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WhatsApp Image 2021 03 12 at 19.31.031Christine Ruta
Professora do Instituto de Biologia e diretora da AdUFRJ


A condição das mulheres no mundo ainda é muito preocupante. No início do século XX, a principal reivindicação das mulheres no mundo ocidental era o direito de voto. As mulheres conquistaram o voto na Nova Zelândia, em 1893, sem poderem ser eleitas. No Brasil, o voto feminino foi regulamentado em 1934, no governo Vargas. Nesta época, o Brasil estava na vanguarda, pois em cerca de uma centena de países as mulheres ainda não votavam, como a França, grande parte da América Latina e a Suíça, onde as mulheres tiveram direito ao voto apenas em 1971. Mas o caminho para os direitos civis básicos para as mulheres é longo. Como um exemplo de sociedade na qual as mulheres estão sempre sob a tutela de um homem, devido à regra da “sharia”, o direito ao voto e o direito à carteira de motorista foram conquistados em 2018 na Arábia Saudita e, em 2019, as mulheres puderam obter um passaporte e viajar sem a permissão de um homem. Embora tal situação me pareça chocante, podemos dizer que há algum progresso. Dentre outras, uma referência fundamental sobre essa evolução é História das Mulheres no Ocidente, Século XX, de Georges Duby e Michelle Perrot.

Segundo a ONU, as mulheres ganham em média 16% menos do que os homens em escala mundial e ocupam apenas 28% dos cargos superiores e de direção. Embora a grande maioria de pessoas mortas por assassinato seja de homens, o terrível é que 82% dos assassinatos de mulheres são cometidos por um companheiro ou membro da família. E ainda mais preocupante: sem distinção de renda, educação e idade, um terço das mulheres no mundo sofreu algum tipo de violência física ou sexual por seu parceiro, segundo um relatório de 2020 (The World’s Women 2020 Trends and Statistics: https://www.un.org/en/desa/world’s-women-2020). E a pandemia só fez piorar as estatísticas.

Segundo este mesmo relatório, as disparidades de gênero na educação são maiores e ocorrem em mais países no nível secundário do que no nível primário. E quando as meninas têm acesso à escola elas “tendem a ir melhor do que os meninos em termos de desempenho nos níveis primário, secundário e além”. As disparidades de gênero persistem nos campos de estudo escolhidos na educação superior, mas a taxa de matrícula está crescendo mais rapidamente para as mulheres do que para os homens. As mulheres continuam a ser subrepresentadas entre os graduados nos campos da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, constituindo algo como 35% dos graduados nestes campos. As mulheres também são minoria na pesquisa científica e desenvolvimento, somando menos que 30% dos pesquisadores no mundo.

Em 2020, as mulheres da AdUFRJ estenderam um lençol lilás no gramado na Candelária, no qual muitas delas, e outras manifestantes crianças, mães e avós posaram sentadas. Naquele momento, era o chão que dava suporte à nossa bandeira. Este ano, tivemos que subir, que voar.

Nossa ação no 8M em 2021 reflete ao mesmo tempo as limitações da ação política na pandemia e a ousadia de ocupar novos espaços nas cidades Brasil afora. “Projetamos” nas fachadas de prédios em várias cidades os anseios da AdUFRJ por uma sociedade mais justa, que dê mais oportunidades às mulheres em todos os campos, mas especialmente na Ciência e na Educação. O olhar dos drones registrou essa ocupação simbólica dos espaços públicos por mensagens realçando o poder e a determinação das mulheres. Achei poético nossas mensagens escalando o alto dos prédios em desafio ao patriarcado, ao capitalismo selvagem e à necropolítica.
O vídeo que registrou os eventos articulou nossas mensagens com a diva Elza Soares cantando “Dentro de cada um”. Quando ela canta “e vai sair de dentro de cada um, a mulher vai sair”, eu vejo as bruxas de hoje montarem nos drones e saírem do lençol da Candelária para os prédios Brasil afora!!


Tragédia dos casamentos infantis: mais uma posição de destaque do Brasil

No último Dia Internacional das Mulheres foi lançado um alerta pela Unicef de que a pandemia pode levar dez milhões de meninas a se casar até 2030. Uma grave ameaça ao progresso alcançado na última década contra o casamento infantil no mundo, que traz consequências como a gravidez precoce e a manutenção das desigualdades de gênero no acesso à Educação e à inserção no mercado formal de trabalho.

O casamento precoce é uma situação perversa que causa o sofrimento de milhares de meninas no mundo. No Brasil não é diferente. Um levantamento feito pela ONG Plan Internacional aponta que o nosso país ocupa a vergonhosa 4ª posição no ranking internacional de casos de casamento infantil*. Portanto, é urgente que o Brasil crie políticas públicas efetivas para o enfrentamento do casamento infantil, do contrário milhares de cidadãs brasileiras terão seu futuro interrompido, trazendo como consequência indireta um agravamento no quadro socioeconômico do país. A questão, porém, é que o Ministério das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos do Brasil (MMFDH) foi ocupado ardilosamente por fanáticos religiosos que transformaram o gabinete governamental do Estado em um ambiente para exercer seus ministérios sacerdotais e pastorear o povo brasileiro conforme seus credos doutrinadores. Dentre as ações irresponsáveis impostas pela atual ministra Damares Alves está a campanha “Tudo tem seu tempo: adolescência primeiro, gravidez depois” de 2020, que pregava a abstinência sexual como método para diminuir os índices de gravidez precoce no país. Uma campanha que exemplifica, mais uma vez, como a ministra impõe a sua devoção religiosa em seu trabalho de Estado.

Afinal, é amplamente comprovada a ineficácia da “abstinência sexual” como política de saúde pública, como confirma a The Society for Adolescent Health and Medicine.  No último 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, data simbólica para relembrar a luta cotidiana por condições de igualdade entre os gêneros, no seu discurso em comemoração à data, a ministra Damares Alves se referiu a Jair Bolsonaro como “o presidente mais mulher que já viu”. Na realidade o governo Jair Bolsonaro tem sido hostil às mulheres desde a campanha presidencial. Por exemplo, em agosto do ano passado o Ministério Público Federal apresentou ação civil pública contra o seu governo por posturas “desrespeitosas” e declarações discriminatórias, feitas pelo presidente e ministros em relação às mulheres. Também o governo Jair Bolsonaro neste 8 de março se negou a assinar a declaração conjunta feita por mais de 50 países para marcar o Dia Internacional da Mulher no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Em 2020, diante do pior cenário de aumento da violência contra as mulheres devido à pandemia, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) denunciou o MMFDH por ter a mais baixa execução orçamentária dos últimos dez anos para políticas públicas destinadas exclusivamente às mulheres. Na prática, isso significa que em 2020 centenas de jovens cidadãs brasileiras em situação de violência deixaram de ser protegidas devido a incompetência da ministra. O Ligue 180 é o número que, segundo o MMFDH, serve para a mulher denunciar e ser orientada em caso de violência doméstica. Qual é o número para denunciar a ministra Damares Alves, que desde o primeiro dia de seu mandato age com outro tipo de violência contra as mulheres brasileiras?


* A ONU define como casamento infantil toda união formal ou informal antes dos 18 anos.

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