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Qual é o alcance que o vírus da covid-19 pode ter no corpo humano? Para contribuir com esse conhecimento, um estudo realizado em parceria da UFRJ com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) identificou a existência de partículas do Sars-Cov-2 na retina de pacientes mortos pela doença. Publicada no dia 29 de julho, na seção de Oftalmologia do periódico norte-americano JAMA (Journal of the American Medical Association), a pesquisa analisou os olhos de dois homens e uma mulher, vítimas fatais da covid-19 com idades que variavam de 69 a 78 anos. Segundo Wanderley da Silva, professor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ) e um dos coordenadores do projeto, a descoberta alerta a comunidade médica para a abrangência do dano que o vírus pode causar nos infectados.

“Hoje, a principal preocupação está nos pulmões e nos rins, por isso muitas vezes o olho nem é examinado. A partir da publicação e da ampla divulgação desse artigo, examinar os olhos desses pacientes também deve passar a ser rotina”, comenta Wanderley. Chefe do Laboratório de Ultraestrutura Celular Hertha Meyer (LUCHM), onde as amostras foram analisadas, ele acredita que os oftalmologistas poderão iniciar tratamentos que minimizem as lesões, ao perceber a presença do vírus. “Como ainda não temos nenhuma droga que mate o vírus, podemos usar anti-inflamatório, pois as lesões causadas pelo vírus têm um envolvimento com o sistema inflamatório”, completa.

MAIS CONHECIMENTO
A parceria foi proposta por pesquisadores do Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp), que detectaram em maio WhatsApp Image 2021 08 06 at 21.49.42de 2020 alterações na retina como consequência da covid-19. Na ocasião, o estudo foi publicado no periódico inglês The Lancet. “Eles nos perguntaram do interesse de analisarmos esse material, e rapidamente nós aceitamos”, conta Wanderley. Todas as amostras do estudo, obtidas a partir de vítimas da covid-19, foram enviadas pela Unifesp. Através da microscopia, os pesquisadores da UFRJ puderam identificar as diversas lesões apontadas pelos médicos de São Paulo, e também confirmar a presença de estruturas semelhantes ao vírus na retina.

“Primeiro a gente prepara uma solução fixadora especial, que é enviada para São Paulo. O tecido é colocado nessa solução, que mata todos os vírus, mas preserva a estrutura do tecido”, explica o professor. As soluções são preparadas no LUCHM, e as observações feitas no Centro Nacional de Biologia Estrutural e Bioimagem (Cenabio), ambos localizados no Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFRJ. “O tecido é enviado para cá e aqui ele é processado por alguns dias, até a obtenção dos cortes. Eles são levados para um microscópio óptico para análise do aspecto geral e, se estiverem bem, levamos para um microscópio eletrônico de transmissão, no Cenabio”, descreve Wanderley.

A dificuldade para avaliar as amostras faz dessa pesquisa uma descoberta singular. “Não é comum que partículas sejam detectadas na retina, pois as técnicas para análise e detecção das partículas são complexas”, observa a doutora Alléxya Affonso, coautora da pesquisa. Médica oftalmologista e pesquisadora pela Unifesp, Alléxya acredita que à medida que se adquire mais conhecimento sobre os mecanismos de ação do vírus, mais fácil se torna a busca por combatê-lo. “Saber que o vírus está presente nos tecidos oculares nos ajuda a entender como ocorrem as alterações oftalmológicas devido a sua ação”, afirma.

SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Além do Sars-Cov-2, outros vírus já haviam sido identificados como causadores de danos na retina, a exemplo do herpesvírus e do citomegalovírus. “Esses vírus exigem muita atenção, pois possuem a capacidade de entrar no sistema nervoso central”, destaca Carlla Silva, doutoranda do IBCCF/UFRJ e coautora da pesquisa. Ela explica que nem todos os patógenos são identificados com essa capacidade, pois o sistema nervoso central tem barreiras de defesa. No caso da retina, existe a barreira hemato-retiniana e, no cérebro, a barreira hematoencefálica. “São barreiras especiais, com células de proteção. Devemos ter um olhar ainda mais vigilante para os vírus que são capazes de invadir esses tecidos”, ressalta.

Segundo Carlla, outros artigos já vinham indicando a presença de partículas do Sars-Cov-2 em regiões próximas à retina, tanto em lágrimas quanto no tecido da conjuntiva, que estão em torno do olho. “Essa pesquisa reforça que não é só a parte respiratória que pode ser afetada. Muitas vezes as pessoas sequer manifestam esse quadro respiratório, e sim problemas intestinais e gástricos, entre outros”, lembra. A confirmação de que o vírus pode chegar à retina desses pacientes possibilita que os médicos deem mais atenção a determinadas queixas, que podem indicar quadros oftálmicos. “Esse é mais um estudo para somar no conhecimento de como esse vírus atua, se replica, como ele invade os sistemas do corpo, e quais são as avaliações que o médico pode fazer’’, diz.

O grupo de pesquisadores em São Paulo, coordenado por Rubens Belfort Jr., professor da EPM/Unifesp e presidente da Academia Nacional de Medicina, começará a aprofundar os exames oftalmológicos em pacientes vivos, infectados pela covid-19. Wanderley, que coordena o grupo da UFRJ, observa que ainda há muita pesquisa pela frente. “Agora nós temos que estudar a questão de todas as lesões que aparecem, em pacientes de diferentes graus de infecção”, afirma o professor. No entanto, os pesquisadores do seu laboratório só poderão participar de estudos relativos às vítimas fatais. “Nós precisamos avaliar com microscópios o tecido, que só pode ser obtido de fragmentos dos olhos daqueles que já faleceram”, finaliza Wanderley.

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