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WhatsApp Image 2022 01 28 at 18.08.03 1ENTREVISTA I Edson Mello, diretor do Instituto de Geociências da UFRJ

No último dia 12, o governo publicou um decreto presidencial alterando as regras para construção em regiões de cavernas. O novo texto fragilizava a política de preservação das formações naturais e revogava a proibição de que as cavernas que tenham o grau de relevância máximo sofram impactos negativos irreversíveis. Esta semana, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu parte do decreto. Para entender os impactos que a decisão de Bolsonaro pode ter para a sociedade, o Jornal da AdUFRJ conversou com o professor Edson Mello, diretor do Instituto de Geociências da UFRJ.
Mello trabalhou no Ministério de Minas e Energia entre 2008 e 2016, nos cargos de coordenador-geral de Economia Mineral, até 2009, e diretor de Desenvolvimento Sustentável na Mineração, entre 2010 e 2016. Para ele, o decreto presidencial foi um retrocesso nas políticas de preservação das cavernas e na discussão sobre exploração sustentável dos espaços que elas ocupam. “Quando saí do ministério, essa discussão estava posta. Ela não progrediu e Bolsonaro jogou tudo fora”, disse.
Na conversa, o professor explicou a importância das cavernas, propôs um debate sobre o modelo de mineração que o país precisa — debate mais que oportuno depois do estado de insegurança criado em Minas Gerais com as chuvas em dezembro e janeiro, e na semana em que o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho completou três anos — e defendeu o papel da regulação na mineração.

WhatsApp Image 2022 01 28 at 18.07.49 3Jornal da AdUFRJ — Qual é a importância da preservação de cavernas?
Edson Mello — Em um primeiro momento, você não tem como dizer se em uma cavidade existem artefatos. Mas se nessas cavidades tiverem inscrições rupestres ou utensílios, mostrando que elas podem ter sido habitadas, temporariamente habitadas ou não habitadas, mas que foram um local onde temporariamente os primitivos fizeram as suas inscrições, há um valor cultural ali. Esse é um ponto. Há uma outra questão que os biólogos advogam, e aí já não é mais a questão do fator cultural, mas sim o bioma relacionado às cavernas. Há animais e algumas espécies vegetais que vivem só nesse ambiente. Então, do ponto de vista biológico, há a necessidade de preservação dessa fauna e flora. Essa é uma polêmica que bate de frente com os interesses das mineradoras. Eu trabalhei nessa questão quando estive lá na no Ministério de Minas e Energia. Foi naquela ocasião, em 2013, que esse assunto estava em pauta.

Como essa questão conflita com os interesses das mineradoras?
Eu vou te responder com dados de uma apresentação feita pela própria Vale, em 2013. De um total de 16,032 milhões de toneladas em reservas minerais da empresa, 13,618 milhões estão restritas por cavidades ou bloqueios ambientais. Entendeu o tamanho da preocupação deles? Temos dois lados: um que vai dizer taxativamente que deve ser preservado: e o setor produtivo, que questiona se, face aos interesses econômicos, é relevante que se preserve isso ou aquilo. Quando falamos de cavidades em minério de ferro — porque o que impacta as mineradoras são as cavidades em minério de ferro —, elas podem não ser como aquelas cavernas clássicas que conhecemos, salões enormes com estalagmites e estalactites. As cavidades em minério de ferro são menores. Algumas são até razoavelmente grandes, mas é comum você encontrar pequenas cavidades. E mesmo essas menores estavam protegidas. E esse era o ponto que as mineradoras colocavam, que era preciso distinguir o que pode e o que não pode, o que deve ser preservado e que pode não ser preservado. Esse é o embate. E há uma defesa, que é legítima, sobre a importância das cavidades. O decreto que protege as cavernas é de 1990, era ele que estava em discussão naquela época.

