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Beatriz Coutinho e Silvana Sá

WhatsApp Image 2021 12 10 at 20.28.25Isis Nem de Oliveira Souza, autora da tese premiada

É da UFRJ uma das três melhores teses do Brasil, em 2021, eleita pelo Grande Prêmio Capes de Teses. Isis Nem de Oliveira Souza foi a vencedora do Grande Prêmio Carlos Chagas Filho, oferecido ao Colégio de Ciências da Vida, Agrárias, Biológicas e da Saúde. Doutora egressa do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, ela desenvolveu uma pesquisa sobre as consequências neurológicas da infecção por Zika vírus em camundongos neonatos e adultos. Sua investigação antecipou possíveis consequências tardias da infecção pelo vírus principalmente em crianças – mesmo aquelas que não apresentavam microcefalia – depois do primeiro ano de nascimento. A tese foi defendida em dezembro de 2020 e diferentes artigos ao longo do estudo foram publicados em revistas científicas renomadas, como Science e Nature.
Isis conta que sua hipótese inicial era o aumento do risco de bebês recém-nascidos desenvolverem doenças neurodesenvolvimentais, como a esquizofrenia. Para a investigação, ela desenvolveu o estudo em camundongos. Bem no início da pesquisa, a jovem cientista percebeu alterações motoras nos animais. “Mostrei para minhas orientadoras, e a Gilda [Neves. co-orientadora] falou que eles estavam convulsionando”, explica Isis. O estudo acabou caracterizando a epilepsia e as mudanças de longo prazo causadas pelo Zika. “Anos depois, em artigos publicados, vimos que nossas previsões parecem estar bem corretas. Realmente há risco de algumas alterações a longo prazo nesses bebês, como prejuízo no desenvolvimento motor, social, de linguagem e alta incidência de epilepsia”, afirma.
A orientadora Julia Clarke, professora da Faculdade de Farmácia, foi uma das coordenadoras do trabalho. “Realmente conseguimos antecipar o que poderia acontecer com as crianças infectadas no útero da mãe, mas que haviam nascido sem microcefalia. E, portanto, eram consideradas ‘saudáveis’”, argumenta. “Alguns anos depois, o que foi observado no estudo começou a aparecer na clínica médica, com essas crianças”, conta.
Cinco anos depois da epidemia que assolou o Brasil, o projeto não para. Atualmente, Isis Souza é pesquisadora visitante na Université Paris-Saclay, na área de neurociência. “Pretendo levar esse conhecimento que estou adquirindo para o Brasil e aplicá-lo na pesquisa com Zika”, garante. A jovem doutora também espera o resultado de financiamento para jovens pesquisadores da Faperj. “Dedos cruzados!”, ela brinca. Das muitas conquistas, ainda há a recente aprovação para o quadro permanente da UFRJ, como professora adjunta do Instituto de Ciências Biomédicas.WhatsApp Image 2021 12 10 at 20.28.25 1PROFESSORAS Claudia Figueiredo, coordenadora do PPG Ciências Farmacêuticas, e Julia Clarke, orientadora de Isis

