Elisa Monteiro
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A criação de um programa de renda mínima para 2021 foi o tema da mesa “Renda Básica universal ou focalizada: uma discussão à luz da crise e além”, promovida pelo Instituto de Economia na semana passada. As principais polêmicas em relação a possíveis modelos dizem respeito à relação (ou não) com o Bolsa Família e ao financiamento do novo programa, que coloca em xeque a política econômica de austeridade.
O governo afirma que a definição só deve ocorrer depois das eleições municipais, em novembro. E sinaliza a preferência por um novo programa com benefícios superiores aos hoje pagos pelo Bolsa Família. O nome ainda é incerto, mas o valor previsto é de algo em torno de R$ 300. Em um movimento similar, o Congresso também atua para formatar um programa de renda básica mais robusto que o Bolsa Família e mais amigável, em termos fiscais, do que o auxílio emergencial.
Para a economista e professora da Universidade Johns Hopkins, Mônica de Bolle, as preocupações com a responsabilidade fiscal perdem espaço no contexto imposto pelo novo coronavírus. Ela defende a conversão da renda básica em uma política permanente e a revisão do teto de gastos. “Quando a pandemia não estiver mais fora de controle, ainda teremos que lidar com os diversos problemas atrelados a ela”, justifica a economista.
Bolle destaca as mudanças no mundo do trabalho e na saúde pública. Segundo ela, parte significativa das atividades e dos empregos simplesmente “não existirá mais” e as demandas sanitárias “tendem a se agravar”. “O mundo não vai voltar à situação anterior à pandemia, até porque o vírus não vai acabar”, frisa. E acrescenta: “As sequelas geradas pela covid-19 ainda estão em estudo. Mas é evidente que haverá uma sobrecarga sobre os mais pobres, que já sofrem em função de doenças crônicas”.
A melhor solução de curto prazo para a população hoje seria um desdobramento, com atualização de valores, do Bolsa Família. Essa é avaliação da economista e ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo Dilma Rousseff, Tereza Campello. “É o programa mais conhecido nos 5.570 municípios do país”, argumenta a economista. “Ao completar 17 anos, o Bolsa Família funciona como um ímã, uma porta de entrada dos mais vulneráveis ao Estado e ao Sistema de Assistência Social”, completa.
Campello defende, por exemplo, a atualização do CadÚnico – cadastro criado em 2003 para unificar as informações dos programas sociais pré-existentes . “Muita gente não está no CadÚnico porque muitas pessoas não estavam em situação de vulnerabilidade antes”.
De acordo com a ex-ministra, a fórmula de sucesso internacional do Bolsa Família está relacionada à sua integração a uma rede de proteção social. “O fundamental não é transferência de renda. O que tornou esse programa o melhor do mundo não foi o cartão, outros países usaram cartão e não tiveram sucesso. Ele é o mais eficiente do mundo porque é complementar, parte de uma rede de proteção”, opina. “A pessoa pobre não é só pobre de renda. Ela é pobre de saneamento, de saúde, de educação”.
Outro ponto importante em debate é a chamada focalização. Ou seja, se a renda deveria ser restrita aos extremamente pobres ou envolver, por exemplo, a população em trabalho informal. Para o professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Naércio de Menezes, as crianças deveriam estar no centro da distribuição de renda. “O Brasil é um país de extrema desigualdade e as crianças são especialmente prejudicadas pela diferença de oportunidade”, aponta. “A mobilidade social no Brasil é muito pequena. Se a família é pobre, a criança tende a ser pobre pelo resto da vida”.
Segundo o pesquisador, os valores praticados pelo Bolsa Família são insuficientes para patrocinar o desenvolvimento infantil e a focalização da renda básica pode contribuir para melhores resultados para esse público. “Basicamente, a ideia é termos um valor mais elevado, com R$ 800 por criança na família”.