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WhatsApp Image 2021 09 25 at 07.35.21Foto: álbum de famíliaUm cientista pioneiro, determinado e atencioso. A vida e a carreira do professor Antonio Paes de Carvalho, que faleceu no último dia 17, aos 86 anos, compõem uma trajetória de profunda dedicação ao saber. Carioca, docente, pai, avô, pesquisador e empreendedor, o “professor Paes de Carvalho”, como era mais conhecido entre colegas e alunos, entrou em 1954 na turma de Medicina da então Universidade do Brasil, a atual UFRJ. Nesse mesmo ano, foi convidado a trabalhar como estagiário do Instituto de Biofísica pelo professor Carlos Chagas Filho, seu primeiro orientador.
“Quando o doutor Carlos Chagas Filho percebia a capacidade de um aluno, ele puxava para o seu laboratório, e o Paes de Carvalho foi um desses discípulos”, conta Nelson de Souza e Silva, professor emérito da Faculdade de Medicina da UFRJ. Em 1960, Nelson foi aluno de Paes de Carvalho, que tinha se formado no ano anterior. Na época, o mestre já era reconhecido mundialmente, principalmente pela publicação na revista Nature de um estudo sobre Eletrofisiologia Cardíaca. “Ele já estava desenvolvendo pesquisas de ponta, e não à toa se tornou um dos maiores cientistas brasileiros nessa área”, acrescenta. Com apenas 30 anos, Paes de Carvalho tomou posse como membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Amigo e parceiro de Paes de Carvalho em diversas realizações, Nelson ressalta o papel do professor na criação do curso de pós-graduação em Cardiologia, um dos primeiros no Brasil. Em 2003, participaram juntos da criação do Instituto do Coração Edson Saad (ICES). “Ele, já como professor emérito, fez parte do Conselho Deliberativo do instituto até os seus últimos dias, trabalhando e contribuindo conosco mesmo aposentado”, destaca Nelson.

CIÊNCIA E FAMÍLIA
Ao lado do amor inesgotável pela Ciência também se destacou o amor pela família. Do casamento de mais de 50 anos com a geógrafa Gilda Montenegro nasceram Monica e Isabella, que deram ao casal os netos Sophia e Nicholas (de Monica) e Gabriel (de Isabella). A primogênita entende que ser professor era próprio da natureza do pai. “Ele sempre foi muito interessado em ouvir o que a gente tinha pra falar, o que a gente queria saber, as nossas curiosidades”, aponta Monica. Segundo ela, Paes de Carvalho tinha em si o hábito de transmitir conhecimento, especialmente para crianças e jovens. “Às vezes, a gente estava no jardim e ele mostrava uma flor, explicava como ela se reproduzia, ou então mostrava as constelações, ou como a evaporação transforma a água do rio em chuva”, lembra.
Esse jeito agradável e didático de se expressar é recordado por muitos colegas. Professor titular do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, Jerson Lima, presidente da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), foi seu aluno, e guarda até hoje a memória dele como uma figura inspiradora, de voz grave, calma e clara. “Ele sempre foi uma pessoa com ideias à frente do tempo”, afirma. Sua visão de mundo chamava a atenção de outros cientistas. “Considero o professor Antonio um visionário. E mesmo frente às muitas dificuldades que enfrentou num país tecnologicamente imaturo e burocrático como o Brasil, não o vi se render”, descreve Daniela Uziel, professora da Faculdade de Farmácia e coordenadora de Inovação do Centro de Ciências da Saúde (CCS).
Precursor nas áreas que atuou, Paes de Carvalho fomentou diversos projetos de inovação científica. Dentre eles, Daniela destaca a criação da Fundação Bio-Rio, responsável pelo Polo de Biotecnologia do Rio de Janeiro. “O Polo foi inaugurado em 1988 para ser o primeiro parque tecnológico da América Latina na área de Biotecnologia. Nessa época, não se falava em empreender na universidade”, comenta.
Por perceber o enorme potencial da Ciência brasileira, Paes de Carvalho trabalhou em prol do desenvolvimento médico-científico dentro e fora da academia. Isso o levou a fundar, em 1998, a Extracta, empresa especializada na descoberta e otimização de novas drogas a partir de extratos da flora brasileira. “A utilização desse patrimônio genético e biotecnológico da nossa biodiversidade é muito importante para ser aplicada como solução dos problemas de saúde”, ressalta Bruno Diaz, diretor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF).
No instituto, onde foi diretor de 1980 a 1985, um laboratório carrega seu nome: o Laboratório de Eletrofisiologia Cardíaca Antonio Paes de Carvalho (LEFC). Bruno lembra de outra homenagem do IBCCF ao professor: a série ‘Palestras de Empreendedorismo Antonio Paes de Carvalho’. A iniciativa foi uma forma de reconhecer a personalidade influente e inovadora do docente, que foi o primeiro coordenador de pós-graduação da unidade. “Nós brincamos que bastou a sua caligrafia para ele ser selecionado pelo professor Carlos Chagas Filho, porque a caligrafia dele era realmente impecável”.
A história do professor Paes de Carvalho se entrelaça com a da própria UFRJ. Entre 1971 e 1972, exerceu a sub-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa, o equivalente hoje à pró-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa (PR-2). Com o começo da abertura política, Paes de Carvalho participou da fundação da AdUFRJ, em 1979. Nos anos seguintes, ele foi um interlocutor importante no processo de eleição do professor Horácio Macedo, primeiro reitor eleito pela comunidade da UFRJ, em 1985. “Ele foi um dos mais importantes fiadores do processo de redemocratização da UFRJ”, recorda a presidente da AdUFRJ, professora Eleonora Ziller.

