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WhatsApp Image 2021 12 10 at 20.35.30MAYRA GOULART
Vice-presidente da ADUFRJ, professora de Ciência Política e de Yoga

Coluna publicada quinzenalmente no Jornal da AdUFRJ

Vamos retomar nossa conversa sobre os sutras de Patanjali. Na última coluna, apresentamos um compilado sistemático de instruções para guiar o praticante de Yoga em sua jornada rumo ao Samadhi, entendido como estado de completa consciência e meditação plena, no qual as dualidades entre sujeito e objeto, indivíduo e natureza, razão e emoção são superadas. É nesse estado que as oscilações da mente (vritti) são recolhidas. Trata-se, portanto, de um estado em que somos capazes de conter a tendência natural de voltar nossa atenção para o que é externo: objetos materiais e sensações causadas pelo contato com eles. Questões imaginárias como medos, preocupações e angústias também podem ser apaziguadas no Samadhi.

WhatsApp Image 2021 12 10 at 20.36.37Nos sutras, o primeiro capítulo se dedica a delinear os contornos de um propósito geral, definindo o Yoga como esse estado de recolhimento das oscilações da mente e indicando os requisitos para sua prática. No texto, Patanjali deixa claro que tais requisitos não consistem em dinâmicas físicas, mas em preceitos éticos determinados (Yamas), que serão objeto da nossa coluna de hoje, seguidos de indicações morais (Nyamas), formuladas como normas de aperfeiçoamento pessoal, sobre as quais trataremos no próximo texto. Com isso, espero ratificar o propósito de Patanjali ao ressaltar que o Yoga delineia uma disciplina que trabalha a mente, utilizando o corpo como uma ferramenta para alcançar propósitos de natureza psicológica, ética e moral.

Sendo assim, osYamas se dedicam a harmonizar as interações sociais e os Nyamas, as disposições e sentimentos internos do praticante, reduzindo as fricções entre atitudes externas e disposições internas. Esta proposta se baseia na hipótese de que há uma circularidade entre ambas, sem que haja precedência de uma sobre a outra. Em outros termos, o controle das atitudes e do corpo aumenta o controle sobre a mente. Atitudes mais conscientes levam a uma mente mais calma e com mais controle sobre seus padrões (samskaras, compreendidos como conjunto das tendências subconscientes, de caráter inato, hereditário e comportamental). Com essa perspectiva, o Yoga consiste em uma abordagem holística para o bem estar que começa pelo aspecto mais denso e periférico, pelo corpo, pela conduta para que, progressivamente, conforme o praticante ganhe consciência e capacidade de controle, abranja os elementos mais complexos da psiquê humana.

Os Yamas, são, portanto, o primeiro dos oito passos estabelecidos por Patanjali para a realização do Yoga, seguidos de Nyamas, Asanas (posturas), Pránáyáma (exercícios respiratórios e práticas de controle do prana); Pratyahara (abstração, recolhimento dos sentidos); Dharana (concentração), Dhyana (meditação) e Samadhi. Não obstante a separação didática, podemos compreender a meditação como uma combinação dos três últimos passos, que consistem em dinâmicas estritamente interiores, precedidas de três etapas voltadas a regular o corpo e as atitudes dos praticantes (Yamas, Nyamas e Asanas) e duas etapas voltadas a aumentar o controle sobre as dimensões mais sutis como a respiração e os sentidos (Pránáyáma e Pratyahara).

Os Yamas são formulados como normas de interação com os demais. O fato deles serem os primeiros nessa enumeração, ao meu ver, reforça o equívoco da forma solipcista como o Yoga vem se disseminando no ocidente, enquanto prática voltada a um tipo de bem estar pensado individualmente, quase que à revelia do mundo. Ao apresentar regras de convivência como o primeiro passo, Patanjali distingue o Yoga como prática social, voltada para o outro, para auxiliar os praticantes a serem mais úteis, mais adequados e mais comprometidos com a sociedade. Diferentemente de outros textos do período, o Yoga que é ensinado nos sutras não é dirigido a orientar a prática de monges reclusos, mas às pessoas comuns que querem se transformar com o objetivo de serem melhores, não apenas para si mesmas, mas para os outros.

Os Yamas são:

1. Ahimsa: não agressão. Evitar qualquer tipo de violência física, mental ou emocional contra si mesmo ou contra os demais.

2. Satya: autenticidade, verdade. Segundo Taimni, um dos mais tradicionais e prestigiosos estudiosos da filosofia do Yoga, autor de A Ciência do Yoga: Comentários sobre os Yoga-Sutra de Patañjali à luz do Pensamento Moderno, mentir provoca tensões desnecessárias que nos impedem de aquietar a mente.

3. Asteya: não roubar;

4. Brahmacharya: prática de uma vida espiritualmente regrada através da moderação dos sentidos.

5. Aparigraha: não cobiçar, não possessividade enquanto capacidade de controlar o apego por aquilo que se tem e o desejo de acumular, buscando o contentamento (santosha), que é um dos nyamas sobre os quais discorreremos na próxima coluna.
Após enumerar os Yamas, Patanjali indica que estas normas devem regular o comportamento de todas as pessoas, indiferentemente da posição que elas ocupam na sociedade, deixando claro que os poderosos, ricos e sábios também devem se esforçar para construir uma coletividade mais equilibrada e justa.

 

 

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