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WhatsApp Image 2020 10 02 at 20.40.05“Será que podemos nos falar mais tarde? Agora estou sozinha com o meu filho”. Não poderia ser mais esclarecedora a forma como a professora Gizele Martins, do campus Macaé, atendeu ao primeiro contato do Jornal da AdUFRJ para falar das dificuldades que docentes mães e pais de crianças pequenas enfrentam durante a pandemia.
Gizele faz parte do grupo que divulgou uma carta dirigida à administração central da UFRJ para garantir um tratamento justo neste período, além de ampla discussão do tema em toda a universidade. O documento, disponível AQUI, está aberto às assinaturas de mais colegas.
Em julho, Gizele respondeu a uma pesquisa de duas professoras de outra universidade, e não soube dar resposta para uma questão sobre as soluções que a administração central da UFRJ oferecia para as mães no ensino remoto. “Eu não consigo assistir às reuniões de colegiado. Queria saber se estava sendo discutido algum respaldo, algum apoio para quem está na função de cuidador”, disse.
Ela procurou outros pais, e, em grupo, decidiram escrever a carta. “A carta já saiu de Macaé e está recebendo apoio em outras unidades”, afirmou.
Na semana passada, o grupo reuniu-se com a diretoria da AdUFRJ. O objetivo é que, além de atuar para que a reivindicação dos professores chegue até a administração central, o sindicato ajude a sensibilizar a comunidade universitária sobre as dificuldades de quem está sobrecarregado com as atividades docentes e o papel de cuidador exclusivo durante o isolamento social. “Nosso propósito é, justamente, rearrumar essa discussão na UFRJ”, disse a presidente da AdUFRJ, Eleonora Ziller.
“A ideia é que a gente troque o olhar crítico em relação àqueles que não conseguem alcançar um nível de produção das atividades acadêmicas, porque estão envolvidos no cuidado de crianças ou idosos”, afirmou Eleonora. “Inverter a lógica da crítica e da acusação de que eles trabalham menos para a ideia de solidariedade, de partilha e comprometimento, de que podemos, de alguma forma, contribuir para que esse esforço seja menor ou não seja um entrave para esses professores e professoras que estão temporariamente envolvidos e divididos em possibilidade de atenção”, completou.
Uma das solicitações é que as avaliações de estágio probatório e progressão, em médio e longo prazo, sejam feitas considerando o papel de cuidador. “Já foi demonstrada a menor produtividade durante a pandemia e, ainda menor, pelas mulheres nesse período (pela pesquisa com ampla visibilidade internacional realizada pelo grupo brasileiro Parent in Science)”, diz um trecho do documento.
Mãe de Gabriel, de dois anos, Gizele ficou sem sua rede de apoio com o isolamento social, e assumiu integralmente os cuidados do filho, já que o marido trabalha em outra cidade.
Ela conta apenas com a mãe, que, com 70 anos, está no grupo de risco do novo coronavírus. “No início, foi muito complicado, porque eu estava sem suporte nenhum”, afirmou. “E não melhorou. Acho que consegui me adaptar”. Gizele desdobrou-se entre as atividades da extensão, adaptadas para acontecer remotamente, e de pesquisa, mais difícil com o isolamento. Mesmo assim, decidiu dar aulas no Período Letivo Excepcional (PLE). “Imaginei que um período letivo remoto obrigatório fosse acontecer em algum momento, então queria tentar, ver como seria a experiência”, explicou a professora, que divide uma disciplina com outros professores. “É um curso multidisciplinar. Cada professor trata da sua especialidade. Mas eu faço a parte administrativa, de plataforma, de cronograma e contato com os alunos”.
Gizele sente a sobrecarga, e não tem dúvidas de que o seu trabalho e suas obrigações com a casa e o filho estão sendo prejudicadas. “Eu acho que não estou dando conta. Em alguns dias, a casa fica bagunçada; em outros, acho que não consigo estar presente o tanto quanto gostaria nas atividades do PLE”, desabafou.
A professora tem usado as madrugadas para dar conta das tarefas impostas pela disciplina, o que reconhece não estar fazendo bem para a sua saúde. “Se não tivermos nenhum tipo de adequação ou ação que considere essa adversidade que é estar cuidando de uma pessoa que depende de você, a qualidade do nosso trabalho vai cair”, disse.

COMPUTADOR COMPARTILHADO
A professora Tais Fontoura de Almeida, também uma das autoras da carta, vive experiência semelhante. Mãe de duas filhas, de 4 e 6 anos, ela se divide entre as tarefas do trabalho e a atenção que as crianças exigem. “Elas já têm demandas das escolas. Isso demanda muito a minha dedicação”, contou. As aulas remotas das meninas criaram outra dificuldade para Tais, que precisa dividir o único computador da casa. “Algumas tardes, consigo fazer algumas coisas pelo celular, porque elas estão usando o computador”, relatou. “O que eu vou fazer? Tirar essa estrutura de ensino delas, que já está estabelecida?”.
As aulas remotas foram importantes no estabelecimento de uma rotina para as filhas, no confinamento. “Dá uma certa sensação de normalidade para a criança”, explicou. “Para que isso funcione, tenho que dar a elas a segurança de que seus compromissos serão atendidos”.
A situação implica não só as horas em que as meninas usam o computador, mas apoio na elaboração das tarefas da escola.
É mais uma tarefa para a professora, que manteve as atividades de pesquisa e extensão e está dando aulas no PLE, em parceria com outros colegas. “Vou fazendo tudo nos intervalos que tenho das tarefas com a casa e as meninas”, disse.

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