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WhatsApp Image 2022 01 07 at 21.03.15As recentes tempestades no sul da Bahia levaram dor e destruição para mais de 660 mil pessoas em 165 municípios da região. A chuva que caiu por 20 dias seguidos deixou 153 cidades em situação de emergência, mais de 32 mil desabrigados, 57.531 desalojados, 25 mortos e 517 feridos. A fúria dos temporais fez novamente os cientistas acenderem o alerta para a sociedade sobre o quanto a ação humana colabora para que eventos extremos como esse aconteçam. Outra discussão é sobre a necessidade de investimento em sistemas que consigam prever com antecedência catástrofes como essa.
“A grande destruição na Bahia aconteceu já nas primeiras 12 horas de intensa chuva. Houve um efeito combinado de muitas variáveis meteorológicas que se somaram à Zona de Convergência do Atlântico Sul. Uma situação bastante complexa de prever”, explica o professor Wallace Figueiredo Menezes, do Departamento de Meteorologia da UFRJ. “Esse sistema permaneceu sobre a região por muitos dias e manteve centenas de cidades submersas”.
Para ele, o evento não pode ser classificado — ainda — como um resultado das mudanças climáticas. “Aquela região se tornou um ponto de intercessão entre vários fatores meteorológicos. Esta é uma análise meteorológica, algo que a gente chama de análise sinótica. A gente identifica ‘ingredientes’ que ajudam a formar uma tempestade. E eles passaram a coexistir numa mesma região”, explica.
A tempestade que colocou o sul baiano submerso, segundo o docente, foi agravada por fatores meteorológicos que se formaram muito rapidamente. “Esse tipo de evento mostra a importância de termos centros regionais de previsão de tempo”, afirma. “Sobretudo em locais propensos a certos tipos de fenômenos, o ideal é ter centros focados neles, para especificar eventos ou configurações meteorológicas que possam impactar tão fortemente a vida das pessoas”.

AÇÃO HUMANA
A Ciência já comprovou que o principal agente causador do aquecimento global, na escala que temos observado, é o ser humano. “Na Amazônia, a gente tinha um evento extremo a cada 20 anos, uma grande cheia ou uma grande seca. Nos últimos dez anos, esses eventos passaram a acontecer anualmente”, compara o professor Fabio Scarano, titular do Instituto de Biologia e especialista em ecologia e clima. “Estamos passando pela sexta extinção em massa do nosso planeta, sendo que é a primeira vez que é causada por uma única espécie: a nossa”, destaca.
Scarano acredita que, embora seja difícil atribuir alguns eventos às emissões de gases do efeito estufa, há pistas que levam a crer que as chuvas do sul da Bahia e do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, tenham relação com o aquecimento global. “Uma das formas de medir essa relação é avaliar a frequência desses acontecimentos, mas essas áreas inundadas são comumente mais secas. Então, tenho, sim, a impressão de que parte disso se deve às mudanças climáticas”, pontua o especialista.
Para o professor, é preciso agir agora. “A Ciência já traçou cenários desoladores para o planeta, caso a média das temperaturas ultrapasse 2°C acima da média registrada antes da Revolução Industrial”, ele afirma. “Derretimento das geleiras, das calotas polares, aumento do nível do mar. Temos 60% da população brasileira vivendo à beira-mar e a até 50 quilômetros da região costeira. Cidades como o Rio vão ser submersas”.
O passo para estancar ou reduzir esses impactos, segundo o especialista, depende de cada um de nós. “Se continuarmos com o atual padrão de emissões, teremos um planeta, em 2050, 3°C mais quente. Temos que mudar os padrões de consumo e produção. Nosso problema passa a ser de tempo. A gente precisa mudar drasticamente de postura até 2030 para chegarmos bem a 2050”.
Em relação ao Brasil, uma dessas mudanças é zerar o desmatamento. “Essa ainda é a principal causa de emissão de CO2 no nosso país. Não há como falar em descarbonização sem acabar com o desmatamento”, reconhece o professor André Lucena, do Programa de Planejamento Energético da Coppe. Ele é um dos pesquisadores que fazem parte da elaboração do próximo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
“O Brasil se comprometeu a tornar nulos até 2050 os efeitos das emissões, mas continuamos no sentido contrário, sobretudo pelo desmatamento crescente”, reforça. “Temos a tarefa de buscar formas de descarbonizar o setor energético e também outras áreas”, completa.
O investimento em energias renováveis é uma saída para descarbonizar o setor elétrico. “É imprescindível a adoção desse tipo de energia. Mas é preciso ter consciência de que elas, sozinhas, não são suficientes para zerar as emissões”, pondera o especialista em energias renováveis e professor de Engenharia do Centro Multidisciplinar de Macaé, professor Diego Malagueta.
Estimular pesquisas que busquem baratear o uso de energias como a eólica e a solar é uma tarefa do Estado, segundo o professor. “Precisamos buscar novas tecnologias para tornar o uso de energias renováveis uma realidade que alcance a população de maneira geral”, defende.

