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WhatsApp Image 2020 12 18 at 10.44.17Em 1942, no meio da Segunda Guerra Mundial, o governo do Reino Unido decidiu pensar quais seriam as bases do país quando a guerra acabasse. Era um dos momentos mais difíceis da história da Inglaterra, e mesmo assim eles escolheram ter a ousadia de planejar o futuro. Essa história inspirou os professores João Sicsú, do Instituto de Economia da UFRJ, Gilberto Bercovici, da USP e Renan Aguiar, da UFF, a organizar o livro “Utopias para Reconstruir o Brasil” (Quartier Latin, 788 páginas), uma profunda reflexão sobre o país que o Brasil precisa ser depois da pandemia. O livro foi lançado na última segunda-feira (14), em um evento virtual que contou com a presença de professores da UFRJ que participam da edição.
“A ideia central do livro é que cada autor faça um desenho de um mundo ideal, para ele, dentro da sua área”, contou o professor João Sicsú. “O livro não é apenas de crítica ao atual governo, embora essas críticas apareçam em diagnósticos e análises dos autores”, detalhou.
Como na história do Reino Unido na Segunda Guerra, a proposta é que o livro seja um norte durante um dos períodos mais difíceis da história do Brasil. “Nós temos que desenhar o mundo que queremos, e caminhar até ele. Porque senão ficaremos apenas enfrentando as batalhas cotidianas”, explicou o organizador da publicação, que também assina um capítulo.
Além do professor João Sicsú, a UFRJ está representada também pelos professores Carlos Frederico Leão Rocha, Daniel Negreiros Conceição, Fabiana Rodrigues Barletta, Flávio Martins, Ligia Bahia e Marcos Dantas. Ao todo, 54 autores assinam o livro, que também conta com artigos do ex-chanceler Celso Amorim e do ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão.
Para Flávio Martins, professor da Faculdade Nacional de Direito e decano do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas, há dois aspectos importantes do livro. “O primeiro é olhar para frente e apresentar perspectivas. O segundo é sabermos que a pandemia foi uma situação extraordinária, mas que mostra a importância de termos políticas públicas planejadas”. Em parceria com a professora Fabiana Rodrigues Barletta, também da FND, Flávio escreveu um capítulo sobre direitos fundamentais no contexto da pandemia.
No seu artigo, o vice-reitor da UFRJ e professor do Instituto de Economia, Carlos Frederico Leão Rocha, tratou da crise de emprego causada pela automação do trabalho. “Aqui ainda não chegou essa automação toda, mas vai chegar da pior forma possível, quando nós não pudermos mais competir”, explicou o professor.
“Vamos ter um desemprego, especialmente na área de serviços, que não era visto antes”, declarou. Nesse cenário, o vice-reitor chama a atenção para a responsabilidade da universidade. “As universidades capacitam as pessoas, então temos um importante papel a desempenhar”.

PERFIS

Carlos Frederico Leão Rocha
Vice-reitor da UFRJ e professor do Instituto de Economia. Graduado em Ciências Econômicas pela UFRJ. Mestre e doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ. Ex-vice-presidente da AdUFRJ

Daniel Negreiros Conceição
Professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (IPPUR/UFRJ). Graduado em Ciências Econômicas pela UFRJ. Mestre em Master of Arts pela University of Missouri System. Doutorando em Economia e Ciências Sociais pela University of Missouri System

Fabiana Rodrigues Barletta
Professora da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Graduada em Direito pela UFJF. Mestre em Direito pela UERJ. Doutora em Direito pela PUC-Rio

Flávio Martins
Professor da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Graduado em Direito pela UFRJ. Mestre em Ciências Jurídicas pela UFRJ. Doutor em Filosofia pela UFRJ

João Sicsú
Professor do Instituto de Economia da UFRJ. Graduado em Ciências Econômicas pela UFRJ. Mestre em Economia pela UFRJ. Doutor em Economia pela UFF

Ligia Bahia
Professora da Faculdade de Medicina da UFRJ. Graduação em Medicina pela UFRJ. Mestre e doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Ex-vice-presidente da AdUFRJ

Marcos Dantas
Professor da Escola de Comunicação da UFRJ. Graduado em Comunicação pela FACHA. Mestre em Ciência da Informação pela UFRJ. Doutor em Engenharia de Produção pela UFRJ. Diretor da AdUFRJ

 

ARTIGO

DOIS LADOS DA MESMA MOEDA

WhatsApp Image 2020 12 18 at 10.44.17 1Daniel Negreiros Conceição Professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (IPPUR/UFRJ). Graduado em Ciências Econômicas pela UFRJ. Mestre em Master of Arts pela University of Missouri System. Doutorando em Economia e Ciências Sociais pela University of Missouri System

