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WhatsApp Image 2020 11 10 at 20.31.32A ENTREVISTA ao Jornal da AdUFRJ foi concedida com auxílio de intérpretesNa última década, a UFRJ deu alguns passos importantes para a inclusão na vida acadêmica de alunos e professores com deficiência. E um dos exemplos mais vigorosos desse processo de transformação está na Faculdade de Letras: criado em 2015, o curso de Letras-Libras (Língua Brasileira de Sinais) tem hoje sete professores surdos (seis deles efetivos) no quadro, e 59 alunos surdos. Esse grupo vem abrindo portas para conquistar seus direitos na universidade e, ao mesmo tempo, mudar a cultura da Faculdade de Letras, pavimentando o caminho para outros alunos e professores surdos que venham depois.
“Eu entendo que a nossa missão é ajudar os alunos surdos”, disse a professora Clarissa Guerreta, coordenadora do curso de Letras-Libras. Ao lado do professor Bruno Abrahão, chefe do Departamento de Letras-Libras, Clarissa deu uma entrevista para o Jornal da AdUFRJ, que contou com o trabalho de dois intérpretes de Libras. Clarissa e Bruno são surdos, e ocupam posição de chefia no curso, o que explica a maneira como chamam para si a responsabilidade pela integração de alunos e outros professores.
Em condições normais, a integração entre surdos e ouvintes já exige um grande esforço. A pandemia acentuou esse quadro. “Percebi que eu precisaria de uma estratégia para suprir as necessidades dos alunos, porque a faculdade não pode parar”, contou Clarissa. Sua estratégia foi desdobrar-se para conscientizar o corpo social da Faculdade de Letras, e da UFRJ, das necessidades específicas que estes alunos (e mesmo os professores surdos) têm para comunicar-se a distância.
“Não gosto de estar separado dos demais departamentos, sempre prezei pela união, mas às vezes as pessoas não entendiam a necessidade que eu tinha do vídeo, e fechavam a câmera”, contou a professora Clarissa, que já recusou ofertas da direção da Faculdade de Letras, e até da Pró-Reitoria de Graduação (PR-1), para que as reuniões com o Departamento de Letras-Libras fossem feitas em separado. “Nós somos iguais, queremos trabalhar como todos, e para isso precisamos de condições de trabalho”, desabafou.
É muito comum entre os surdos que o Português seja a sua segunda língua. A primeira é Libras, que é uma língua expressa na escrita de maneira diferente do Português. Isso demanda que os textos tenham alguma adaptação para os surdos. Eles podem ser reescritos para facilitar a leitura para os surdos, mas o ideal é que seja feita a tradução para Libras. “A Libras tem a sua própria estrutura e gramática, assim como o Português. Quando você faz uma tradução é diferente de apenas pesquisar o significado de uma palavra no dicionário”, explicou o professor Bruno Abrahão. “Para o surdo é importante que haja a tradução para a Libras”.
A falta de intérpretes é um problema pelo qual passam professores e alunos surdos no curso de Letras-Libras. São apenas dez para acompanhar todas as aulas do curso. “A maior dificuldade do curso hoje é a falta de tradutores e intérpretes”, relata a diretora da Faculdade de Letras, Sonia Reis. “A demanda aumenta se considerarmos as aulas remotas, que exigem, além dos dois intérpretes, um escriba, para anotar o conteúdo da aula para os alunos, e um mediador, todos com formação específica para isso”, explicou a diretora. “A dificuldade é enorme. Temos que contratar mais pessoas”.
Fernando Pereira, aluno do 8º período do curso, concorda com a opinião dos professores. “São muitas disciplinas para poucos intérpretes”, relata o estudante. Para Alesson Lemos, aluno do 7º período, o quadro preocupa, porque a tendência é que mais alunos surdos cheguem à universidade. “Nunca se viu tantos surdos fazendo vestibular, então a faculdade precisa pensar nessa parte estrutural. Vai ter uma hora que não vai dar mais”, disse o estudante.
A UFRJ conta com uma Diretoria de Acessibilidade (Dirac), ligada ao gabinete da reitora. Uma das áreas em que a Dirac atua é na coordenação de intérpretes de Libras para a universidade. A reportagem do Jornal da AdUFRJ tentou contato com a Dirac para saber de quantos intérpretes a diretoria dispõe e quais são as suas principais dificuldades para atender às demandas da universidade, mas, infelizmente, não obteve resposta até o fechamento desta edição.
Bruno e Clarissa têm trajetórias diferentes, e até uma relação diferente com a Libras na sua história: ele fala desde pequeno a língua, ela relutou em aprender a falar. Mas para os dois comunicar-se foi fundamental para um processo de transformação pessoal e profissional. E as semelhanças não param por aí. Ambos se formaram na mesma universidade, a Federal de Santa Catarina (UFSC), onde foi criado o primeiro curso de Libras do país, em 2006. Também foram contemporâneos e entraram juntos na UFRJ como docentes. Mas o maior elo entre os dois é a luta por um mundo que abra espaço para eles.
“Eu sou brasileiro como outro qualquer, e as pessoas acabam me vendo como um estrangeiro, um estrangeiro linguístico. Sei que Libras é uma língua minoritária e tem as suas barreiras, mas o brasileiro precisa vencer isso”, disse Bruno. E sua luta acabou ajudando a começar a construir um espaço dentro da Faculdade de Letras que seja mais acolhedor para os surdos. “Na divisão de ensino, quanto mais os alunos vão aumentando a demanda, mais os funcionários vão aprendendo a se comunicar mais e melhor”, relatou.
Para ser um bacharel ou professor de Libras é preciso fazer o curso superior oferecido pela UFRJ, mas para aprender a comunicar-se na língua não faltam ofertas mais acessíveis. O CLAC (Cursos de Línguas Abertos à Comunidade) da Faculdade de Letras oferece cursos de Libras, e há atividades de extensão que ensinam a falar a língua. “A direção estimula que técnicos e professores de outros cursos aprendam Libras”, contou a diretora da Faculdade de Letras. “Muitos dos nossos técnicos aprendem Libras para se comunicar”.

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