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Felipe Rosa

“Tragédia atrai tragédia. Tivemos tempo e poderíamos tê-lo aproveitado para planejar”, lamenta a professora Ligia Bahia, uma das mais respeitadas especialistas em saúde coletiva do país. Ela analisa o novo aumento da covid-19 e compara as estratégias brasileiras com diretrizes utilizadas por outras nações para enfrentar a pandemia. “A gente tem respostas piores. Bastaria seguir a receita de bolo: lockdown, testagem e uma reabertura planejada das atividades econômicas”. Mas nem tudo são más notícias. “A gente vai ter cem milhões de doses muito rapidamente”.
A entrevista foi gravada para o Café com Ciência e Arte, quadro do programa AdUFRJ no Rádio. O programa vai ao ar pela Rádio UFRJ todas as sextas, às 10h, com reprise às 15h.

JORNAL DA AdUFRJ - Há o recrudescimento da covid-19 no mundo inteiro, majoritariamente na Europa e Estados Unidos, mas também aqui no Brasil. Você pode nos explicar se o Brasil está na segunda onda ?
Ligia Bahia - Eu penso que o fenômeno biológico da covid-19 é muito complexo e a ciência demora a entender fenômenos biológicos complexos que se justapõem a fenômenos sociais também muito complexos. Vivemos numa humanidade conglomerada, com muita desigualdade social. Em alguns países, a gente pode caracterizar uma segunda onda porque houve redução da taxa de transmissão a quase zero. Em outras nações, essa caracterização talvez não seja adequada porque a taxa de transmissão nunca foi pequena. Houve a manutenção de um platô sempre muito elevado.
No Brasil, a gente teme essa caracterização da segunda onda porque sempre mantivemos níveis elevados de taxa de transmissão, embora o pico tenha sido em maio. O atual aumento não está acontecendo da mesma maneira.
Não há um conceito muito claro sobre o que está acontecendo. E isso é ruim porque se exige da ciência respostas e nem sempre a ciência tem respostas tão precisas. É semelhante ao que aconteceu com a Aids. Demorou bastante tempo para a gente compreender como era a forma de transmissão e o que se podia fazer.

Aproveitando sua comparação, você acha que hoje estamos mais preparados para lidar com uma pandemia do que lá na época da Aids?
A Aids tinha altíssima letalidade, mais do que temos com a covid-19, e atingia fortemente a parcela jovem da população. Era uma tragédia do ponto de vista social e geracional bastante intensa. Hoje temos mais capacidade de compreensão, até porque a humanidade lidou com outras epidemias e pandemias de síndromes respiratórias de lá para cá. Basta ver a experiência dos países orientais. A resposta é espetacular. A gente tem respostas piores, como infelizmente as do nosso país e dos Estados Unidos, respostas intermediárias, como as dos países da Europa, e respostas excelentes dos países orientais. O que demonstra que bastaria seguir a receita de bolo: lockdown, testagem e uma reabertura planejada das atividades econômicas. É claro que isso é mais fácil em países com economias mais fechadas, mas temos respostas interessantes em países europeus, como a Alemanha, que respondeu muito rapidamente também à segunda onda.

Como as diferentes regiões do Brasil estão lidando com a pandemia e como o SUS está agindo nesse combate, tanto do ponto de vista da potência do surto, como da capacidade de resposta à doença?
Tragédia atrai tragédia. O Brasil teve um tempo para fazer o planejamento, porque o primeiro caso ocorreu em dezembro e aqui no Brasil chegou no final de fevereiro. Tivemos tempo e poderíamos tê-lo aproveitado para planejar. É claro que qualquer processo de transmissão de doença infecciosa anda geograficamente e nós sabíamos que ia andar aqui no Brasil. Sabíamos que as cidades mais afetadas num primeiro momento seriam Manaus, Fortaleza, Rio... São cidades que recebem habitantes do país e também do exterior. Sabíamos também que depois a doença ia descer para a região Sul do Brasil e temos hoje um gaúcho famoso, o Osmar Terra, com covid-19. Um parlamentar que sempre negou a doença, disse que era gripezinha, que ia se curar com cloroquina, está internado com covid-19. Então, tudo que aconteceu nós previmos. E sabíamos também que essa reabertura caótica que aconteceu no Rio, São Paulo e outros lugares iria provocar esse fenômeno que estamos vendo hoje. Muito ruim, porque são mortes evitáveis. Não é natural. É claro que todos morreremos em algum momento, mas não necessariamente de covid-19.

Nessa última semana, fomos sacudidos pelas boas novas da eficiência das vacinas da Pfizer, da Moderna, da AstraZeneca. Aparentemente são vacinas muito bem-sucedidas. Qual tempo será necessário para termos parte considerável da população brasileira vacinada?
Esta é uma pergunta muito importante e inclusive há uma notícia um pouco preocupante no jornal Valor Econômico. O plano de vacinação que foi exigido pelos órgãos que tomam conta das contas públicas não foi entregue. Houve um prazo para que este plano fosse apresentado, mas não foi entregue. Os primeiros a serem vacinados serão os profissionais de saúde. A gente teve um número enorme de profissionais de saúde que morreram vítimas da covid-19, inclusive da UFRJ. Depois, certamente virão os idosos e pessoas com comorbidades. Acredito que estes grupos correspondam ao número de vacinas que o Brasil consegue produzir, tanto se for a Sinovac, do Butantan, quanto a do consórcio de Oxford, do qual a Fiocruz participa. A gente vai ter cem milhões de doses muito rapidamente, que devem ser aplicadas ao longo do primeiro semestre. Com isso alcançamos metade da população. E a outra metade deverá ser imunizada no segundo semestre de 2021. Com certeza a notícia da eficácia de 95% é muito promissora, porque nós esperávamos uma eficácia bem menor, de 50%, 60%, 70%. Tendo essa eficiência tão alta já reduzirá muito a transmissão. Mas é preciso atuarmos contra o movimento antivacina. Eu acho que a UFRJ e a AdUFRJ têm um papel muito importante nesse aspecto.

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