EM DEFESA DA EDUCAÇÃO
Durante sua vida, o professor defendeu a universidade pública e a educação como elementos essenciais para o progresso da nação. “Ainda em vias de desenvolvimento, somos um país em que a pesquisa básica parece-nos hipertrofiada porque praticamente inexiste a pesquisa aplicada”, declarou ele em seu discurso de posse na Academia Nacional de Medicina (ANM), em 1981. Isabella, sua filha mais nova, conta que o pai recusou diversas propostas para morar, trabalhar e lecionar no exterior. “Isso nunca passou pela cabeça dele, porque tudo que ele aprendia na pesquisa lá fora ele queria trazer pro Brasil”, afirma.
Nascido em 13 de junho de 1935, Antonio era filho de Pedro Paulo, médico cirurgião, e Maria Carlota, braço direito do marido no Instituto Cirúrgico Paes de Carvalho, um dos melhores hospitais do Rio nos anos 1930. Educado e inspirado por esses exemplos familiares de amor à Medicina, Paes de Carvalho é descrito pelas filhas como um homem culto e estudioso, pai carinhoso e sempre presente. “Eu lembro que ele me levava para a escola e a gente ia escutando Rita Lee, que ele gostava muito. E ele dirigia cantando as músicas dela”, conta Isabella.
Outra marca do seu cotidiano era o zelo pela saúde. Vivia disposto a caminhar, fazer trilhas ou jogar tênis com o neto. “Ele fazia questão de praticar esportes diariamente. Quando a gente morava na Zona Sul, ele jogava vôlei na praia todos os dias, bem cedinho”, afirma Isabella. Habituado a dormir pouco, Paes de Carvalho passava a maior parte do tempo entre o trabalho e o estudo. “Ele adorava desafios, e sempre dizia que nós somos capazes de fazer qualquer coisa. Por exemplo, juntos nós construímos uma casa de cachorro, um veleiro em miniatura e outras coisas. O hobby dele era ser um professor”, ressalta Monica.
Uma moção de pesar do Consuni, no dia 23, mostrou o reconhecimento à trajetória de Paes de Carvalho. “O exemplo de excelência e dedicação à vida acadêmica desse brilhante professor continuará sendo grande fonte de inspiração para todo o corpo social do CCS”, diz a nota.

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