E como a mineração pode ser sustentável?
Em tese, podemos dizer que a mineração, por definição, é insustentável. Entretanto, a sociedade não vive sem recurso mineral, ela necessita dele para tudo. A questão passa a ser como nós vamos fazer a extração e o uso do material. O que está posto na mesa é uma discussão que diz, de um lado, “esse modelo de desenvolvimento onde a financeirização está à frente de qualquer coisa, é assim que deve ser a mineração”; e, do outro, diz “temos que fazer a mineração, ou retirar aquilo que de fato nós precisamos?”. Nós estamos tirando ferro para atender o mercado externo. Existe uma lógica financeira do capitalismo que governa isso.

Então havia um debate sobre mineração sustentável dentro do governo?
Sim. E não era uma discussão fácil dentro do próprio governo. Especificamente na questão das cavidades, havia realmente um embate interno muito duro. Havia até propostas interessantes, uma rotina de critérios que foi estabelecida que pontuava o grau de relevância dessas cavidades. Havia o embate entre os ambientalistas e as mineradoras, e aí é que residia a nossa questão, ser o fiel da balança da sustentabilidade. Era uma questão de calibrar os critérios, é aí que estava a questão, essa calibragem. Eu saí no momento em que essa discussão estava posta e eu não vi o resultado. O que eu sei é que ela não progrediu, e estamos vendo agora o que Bolsonaro está fazendo. Ele simplesmente jogou tudo fora e falou “acabou, não tem conversa, vai ser assim, está tudo liberado”. Eu sou totalmente contrário à liberação. Isso que está posto aí é uma imoralidade.

Então o caminho é aprimorar a regulamentação e a fiscalização?
Sem dúvida. Nós não damos bola para alguns instrumentos que existem, como o projeto de fechamento de minas por exemplo. É um projeto que todo empreendimento mineiro deveria ter. Ele diz quando e como vai começar, o que vai acontecer durante as operações, como vai terminar e o que ele precisa fazer em todo esse processo em termos de impactos de diversas formas, ambientais e econômicos. E esse projeto necessariamente tem que ser construído com as partes interessadas. Agora mesmo, no norte de Minas Gerais, empresas chinesas estão se instalando aparentemente sem um projeto de fechamento de minas, em uma região de ferro de baixo teor. O que eles deveriam fazer é informar à comunidade o que pretendem fazer durante o processo, os impactos que serão gerados e que medidas são necessárias para minimizar riscos.

E o papel do governo seria fiscalizar e cobrar que essas empreses apresentassem projetos de fechamento?
Sim, sem dúvida. O Estado não pode ser omisso, ele tem um papel extremamente relevante. Ele tem que estar vigilante quanto ao bioma, ao ecossistema, aos impactos socioeconômicos e à questão da produção. Mas os governos tendem a se alinhar ao poder econômico.

Até os anos 1990, a mineração era um indutor da economia e controlada pelo Estado. Isso muda com as privatizações daquela década. Ficou mais difícil fazer a regulamentação da mineração com a entrada dos agentes privados? Seria mais fácil regular e fiscalizar se as empresas de mineração fossem controladas pelo governo?
Você vai encontrar defensores árduos dos dois lados dessa discussão. Há quem diga que se você tiver a grande mineração controlada pelo Estado, você, em tese, teria também como controlar o processo produtivo, já que a fiscalização ficaria dentro do governo. Mas se uma empresa estatal for conduzida como uma empresa privada, eu acho que não teremos essa garantia. Nós temos hoje órgãos de comando e controle que são do Estado. Ibama, ICMBio, Agência Nacional de Mineração, Agência Nacional de Águas, Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais. Mas quem são os dirigentes que são postos lá? Eles entram de acordo com os matizes dos governos, respondem a um alinhamento com aquele governo. Hoje temos um governo como esse que está aí. Ele vai colocar em cada agência dessas um diretor que é alinhado com a sua visão. O que eu quero dizer é que você pode instrumentalizar essas agências de modo tal que elas estejam respondendo às orientações de um governo. Ora, as empresas estatais seriam diferentes? Não. Se a Vale hoje estivesse sob o comando do Bolsonaro, ele estaria com a faca, o queijo e tudo o mais na mão.

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