tem entre os seus objetivos a checagem das espécies comercializadas, a delimitação de estoques pesqueiros e a busca por marcadores de poluição. O Cenimp conta com o maior banco de sequências de DNA da América Latina, que permite a identificação dos pescados mesmo quando processados.
“O Cenimp é a minha maneira de prestar serviços à sociedade”, assegura o coordenador e idealizador do Centro, professor Antônio Solé. Apesar de não ter poder de fiscalização, o Centro colabora com as autoridades — como Polícia Civil e Ministério Público — com suas publicações científicas. “Usamos as ferramentas da Ciência para informar legisladores e fiscalizadores”, destaca o professor Frederico Henning, que coordena as atividades de pesquisa e inovação na área da Genômica Pesqueira no Cenimp. Além de pesquisa, o Cenimp realiza extensão junto à ONG Oceana, que busca evitar a comercialização de espécies ameaçadas.
Filha de pescador, a reitora Denise Pires de Carvalho prestigiou a inauguração das novas instalações do Cenimp e destacou sua importância para a UFRJ e para o país. “A identidade desse pescado serve não somente para o pescador, mas para toda a rede de comércios, restaurantes e para a sociedade saber o que está consumindo”, afirmou. Relembrando a infância no barco ao lado do pai, a reitora fez um alerta sobre a questão ambiental. “Sou da geração que parou de nadar na Baía de Guanabara porque um nadador pegou hepatite A”, contou. “Não é possível que a gente continue maltratando tanto o meio ambiente”.
O Cenimp é um mar de possibilidades. Estuda-se o limite dos estoques pesqueiros de merluzas, corvinas e tamboris para definir quantas toneladas podem ser pescadas anualmente de maneira sustentada. Analisando mais de 7.000 partes do genoma de ostras do Rio de Janeiro e de Santa Catarina, o Centro investiga possíveis diferenças genéticas das mesmas espécies em lugares muito e pouco poluídos. Quando o assunto é identificação de pescados, as pesquisas vão do filé ao peixe processado em bolinhos e croquetes, resguardando quem consome e impedindo que espécies crípticas (muito similares), às vezes ameaçadas, sejam comercializadas.
Daniela Souza, da equipe do Cenimp, estuda a substituição do linguado (Paralichthysspp.) desde a sua iniciação científica (2018), examinando a taxa de fraude em supermercados. Durante seu mestrado, a coleta foi ampliada para feiras, peixarias e restaurantes. Os objetivos eram localizar a prevalência dessas substituições, buscando um alvo para as fiscalizações, e o desenvolvimento de metodologias de identificação molecular focadas nas espécies de maior ocorrência nas substituições. A pesquisa mostrou que os pescados substituídos eram 20 vezes mais caros, além de a fraude mascarar o verdadeiro estado das populações de linguados, às vezes ameaçadas. “Nos restaurantes, a taxa de fraude chegou a 82% e nas feiras, a 61%. Além da descaracterização morfológica, há uma possibilidade de mascarar o sabor e o aspecto do filé”, ressalta. Devido à rígida fiscalização, ocorreu uma queda de 12% na taxa de fraude nos supermercados.
Nem os bolinhos de bacalhau escapam. Na ponta da cadeia da atividade pesqueira, a pesquisa de Carine Belau mostra que mais de 20% do bacalhau comercializado no Rio de Janeiro não são bacalhau de verdade. “É um dano econômico para o consumidor. Espécies que são mais baratas podem ser vendidas como mais caras”, aponta a mestranda, também da equipe do Cenimp. Segundo a Instrução Normativa 53 (2020), somente o bacalhau “cod” (Gadus macrocephalus) e o “do Porto” (Gadus morhua) podem ser comercializados como bacalhau legítimo. Os falsos são peixes salgados secos, como ling e poloca do Alaska. “Arranca-se a cabeça, o rabo e as escamas do peixe, deixando-o como posta ou filé, impossibilitando a identificação a olho nu ou morfológica”, explica Carine. Sua pesquisa originou a aula “Que bacalhau é esse?” em escolas públicas, fruto do projeto pedagógico “UFRJ Doa uma Aula”. A proposta é mostrar as espécies de bacalhau e as técnicas aplicadas para identificar fraudes.
As fraudes podem trazer riscos à saúde. Hoje, 75% dos peixes rotulados como linguado são, na verdade, panga (Pangasianodon hypophthalmus). “Esse peixe pode conter contaminantes por conta de sua origem de cultivo, o que poderia gerar um problema de saúde pública”, alerta Daniela. No caso do bacalhau, os consumidores podem respirar aliviados. Embora as outras espécies não estejam classificadas como bacalhau pela legislação, ainda assim constam como peixes destinados ao comércio nacional. “São tão bons para a saúde quanto o bacalhau. Só fazem mal ao bolso”, brinca o professor Solé.
O banco de sequências de DNA do Cenimp conta com 220 espécies, o que representa 99% de todo o pescado marinho brasileiro. O objetivo inicial era coletar as 100 espécies mais comuns no Brasil e sequenciar seu DNA. A quantidade de espécies brasileiras no banco de DNA internacional, o GenBank, era muito baixa: “Sempre que precisávamos tentar identificar algum pescado nacional, esbarrávamos nisso”, conta Solé. Orgulhoso, o professor lembra que, apesar da meta inicial ser o sequenciamento de 100 espécies, eles realizaram mais de 190. O próximo passo do Centro é a identificação de pescados em água doce.
O financiamento para o projeto veio de agências de fomento, Faperj, CNPq e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Antes de ser extinto, o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) chegou a ser seu principal financiador.

