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WhatsApp Image 2021 10 29 at 09.41.341Imagens: divulgaçãoO ambiente hoje inóspito e gelado da Antártica já foi palco de incêndios florestais. É o que aponta uma pesquisa liderada por cientistas brasileiros, com base na análise de vegetais fossilizados. Publicado no último dia 20 na revista norueguesa Polar Research, o artigo é o primeiro registro de paleoincêndios na ilha James Ross, localizada na Península Antártica. Os fósseis pertencem ao período Cretáceo, que ocorreu há 75 milhões de anos, e foram coletados em janeiro de 2006, em uma expedição do projeto Paleoantar. “Desde 2005, nós vamos todos os anos à Antártica, só não fomos no ano passado por conta da pandemia. Nesses anos todos, nós coletamos uma quantidade enorme de fósseis e microfósseis de troncos, folhas, animais marinhos e terrestres”, conta Juliana Sayão, professora da Seção de Museologia do Museu Nacional/UFRJ, vice-coordenadora do Paleoantar e uma das autoras do estudo.
Por meio da contínua análise desses fósseis, os paleontólogos podem recompor o ecossistema antártico do passado. “Era um cenário bem diferente de hoje em dia. A Antártica era verde, composta por florestas. E essas florestas eram banhadas por rios, que desembocavam no mar”, explica Juliana. Naquele período, também conhecido como “O Grande Fogo do Cretáceo”, as temperaturas eram mais altas que hoje em dia, devido principalmente às atividades vulcânicas em diferentes partes do planeta. “Havia ali, em James Ross, um vulcanismo, uma fonte de fogo muito ativa, que a gente encontra registrada nas rochas. Provavelmente esse vulcanismo acentuado da região provocava a faísca necessária para os incêndios”, comenta. Eventos similares, de queimadas espontâneas, já foram registrados praticamente no mundo inteiro.

TRABALHO DE CAMPO
Juliana era uma das cientistas que estava na atividade de campo em que o fóssil foi encontrado. Na ocasião, suas características semelhantes às WhatsApp Image 2021 10 29 at 09.41.342PARTE da equipe responsável pelo estudo em trabalho de campo na Antárticado carvão vegetal chamaram a atenção da pesquisadora. “Eu orientava uma aluna de doutorado que fazia uma análise de carvões desse período, para verificar se eles eram originários de paleoincêndios, e mostrei esses fósseis a ela”, lembra. Essa aluna era a paleontóloga Flaviana Lima, hoje professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que liderou a pesquisa. Além delas, também participaram do estudo pesquisadores da Universidade do Vale do Taquari (Univates), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Centro Paleontológico da Universidade do Contestado (Cenpaleo), de Santa Catarina, e Universidade Regional do Cariri (Urca), do Ceará.
“Quando esse material chegou nas minhas mãos, eu vi as estruturas externas e percebi que havia grandes chances dele ter sido queimado antes de fossilizar”, afirma Flaviana. O trabalho de análises microscópicas começou em 2017, e vem sendo realizado em colaboração pela equipe ao longo desses anos. Segundo ela, o material é difícil de ser encontrado porque não se parece com algum fragmento característico de planta, como um galho ou uma folha, mas se assemelha muito ao carvão utilizado em churrascos. “É preciso saber identificá-lo no campo, coisa que a Juliana soube fazer porque já conhecia os materiais que eu vinha analisando na minha tese de doutorado”, ressalta. Para que o material fosse considerado um “macro-charcoal”, ou seja, um carvão vegetal macroscópico, foi preciso identificar algumas características: o brilho, a cor preta, o traço que o carvão faz ao riscar uma superfície, e os raios da estrutura vegetal.
Na sequência, o material é separado em fragmentos e levado para o Microscópio Eletrônico de Varredura. “Aí começa a parte mais legal, que é vasculhar no microscópio”, diz Flaviana. Para confirmar a ocorrência de incêndios vegetacionais a partir daquele registro, é preciso paciência. “Para cada imagem, são necessários mais de dez minutos até obter uma boa resolução da área onde existam características suficientes para essa identificação”.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Flaviana comenta que a estrutura das paredes celulares é um importante indício para saber se aquele material foi queimado antes de ser fossilizado. “Geralmente, em uma planta viva, você encontra duas paredes celulares, separadas por uma lamela média. Quando ocorre uma queima, as duas paredes celulares se tornam uma coisa só, e a lamela média desaparece”, descreve Flaviana. Em seguida, os cientistas partem em busca de evidências que ajudem a identificar a família botânica do material analisado. A equipe conseguiu descobrir que o fóssil pertencia ao grupo de plantas denominado gimnospermas, e à família botânica chamada Araucariaceae — mesma família que inclui a espécie atual Araucaria angustifolia.
“Sabemos que era uma vegetação composta predominantemente por gimnospermas, um grupo de plantas que vem desde o Paleozoico. O que não se imaginava é que esses incêndios pudessem ocorrer com uma certa frequência”, destaca Flaviana. Até então, a maioria dos estudos relatava a presença de incêndios espontâneos durante o Cretáceo apenas no hemisfério norte.
Para Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional/UFRJ e coordenador do projeto Paleoantar, é essencial conhecer a dinâmica da Antártica para compreender as mudanças que ocorreram no Hemisfério Sul. “Essa descoberta mostra que as variações climáticas que ocorreram ao longo do tempo trazem profundas mudanças no planeta, como também em toda a biota. Isso acende um importante alerta diante das mudanças climáticas que são evidentes na atualidade”, completa. Agora, os pesquisadores do projeto procuram por novos registros de paleoincêndios em outras localidades da Antártica.

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