As estudantes, maioria no ensino superior, ainda enfrentam dificuldades para ingressar em alguns cursos. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), elas representam 56% das matrículas gerais. Mas o percentual cai para apenas 30% nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática. Para entender por que isso ocorre e ajudar a modificar este cenário, o Laboratório de Futuro da Coppe criou um projeto: o Igualdade STEM (sigla para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, em inglês.
O professor Luis Felipe Costa, que coordena a iniciativa, apresenta um diagnóstico preliminar. “Isso deriva de uma estrutura hierárquica, que já vem de algum tempo, que não coloca a mulher em iguais condições pra tomar ponto de debate, ter lugar de fala e ocupar os cargos estratégicos”, avalia.
O fato curioso é que a ideia surgiu em Lisboa, onde o docente faz doutorado. No Instituto Superior Técnico de Portugal, o pesquisador acompanhou as aulas de matemática da professora Ana Moura Santos e observou que havia poucas meninas. “Essa questão da desigualdade de gêneros está presente em todas as universidades. A verdade é essa”, lamenta.
Ana Moura, que também abraçou o projeto pelo lado do Instituto Técnico de Lisboa, afirma que o problema influi também no reduzido número de professoras: a porcentagem de alunas que entram no seu curso é baixa, mas é ainda menor entre as colegas de magistério. “Não há equidade. Não há uma boa representatividade e isso também é um bocado um ciclo vicioso”.
A própria linguagem é vista como um desafio. “Muitas vezes, nas disciplinas de STEM, pressupõe-se que se está a falar para rapazes e que o centro de interesses e as carreiras que estamos a apresentar são para homens”, explica Ana. Para Luis, isso deriva de uma estrutura hierárquica que já existe há algum tempo. “Um dos desafios é a questão da linguagem na universidade, no estudo secundário, nas rodas de conversa, na cultura e em qualquer lugar. Não se coloca a mulher em iguais condições para estudar e aprender engenharia, matemática ou programação sem que aquilo tenha que ser desconfortável pra ela, ou que ela imagine que ela não possa fazer isso porque é um ambiente masculino”, conclui.
O Igualdade STEM quer acabar com este “clube do Bolinha”. “É uma pesquisa mais abrangente, que visa subsidiar o governo brasileiro e outras instituições”, diz. O projeto trabalha com duas bases de dados: a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) da categoria dos empregos formais, e censo do Inep de 2018. “Fazemos uma relação do que esses dois bancos de dados estão apresentando sobre as áreas”, explica Luis.
Pelo site igualdadestem.com é possível inscrever ações que buscam aumentar a presença de mulheres na área. “Estamos até hoje com 27 iniciativas já mapeadas”, conta o pesquisador. Entre elas, algumas são vinculadas a projetos de extensão universitários com foco no aprendizado das meninas.
Outras são apoiadas por empresas. “Há projetos que disponibilizam ferramentas e cursos que as meninas vão aprender, fazer e se tornar webdesigners”, exemplifica Luis. Os programas cadastrados não são necessariamente voltados para a comunidade universitária. “Precisam estar vinculados à tecnologia”.
MINERV@S DIGITAIS
A discussão em sala durante uma disciplina do quinto período do curso de Ciência da Computação fomentou uma das ações cadastradas no Igualdade STEM: o Minerv@s Digitais, criado em 2018. O objetivo da aula era apresentar aos alunos as possibilidades de carreira e propor debates sobre a área.
“O projeto nasceu da realidade gritante da Computação, não só na UFRJ, mas no Brasil e no mundo, que é a ausência de mulheres”, conta Maria Eduarda Lucena, estudante do 8º período. A criação do Miverv@s Digitais seguiu como trabalho final da disciplina, e, no fim do semestre, foi registrado como projeto de extensão.
Para Maria Eduarda, as motivações para a disparidade entre os gêneros no seu curso são muitas. “Vão desde rótulos velados, como os que estereotipam computador e videogame como brinquedos de meninos, ao comportamento machista generalizado que assombrou e ainda assombra em certa proporção a Ciência e as áreas de exatas”, reflete.
Entre as atividades realizadas pelo grupo, a aluna destacou a atuação em escolas de nível médio e fundamental, especialmente no Centro Preparatório de Oficiais da Reserva (CPOR), na favela da Maré. “Foi um braço do nosso projeto nesses últimos dois anos”, diz. No lugar, é realizado o programa Forças no Esporte, com atividades esportivas gratuitas para a população, e muitas crianças das escolas públicas do entorno costumam frequentar o Centro.
“Elas fazem atividades ligadas ao esporte e nós atuamos com atividades mais pedagógicas, sobre lógica de programação, coisas bem simples, mas educativas”, explica Maria Eduarda.
O Minverv@s Digitais se inscreveu na pesquisa Igualdade STEM principalmente pela visibilidade. “Quanto mais alcance tivermos, mais vamos estar alinhados ao nosso objetivo, propagando e fomentando o interesse feminino em Ciência e Tecnologia”.