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O dia 8 de julho é o Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador. A data foi escolhida para homenagear a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em sua data de fundação. Em 2021, a celebração do dia ganha uma importância ainda maior, já que a Ciência e a pesquisa no país são vítimas de constantes ataques do governo Bolsonaro. No mês passado, o cientista político e professor de Filosofia Renato Janine Ribeiro foi eleito para a presidência da SBPC. Nesta entrevista exclusiva ao Jornal da AdUFRJ, o professor defendeu que é preciso “o leque mais amplo de alianças que deem importância à Ciência e à Educação, mas também à Cultura, à Saúde e ao Meio Ambiente”.

O paulista Renato Janine Ribeiro é professor titular de Ética e Filosofia Política da FFLCH-USP e foi ministro da Educação no governo Dilma Rousseff (2015). Na entrevista, o presidente eleito — que toma posse no próximo dia 23 — defendeu o papel histórico da SBPC na defesa dos direitos humanos, fez um balanço da gestão da Educação do governo Bolsonaro e falou dos principais direcionamentos que deverão balizar sua gestão à frente da SBPC.

ENTREVISTA I RENATO JANINE RIBEIRO

  • Jornal da AdUFRJ — Qual é a importância de celebrar o Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador em um contexto de ataques tão fortes à Ciência?
    WhatsApp Image 2021 07 09 at 21.57.402Renato Janine Ribeiro — Estamos em uma situação muito difícil. Há toda uma campanha contra a Ciência. Há um descaso com a Ciência por parte do próprio governo, com afirmações às vezes sem base científica nenhuma, falta de uso de máscara, as aglomerações que o presidente promove. Como pode haver alguém que seja contra a Ciência? Podem existir polêmicas e divergências dentro das ciências, mas ser contra é outra história. Por que não estamos na catástrofe de 1920? Naquela pandemia, morreram entre 50 e 100 milhões de pessoas, em um mundo que tinha 25% da população atual. Morreram de 3 a 5% das pessoas que viviam na época, 5% dos mortos de 1920 equivaleriam a 400 milhões de mortos hoje. Nós tivemos até agora 4 milhões de mortes. Um número deplorável, mas inferior ao que foi em 1920. E por que tivemos tão menos mortos? Em boa parte, graças ao avanço científico e tecnológico e à internet. Um avanço científico gigantesco, que permitiu o desenvolvimento dessas vacinas. Termos conseguido uma dúzia de vacinas, no espaço de 12 meses, é uma coisa totalmente sem precedentes. Ninguém poderia imaginar termos vacinas tão rápido para uma doença desse porte. São grandes ganhos. É fantástico. É muito espantoso haver uma resistência à Ciência.

Quais foram as estratégias de retórica usadas pela extrema direita para associar a Ciência à esquerda e desacreditá-la?
A Ciência, 30 anos atrás, estava vinculada à bomba atômica. Foi o que ela fez de mais importante nos anos 1940 e 1950. A Ciência estava ligada à guerra. Hoje, ao falar de Ciência, se fala de meio ambiente. Mudou completamente o vínculo da Ciência, pelo menos o vínculo público. Tínhamos uma Ciência ligada ao Pentágono e às forças armadas soviéticas. O avanço da Ciência, até os anos 1980, estava estritamente ligada com o meio militar. E hoje, quando você ouve um cientista se manifestando, ou é sobre a covid-19, ou é sobre o meio ambiente. O físico Paulo Artaxo, por exemplo, que foi eleito para a vice-presidência da SBPC, fala muito sobre meio ambiente. A Ciência ficou muito vinculada com causas éticas. Se há 60 anos a Ciência estava vinculada à guerra, hoje ela está ligada à paz. Essa é uma mudança grande. A SBPC, desde praticamente a sua fundação, assumiu todas as causas éticas no Brasil. A luta contra ditadura, a luta pelo impeachment de Collor. A SBPC é uma sociedade voltada para a promoção das ciências vinculadas com causas éticas.
 