O texto que escrevi chama-se “Gasto Público e Criação de Dinheiro como Dois Lados da Mesma Moeda (Soberana)”. Tento mostrar que todas as propostas contidas neste livro para reconstruir a nossa sociedade, que está devastada pela pandemia, são econômica e financeiramente viáveis, se forem materialmente viáveis, para um governo monetariamente soberano como o brasileiro. Se elas forem materialmente viáveis e socialmente desejáveis, creio que não as realizar é o maior fracasso da nossa ciência econômica atualmente. Principalmente se isso vier do medo de que nosso Estado possa ficar sem dinheiro, porque nesse caso os economistas estão colocando empecilhos em coisas que são plenamente viáveis, por conta de um medo que não se justifica. E esse fracasso de impor limites que são puramente arbitrários, artificiais, nas realizações que são materialmente viáveis, nunca foi tão evidente para os economistas.
Logo antes da pandemia, o Brasil, supostamente, já estava na sua maior crise de endividamento. “A mais grave da sua história”, falavam. Era a desculpa de quem defendia o saneamento das contas públicas para controlar a dívida do governo brasileiro.
Diziam que a capacidade de realizarmos resultados deficitários tinha acabado. O Estado estava falido, sem dinheiro, na pindaíba. Veio a pandemia, e os defensores da austeridade foram obrigados a admitir que as coisas não são bem assim. Na verdade, o governo tinha dinheiro para gastar muito mais para combater a pandemia e a destruição econômica que ela produziu, mesmo com o colapso da arrecadação de impostos. O que ele não tinha era autorização legal. E bastou decretar o estado de calamidade e aprovar a emenda do Orçamento de Guerra, que a autorização apareceu, e descobrimos que a falta de dinheiro que nosso governo dizia enfrentar era totalmente autoimposta. O governo tinha tanto dinheiro, que desde o início da pandemia ele foi capaz de gastar quase um trilhão de reais a mais do que os impostos arrecadados só em despesas primárias.
Mas de onde veio esse dinheiro? Será que o governo raspou o seu “cofrinho”, que é a Conta Única do Tesouro? Isso seria muito ruim, porque se raspar o “cofrinho”, depois não vai ter mais. Não. O saldo da Conta Única foi e vai continuar sendo recomposto sem nenhuma dificuldade, através da venda de títulos públicos, graças ao sistema que descrevo no artigo. Então a taxa de juros deve ter explodido, porque se o governo está praticando este resultado deficitário gigantesco vendendo títulos para recompor o saldo da Conta Única, o que aconteceu com os juros? A taxa básica, que remunera as dívidas de curto prazo do governo, nunca esteve tão baixa. Podemos até dizer que ela está baixa demais. E as taxas longas até podem subir em momentos de agitação, normalmente alimentados por um certo terrorismo fiscal, mas elas sempre acabam caindo, atraídas pela taxa curta. Então o governo deve estar criando moeda, e isso normalmente dá inflação, pode não dar agora porque estamos no meio da pandemia.
O que tento explicar no artigo é que, na verdade, o governo já cria e sempre criou moeda quando faz seus pagamentos. Isso não é uma novidade, é assim que as coisas acontecem. Logo no início da pandemia, alguns economistas, eu mesmo fiz isso, sugeriam que o governo contasse com o financiamento direto do Tesouro pelo Banco Central para financiar o combate à pandemia. Foi um avanço quando as pessoas admitiram que isso era possível. Mas agora proponho que sejamos mais ambiciosos no enfrentamento dos dogmas econômicos que eu acho que têm que ser superados.
A boa notícia que trago no texto é que a criação de moeda não é uma alternativa possível que pode ser utilizada para o governo financiar a reconstrução do Brasil. Na verdade, é assim que o governo gasta.
O governo já financia o Tesouro, portanto já gasta criando moeda. E o Banco Central já financia o Tesouro indiretamente, apesar da restrição constitucional, que não tem como ser respeitada. A confusão talvez venha, em parte, da maneira como os economistas aprendemos a ler uma equação da restrição orçamentária do governo, como se o dinheiro que o governo usa para fazer um pagamento viesse da cobrança de impostos, da venda de dívidas remuneradas ou fosse criado de maneira nova, o que seria criação de base monetária. Mas o que tento mostrar é que, por definição, quando um pagamento estatal acontece – e o mesmo raciocínio que pode ser feito para um pagamento estatal, pode ser feito para o resultado deficitário do governo ao longo de um período – este pagamento é necessariamente acompanhado da criação de pagamento estatal, de base monetária e de moeda bancária associada a criação de base monetária. Isso ocorre porque as reservas bancárias que são debitadas na reserva do Tesouro na ocasião de cada pagamento não fazem parte de agregado monetário nenhum, elas são um passivo não monetário do Banco Central. Então, quando o governo gasta, ele cria base monetária, porque transfere créditos contra o Banco Central para um banco comercial. E esse banco comercial cria a moeda quando credita na conta corrente do recebedor do pagamento.
Ou seja, cada pagamento feito pelo Estado é sempre acompanhado primeiro da criação de base monetária, que já é uma dívida estatal, embora fique escondida no passivo do Banco Central. Depois é que essa moeda estatal que foi criada por um pagamento se transforma em uma dívida remunerada. E isso acontece porque o Banco Central está sempre tentando garantir que pelo menos a taxa básica referencial da economia não caia quando o governo faz um pagamento.
Porque quando o governo faz um pagamento, ele coloca mais dinheiro na economia, e isso pressionaria os juros para baixo. Na verdade, quem primeiro vende o título público para garantir que os juros não caiam é o Banco Central. E essa venda é garantida porque quem tem reserva sobrando já quer aplicar em títulos públicos. Primeiro entra a moeda estatal, depois ela pode ser reconfigurada em base monetária ou dívidas públicas.
O que estou dizendo aqui, e o texto entra em detalhes nessa argumentação, é que não precisamos reinventar a roda para pagar pela reconstrução do Brasil. Operacionalmente já é possível financiar tudo que for necessário e materialmente viável, até o limite inflacionário da nossa economia, que podemos falar depois qual é. O governo brasileiro não é como uma dona de casa. Falta de dinheiro não é um problema para um Estado que gasta criando moeda, como é o Estado brasileiro.
Espero que esse texto sirva para aumentar a nossa ambição.

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