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WhatsApp Image 2021 07 31 at 10.09.59Desde o dia 24 — e até o fechamento desta edição —, todos os sistemas e plataformas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a principal agência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), estavam fora do ar por problemas no servidor. Entre eles a Plataforma Lattes, onde os pesquisadores brasileiros registram a vida acadêmica e profissional. Seu desaparecimento, ainda que temporário, acabou se tornando a prova mais evidente do descaso do governo Bolsonaro com a área de Ciência e Tecnologia do país. O MCTI foi o que sofreu o maior corte no orçamento federal aprovado em 25 de março pelo Congresso Nacional, com uma redução de 29% dos seus recursos, em comparação com 2020.
Por meio de seu perfil no Twiiter, o CNPq informou, em 29 de julho, que concluíra a transferência do backup dos dados da Plataforma Lattes para um novo equipamento, garantindo a integridade de todas as informações. Segundo o órgão, está em curso a restauração do equipamento que apresentou problemas. A perspectiva é de retorno do funcionamento na segunda-feira pela manhã, com o restabelecimento do acesso aos sistemas. O CNPq informou ainda que todos os prazos, tais como os de submissão de chamadas e de prestação de contas, serão prorrogados. As novas datas serão divulgadas assim que os sistemas se normalizarem. O pagamento de bolsas, segundo o órgão, não será afetado.

DESMONTE NA CIÊNCIA
O orçamento da agência para 2021 é de R$ 1,2 bilhão, o menor em 21 anos, segundo o economista e diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto. Em seu perfil no Twitter, o especialista publicou os números considerando a inflação do período. A verba do CNPq era o dobro em 2000: R$ 2,4 bilhões. O orçamento total previsto para o MCTI em 2021 é de R$ 8,3 bilhões — em 2020, foi de R$ 11,8 bilhões.
Muitos cientistas se manifestaram sobre o problema. “O apagão do CNPq é uma metáfora cruel para o que vive toda a comunidade científica brasileira diante de um governo que não acredita em Ciência”, escreveu em uma rede social o professor Stevens Rehen, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ e um dos mais respeitados pesquisadores do país. No Twitter, o professor André Azevedo da Fonseca, da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e com pós-doutorado pelo Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ, escreveu: “O apagão do Lattes não é uma eventualidade descontextualizada. É um sintoma. É o desmonte do CNPq esfregado na nossa cara. É consequência óbvia da hostilidade permanente do atual governo contra a Ciência brasileira”. Em nota, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) afirmou que o problema está ligado a “uma ostensiva ação de estrangulamento financeiro” do CNPq.
“O sistema fora do ar é desagradável, inconveniente, mas se a informação que o CNPq prestou realmente procede, então o sistema logo estará de volta com a recuperação dos dados”, afirma o professor Felipe Rosa, diretor da AdUFRJ. “Mas esse apagão representa um grande holofote na questão do subfinanciamento do CNPq, que é gravíssima”, completa.
Docente do Instituto de Física, Felipe ressalta o valor da plataforma Lattes para a Ciência no país. “Ela é a principal fonte de consulta para julgamento da concessão ou rejeição de projetos, prêmios e bolsas de estudo nacionais e internacionais, e para a organização de concursos e editais”, diz. Segundo ele, há cerca de 15 anos o Lattes documenta a maior parte da produção acadêmica brasileira, em todas as áreas do conhecimento. “O CNPq está no limite extremo do seu orçamento. Tudo que der defeito vai causar problema, porque não há recursos. É necessário que a comunidade saiba disso e se engaje, para que a gente consiga mais recursos e o CNPq sobreviva”, afirma Felipe.
A professora Denise Freire, pró-reitora de Pós Graduação e Pesquisa (PR-2), não se lembra de outra queda do sistema com essa magnitude. “No máximo, ocorriam paralisações de 24 horas avisadas com antecedência para manutenção e ajustes do sistema”, comenta. Ela reforça a importância do currículo Lattes, que atua como vitrine da trajetória acadêmica dos pesquisadores no país, e a necessidade urgente de se preservá-lo. “O apagão do CNPq não é um evento isolado. A nossa triste realidade é um contexto onde há total descaso com a Educação, Ciência e Tecnologia. Este apagão é uma espécie de morte anunciada, consequência óbvia e direta de um desmonte sem precedentes na Ciência brasileira”, aponta.
Cristina Rego Monteiro da Luz, professora da Escola de Comunicação da UFRJ, se espantou com a vulnerabilidade do sistema, tão crucial para a vida dos pesquisadores. “Quando a gente se depara com uma situação como essa, a gente percebe ainda mais claramente que falta muito cuidado e reconhecimento pela importância do conhecimento no Brasil”, diz. “Isso se reflete na estrutura das escolas públicas, no salário dos professores, na condição de execução de pesquisas. E esse apagão é só mais um sintoma que vem à tona”, completa.

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