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capesBeatriz Coutinho e Kelvin Melo

Segue tensa a relação entre a presidência da Capes e a comunidade científica. No dia 22 de dezembro, os três coordenadores e 21 consultores ad-hoc da área de Zootecnia e Recursos Pesqueiros renunciaram às funções de avaliadores da Quadrienal 2017-2020. Com esses, já são 138 cientistas de cinco áreas do conhecimento que deixaram seus postos em sinal de protesto contra a atual gestão da agência de fomento.
“A renúncia não foi uma decisão tomada devido a uma ocorrência, mas sim a um histórico de decisões equivocadas (da Capes)”, explica um dos recém-demissionários, o professor José Neuman, da Universidade Federal do Tocantins. Para o docente, existe inconstância no direcionamento da agência. Essa movimentação, para ele, não seria à toa. “Há por trás um interesse da iniciativa privada em deixar que esse processo de avaliação acabe pelo cansaço”, opina.
“A questão é o ambiente”, reforça o professor Ronaldo Oliveira (UFBA), agora ex-coordenador da área e membro titular do Conselho Técnico Científico de Educação Superior (CTC-ES). “Não é dialógico, por mais que se diga que é. Temos que estar o tempo todo disputando para ter uma resposta efetiva para conduzir algo que era pra ser natural”, critica.
A gota d’água foi a entrevista concedida pela presidente da Capes, Cláudia Toledo, ao jornal O Globo, no mesmo dia 22. Toledo classificou as renúncias anteriores como “insurgência” ou “deserção”. “Nós podemos até ser insurgentes, porque somos contrários a esse mecanismo que se instalou na Capes. Mas desertores? Acho inadmissível”, conclui o coordenador.
A declaração ao Globo também não foi bem recebida por grande parte dos pesquisadores que ainda permanecem em seus cargos. Dois dias após a publicação da entrevista, os coordenadores de 29 áreas assinaram uma carta cobrando a saída de Cláudia Toledo ao ministro da Educação. Acrescentaram, como motivo de preocupação, o pedido de exoneração do então diretor de Avaliação da Capes, professor Flavio Anastacio de Oliveira, considerado um pesquisador de renome acadêmico. “Esse conjunto de fatos consolida a percepção de que não há mais condições mínimas de darmos continuidade ao processo nobre de avaliação dos PPGs do país sob a égide da atual presidência”, diz um trecho do documento.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência imediatamente também protestou contra o desrespeito aos pesquisadores que renunciaram. “A SBPC considera que o legítimo direito de expressão e crítica (...) não pode ser assimilado a ‘insurgência’ ou ‘deserção’, como foi dito”, diz um trecho de nota divulgada no dia 22. Após o Natal, a presidente da Capes convidou os representantes da entidade e da Academia Brasileira de Ciências para uma reunião e tentou justificar as expressões utilizadas.

PRESSÃO GERA MUDANÇAS
Em meio à crise, a Capes acenou com algumas medidas que agradaram aos pesquisadores: revogou uma polêmica portaria que tratava da classificação dos periódicos, estendeu o prazo da avaliação para 23 de dezembro deste ano e prorrogou o mandato dos atuais coordenadores de área.
“São medidas que estávamos reivindicando. Consideramos que as coisas se clarearam graças, sobretudo, à mobilização da comunidade científica e ao diálogo que mantivemos com a direção da Capes”, avaliou Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC.
Mas nem todos recuperaram a confiança na gestão da agência de fomento. “É o reconhecimento por parte da Capes de que a pressão da comunidade científica foi forte e estava muito bem embasada em argumentos, porém falta esclarecer muitas coisas”, diz o professor César Niche, do Instituto de Matemática, que renunciou à função de consultor da área. “Novos cursos e ensino a distância continuam sendo prioridades da Capes. Fizeram um recuo estratégico, mas ainda falta bastante para preservar a integridade da avaliação”.
Já o professor Leandro de Paula, do Instituto de Física, também ex-consultor de área, explica que ainda paira uma incerteza sobre a Quadrienal por conta da decisão judicial. “A Justiça falou que pode avaliar, mas não pode divulgar os resultados, porque não julgou o mérito. Mesmo que as pessoas trabalhem, se a Justiça determinar que não vale, ela engaveta”. O docente reforça que a renúncia teve o objetivo de chamar a atenção para problemas sérios da Capes, mas que “todos têm interesse na avaliação”.

RECOMPOSIÇÃO DE COMISSÕES
No dia 17 de dezembro, a presidente da agência enviou um ofício circular para iniciar a recomposição das comissões que renunciaram à avaliação. Programas e sociedades científicas devem indicar nomes até o dia 14 de janeiro. As indicações serão avaliadas pela Diretoria de Avaliação para elaboração de listas, que serão apreciadas pelo Conselho Superior da Capes. Por fim, a instância vai apresentar listas tríplices, que serão submetidas à escolha da presidente Cláudia Toledo.
Os pesquisadores ouvidos pela reportagem consideram que a medida está seguindo os trâmites corretos. “Isso é um fato positivo”, explica o antigo coordenador da Área da Física e Astronomia, professor Fernando Lázaro, da PUC-Rio. Ele é enfático ao afirmar que não voltará ao cargo, mesmo com a nova convocação. “A dificuldade é saber se conseguirão convencer pessoas que têm certo prestígio na comunidade a embarcarem nessa canoa, que pode ser uma canoa furada”.

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