LONGA ESTRADA
No campo pessoal, a conquista tem ainda mais significados para a nova professora da UFRJ. “Minha avó era semianalfabeta. Minha mãe dormia quatro horas por noite pra conseguir fazer a faculdade e trabalhar. Foi uma escadinha de muito sacrifício, de muito trabalho não só meu, mas de toda minha família, para eu conseguir chegar até aqui”, reconhece. “Por um lado, é muito bonito ver que o Brasil é capaz de dar suporte pra que alguém chegue nesse ponto. Mas ainda tem muito trabalho de base para ser feito, para que um número maior de pessoas tenha ao menos comida no prato três vezes ao dia”.
A orientadora de Isis é só elogios. “Acredito que uma série de fatores influenciaram no diferencial da tese. Um deles, que eu gostaria de destacar, é que a Isis é realmente uma aluna diferenciada, é brilhante”, pontua a professora Julia Clarke. “Isis chegou até mim muito madura, sabendo bem o que queria”, sublinha a pesquisadora.
A docente também credita a conquista do prêmio a fatores como o apoio do Estado para a realização das pesquisas e à estrutura da UFRJ. “Éramos um grupo de neurocientistas voltados a entender os mecanismos do Zika durante a epidemia de 2016, e ter recursos para esse projeto foi muito importante. Eu diria fundamental para os avanços que tivemos”, diz. “Outro ponto é a estrutura da UFRJ, que tem vários equipamentos que são multiusuários em diferentes laboratórios. Sem dúvidas, a colaboração com grupos de pesquisa mais estabelecidos contribuiu para a qualidade desse trabalho”, agradece a orientadora.
A professora Andrea da Poian, do Instituto de Bioquímica Médica, foi uma das responsáveis pela construção da rede de colaborações na UFRJ. O projeto Rede Zika contou com robusto financiamento da Finep e da Faperj. “Como era um problema novo da virologia, a formação de redes ajudaria a lidar de uma forma mais rápida com o problema em termos de pesquisa científica”, justifica a professora Andrea, uma das coordenadoras da Rede Zika do estado do Rio. “Era preciso juntar as expertises de vários lados, o que acabou resultando em um trabalho bastante bom e isso se reflete no prêmio que a Isis ganhou”, argumenta.

FINANCIAMENTO É ESSENCIAL
Para a professora Julia Clarke, a Ciência brasileira precisa ser mais apoiada para cumprir sua missão social. “O Zika foi um episódio muito triste e agora vivenciamos outro, a covid-19, com intervalo de tempo muito curto entre os dois. A Ciência precisa conseguir, de maneira rápida, responder aos questionamentos que surgem durante essas emergências. Para isso, precisamos de financiamento. Há um descaso muito grande com a universidade e com a Ciência”, critica.
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, a professora Cláudia Figueiredo também se divide entre comemoração e reivindicação. “Os programas em consolidação precisam de uma atenção maior porque eles têm muito potencial a oferecer”, alerta. Nota 5 na Capes, o programa que formou Isis Souza não consegue suprir a demanda por bolsa. “Há muitas outras Isis que poderiam gerar futuros prêmios Capes, mas que não conseguem fazer o mestrado e o doutorado aqui. É revoltante”, desabafa.
Da graduação à pós, o curso de Farmácia é multidimensional. “Formamos cientistas, profissionais para a indústria, profissionais para os hospitais públicos, além da iniciativa privada”, explica a professora Cláudia. Ela argumenta que a avaliação da Capes, que confere nota aos Programas, não abrange todas essas dimensões. “Temos uma produção científica importante, tanto que ganhamos esse prêmio, mas temos também outras frentes de formação. Essas coisas não têm um peso tão grande para a agência”, argumenta. Os atrasos na Avaliação Quadrienal acabam também se tornando um empecilho. “Já poderíamos ter evoluído na nota. Quando a gente não evolui, a gente tem menos bolsa, menos recurso”, observa.

Os passos
da pesquisa

1. Quando os camundongos completavam 3 dias de vida, recebiam o vírus da zika no dorso do pescoço, causando uma infecção subcutânea.

2. O vírus absorvido passava para circulação sanguínea. Nesta etapa, buscava-se acompanhar o neurodesenvolvimento ainda próximo ao nascimento.

3. Na infância, eram realizadas avaliações de convulsão: quantos do grupo apresentavam a enfermidade, quando e em que momento do dia.

4. Na adolescência e na fase adulta, a investigação buscava mapear a cognição e a memória desses animais. São realizados também experimentos comportamentais.

5. A última etapa investigava o tecido cerebral dos animais. Neste ponto, a pesquisadora descobriu que um grupo de indivíduos apresentava modificações estruturais ou indícios de inflamação no tecido, como desorganização do hipocampo, focos de necrose (morte celular), calcificações e outras condições.

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