Ar-condicionado, efeito estufa e desigualdade

O aquecimento global gera uma consequência pouco discutida: o uso crescente de aparelhos de ar-condicionado, bem normal e desejado na sociedade contemporânea. Acontece que essa dinâmica pode representar um ciclo vicioso: quanto maior o calor, mais aparelhos ligados. E mais aparelhos ligados demandam mais energia elétrica, o que leva à ampliação da oferta de matrizes energéticas complementares. Parte dessas matrizes, como as movidas a carvão e gás, produz os chamados gases do efeito estufa, que tornam o planeta mais quente e levam mais pessoas a precisarem de ar-condicionado, o que necessariamente aumenta a demanda energética e assim por diante.
É aí que entra a Ciência: para buscar soluções que quebrem essa retroalimentação entre aquecimento e aumento de emissões de CO2 (dióxido de carbono). “O aquecimento global é inequívoco. Já estamos com temperatura 1.2°C acima da registrada na época pré-industrial”, destaca o professor André Lucena, do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ. Ele foi um dos autores de um estudo que traça cenários de impacto do aumento do uso do ar-condicionado em quatro países emergentes nos próximos 20 anos: Brasil, Índia, Indonésia e México.
O artigo Climate change and air-conditioning: a rising emergency for emissions and inequalities (Mudanças climáticas e ar-condicionado: uma emergência crescente para emissões e desigualdades) foi publicado na revista Nature Communications e coordenado pela professora Enrica De Cian, da Ca’ Foscari University of Venice. O estudo indica que haverá aumento do uso dos aparelhos nos quatro países analisados. “Quem já tem ar-condicionado vai ligá-lo mais frequentemente, e a tendência é que o gasto de energia seja maior para reduzir as temperaturas. Conforme aumenta a renda, o uso e a compra do aparelho vão sendo mais estimulados”, ele afirma.
A Índia, que tem a sua matriz energética baseada no carvão, poderá sofrer mais com as emissões de CO2, mas o Brasil também tende a ampliar a emissão de dióxido de carbono com a introdução do gás natural no sistema energético. “A gente consegue frear ou mitigar os efeitos sobre o clima com eficiência energética dos equipamentos. Mas é preciso caminhar no sentido da descarbonização do setor elétrico. Isso vai precisar acontecer. É uma medida urgente”, afirma.
O artigo também aborda impactos sociais e econômicos nos países analisados. “De 64 a 100 milhões de famílias com acesso à eletricidade não serão capazes de atender adequadamente sua demanda por conforto térmico. A necessidade de sustentar os gastos com eletricidade em resposta a temperaturas mais altas também pode criar oportunidades desiguais de adaptação”, destaca trecho do artigo. Para ler a íntegra, acesse: www.nature.com/articles/s41467-021-26592-2.
(Silvana Sá)

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