Os ataques à Ciência estão mais evidentes com a pandemia, mas as ciências humanas são alvo desses ataques há mais tempo. Essa vinculação das ciências humanas aos direitos humanos facilitou esse discurso anticiência?
Facilitou, claro. As ciências humanas inevitavelmente vão lidar com o fenômeno da desigualdade social. E quando você lida com a desigualdade social, você se defronta com questões da miséria, uma coisa profundamente injusta, e com a desigualdade de oportunidades. Uma sociedade capitalista é uma sociedade de desigualdade. Mas dentro do capitalismo há sociedades onde as pessoas têm mais oportunidades, podem prosperar pelo mérito e uma série de fatores, e há sociedades nas quais as pessoas sequer têm condições de descobrir suas vocações. Essas vocações são assassinadas no berço. Isso não tem como você mascarar. Qualquer trabalho de ciências humanas vai mostrar. Temos no Brasil uma situação de tal injustiça, que não tem como ser ocultada. Mesmo os cientistas sociais mais de direita não têm como ocultar a desigualdade.

A sua gestão como presidente da SBPC vai trazer a desigualdade e os direitos humanos para o centro das discussões?
A SBPC sempre tratou dessas questões, e elas vão continuar sendo tratadas. Isso não é novidade e não vai se modificar. Na atual gestão, do professor Ildeu [de Castro Moreira], a SBPC está sempre em diálogo com a OAB, com a CNBB, com a Associação Brasileira de Imprensa e com a Comissão Arns. Todas essas entidades têm em comum a defesa dos direitos humanos. Vamos continuar trabalhando assim, não vai ser uma novidade.

A Educação brasileira vive uma crise sem precedentes. O senhor foi ministro da Educação. Pode fazer um diagnóstico da crise e quais seriam as possíveis saídas para ela?
Eu poderia dizer que, basicamente, temos uma crise por falta de projeto. O atual governo não tem um projeto para a Educação. Desde o governo Itamar Franco, há uma ênfase muito grande na educação básica. Essa era a principal preocupação do MEC. O que se percebe, desde os anos 1990, é que se o governo federal não entrar na educação básica, vai ser muito difícil. No governo Fernando Henrique começou o Fundef, e o governo Lula expandiu, chamando de Fundeb e ampliando de oito para 14 os anos escolares cobertos pelo fundo. Uma série de políticas que foram conduzidas desde os anos 1990, e que tiveram continuidade nos governos Lula e Dilma, e até mesmo com o Temer, embora tenha começado aí uma certa crise desse modelo. No tocante às universidades, a diferença era muito grande, porque o PSDB sempre defendeu mais o setor privado no ensino superior, e o PT o ensino público. Com a chegada do Bolsonaro estamos diante de uma falta de projeto para a Educação. Se você vê a lista de projetos apresentados por Bolsonaro depois da posse, o único vinculado à educação é o de homeschooling, uma causa que afeta cinco mil famílias em um universo de 40 milhões de alunos da educação básica. Quando eles assumiram, falaram o óbvio de priorizar a educação básica. Há 30 anos se diz isso. Eles não sabiam o que dizer, então pegaram o que está em todos os textos. Não à toa, quando veio a pandemia, o governo não exerceu nenhuma liderança na Educação, como não exerceu na Saúde. Temos um governo federal que não tem políticas sociais.
 
No domingo, a Capes completa 70 anos, vivendo talvez um dos seus momentos mais difíceis, sem recursos para a pesquisa. Esse quadro tem reversão?
Tem, mas quanto mais tempo demora para reverter, mais caro vai ser e com efeitos irreversíveis. Quando as bolsas são cortadas, o bolsista, se tiver condições, vai tentar ir para o fora do país e continuar sua pesquisa lá. Com isso perdemos um cérebro que estamos formando desde a infância. E pode ser que ele não volte. Hoje se fala cada vem mais na perda de cérebros. Podemos perder porque o pesquisador foi embora, ou porque ele desistiu da carreira.

Como planeja que seja a sua gestão à frente da SPBC?
São dois pontos básicos que temos que manter. Um é a luta em defesa de todo o patrimônio que o Brasil construiu. Esse é o ponto prioritário. Nesse momento temos que conseguir o leque mais amplo de alianças que deem importância à Ciência e à Educação, mas também à Cultura, à Saúde e ao Meio Ambiente. Isso é muito difícil, até porque, nesse ano e meio que falta de governo, ainda pode piorar muito a situação. Outro ponto que temos que deixar muito claro é que apesar do pessimismo da inteligência, tem que haver o otimismo da vontade, para usar a frase célebre do escritor francês Romain Rolland. Precisamos pensar que qualquer desenvolvimento vai precisar da Ciência, do Meio Ambiente e da Cultura. O Brasil conseguiu muita projeção mundial graças à sua cultura. O Brasil tem um potencial que foi inutilizado nesses últimos anos, mas que tem que ser recolocado com vigor. E a SBPC é importante nesse projeto.

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