Novo laboratório: modernidade e segurança

Inaugurado na última sexta (18), o Cenimp tem sua equipe composta pelos dois coordenadores, professores Antônio Solé e Frederico Henning, e 11 pesquisadoras de iniciação científica, mestrado, doutorado e direcionamento científico-tecnológico. O projeto custou R$ 1,1 milhão. Já o Banco de Dados demorou dois anos para ficar pronto, ao custo de de R$ 800 mil. As novas instalações ocupam uma área de 400 metros quadrados e contam com freezers para estocagem de tecidos, laboratório e salas de preparo de soluções, experimentos moleculares e sequenciamento de DNA. O Cenimp tem todos os requisitos de segurança que um laboratório precisa para certificação.
Apesar da felicidade do corpo acadêmico com a inauguração, a reitora Denise Pires de Carvalho reforçou o compromisso com mais agilidade na construção de centros e laboratórios de pesquisa da UFRJ. A licitação do Cenimp foi em 2014 e o prédio ficou pronto em 2016, mas vários problemas de infraestrutura foram enfrentados. Com uma pandemia que ainda perdura, a inauguração era pra ter ocorrido em janeiro, mas foi postergada para março. “Você [professor Antônio Solé] não precisava ter esperado tantos anos. Captou o recurso, a construção tem que acontecer”, disse Denise. “Precisamos desobstruir os caminhos de quem trabalha sério pela universidade. Porque quem trabalha sério pela universidade está trabalhando sério para o povo brasileiro.”

COMO FUNCIONA O CENIMP

O Centro tem uma biblioteca de sequências de DNA com quase todas as espécies de pescado marinho brasileiro (99%), de onde se tiram os dados de comparação com as amostras. Para isso, foram coletados peixes inteiros, identificados por zoólogos. A biblioteca consiste em pedaços de tecido de 220 espécies.

Depois, é retirado o DNA de cada amostra de tecido. Esses DNAs são sequenciados para três genes, sendo dois da mitocôndria (organela responsável pela respiração celular) e um do núcleo. Forma-se então uma segunda biblioteca, que conta com esses três genes dessas espécies de pescado, totalizando mais de 4.000 sequências de DNA.

Com essa segunda biblioteca, podem ser feitas análises de amostras de pescados comercializados em restaurantes, feiras, mercados ou peixarias.

As sequências obtidas são comparadas com as da biblioteca por meio de um programa de computador. A partir desse programa, o pesquisador poderá saber qual sequência na biblioteca mais se parece com aquela da amostra, inclusive com a taxa de incerteza da identificação. Se a incerteza for menor do que uma em um milhão, é a espécie indicada.

Essa identificação é usada para fins acadêmicos, de fiscalização e ainda pelas indústrias pesqueiras. Pode ser útil, também, para a conservação de espécies (uma espécie ameaçada de extinção ou de pesca proibida pode estar sendo comercializada com o nome de uma espécie não ameaçada).

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