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WhatsApp Image 2020 09 07 at 13.47.23HORÁCIO MACEDO Foi o primeiro reitor eleito pela comunidade acadêmica, em 1985. Foi um dos redatores do Artigo 207 da Constituição de 1988, que versa sobre a autonomia universitáriaDos cem anos da UFRJ, eu vivi intensamente os últimos 38. Ao pensar nisso, me surpreendo que os anos tenham passado tão rápido, embora seja um clichê tremendo e não devesse abrir assim um artigo num momento tão solene e importante para todos nós. Solene não apenas pela pompa e a formalidade, mas pela seriedade e relevância da data. Mas, é isso mesmo: parece que foi ontem que entrei na Faculdade de Letras, na nossa “saudosa maloca” da Av. Chile, em março de 1982. As péssimas condições em que se encontrava o prédio da Faculdade, sede provisória há tantos anos, contrastava com a riqueza e o dinamismo da vida acadêmica que ali experimentávamos. Era uma produtiva mistura de sonhos para o futuro, um passado cheio de rupturas e revoluções para ser celebrado e o fim do regime autoritário ao alcance de nossas mãos. A quantidade de sonhos que depositávamos nas faixas que pintávamos para a passeata de um milhão pelas “Diretas Já” era incomensurável. Era como se fosse possível combinar as lições de liberdade que recebíamos de tantos mestres nas salas de aula com a possibilidade de construção de um futuro melhor nas ruas da cidade.
Isso foi na Faculdade de Letras. Aprendi a amar a UFRJ na grande greve de 1984, quando a vi inteira e linda na primeira “Universidade na Praça”, WhatsApp Image 2020 09 07 at 13.47.22Preparação para a passeata de um milhão pelas Diretas János jardins do nosso Museu Nacional. Da greve à primeira eleição para Reitor foi um pulo. Horácio Macedo marcou profundamente nossa história. Ecoa em mim ainda hoje a sua voz, que dizia ser urgente fazer com que a universidade pública fosse amada e respeitada pela sociedade. E então vieram os grandes debates eleitorais para a sua sucessão e toda a imensa polarização que vivemos naqueles anos. Como esquecer dos auditórios lotados e as intervenções do Horácio e do Luiz Pinguelli, que mobilizavam nossos corações e mentes? Mas, se apurarmos o olhar para a década de 1990, veremos o quanto nos custou as nossas divisões e eternas discussões, principalmente porque ocorriam num cenário dramático de rebaixamento salarial e de violenta restrição orçamentária. As entidades resistiam, greves e manifestações agitavam nosso dia a dia, a instituição tentava de todas as formas, sobreviver.
Em julho de 1998, a tensão na UFRJ chegou ao ápice, permitindo que o governo encontrasse um caminho para a nomeação daquele que não teria mais que 11% dos votos da comunidade universitária na eleição para Reitor. José Henrique Vilhena se tornou Reitor porque entrou na lista tríplice elaborada pelo Consuni, mas principalmente porque o FHC rasgou seus compromissos com a democracia e aceitou nomeá-lo. Há uma dupla conjunção, que não podemos esquecer, pois o governo federal havia mudado a legislação para tentar obrigar a universidade a incluir na lista tríplice o nome dos candidatos minoritários. Mas o imbróglio da posse e os obstáculos da gestão, o retrocesso institucional e o esgarçamento de todo o tecido social da UFRJ nos serviram de lição. A candidatura de Carlos Lessa foi um passo dos mais importantes da nossa história, eleito com 85% dos votos da comunidade universitária. Recomeçamos, a UFRJ se recompôs de suas fraturas. Em seguida, foram dois mandatos do Aloisio Teixeira, cuja tônica era a pacificação, a construção de pontes e a superação de nossa histórica fragmentação.
As duas últimas eleições para reitor demonstraram a maturidade democrática e a lição aprendida pela instituição. Roberto Leher foi eleito num pleito disputadíssimo, por uma pequena margem percentual, tendo sido, inclusive, derrotado entre os docentes. Não houve questionamento sobre a legitimidade do processo, seu nome seguiu para o MEC sem intercorrências e sua sucessão, também. A eleição da Denise Pires, conduzida já num mar tempestuoso e cheio de incertezas, demonstrou o grande concerto democrático que culminou com a nomeação da primeira mulher na reitoria da UFRJ. Para isso, foi preciso uma condução segura da reitoria, mas também o comprometimento dos outros candidatos de não permitirem que seus nomes estivessem disponíveis para qualquer aventura no momento de composição da lista tríplice no Colégio Eleitoral, assim como o compromisso de todos os conselheiros dos colegiados superiores em respeitar o pacto democrático na composição da lista. Ou seja, a vida democrática na UFRJ depende sempre de um consenso livremente aceito, pois paradoxalmente, em todas essas décadas de democratização, nunca conseguimos chegar a um novo pacto institucional garantido pela atualização de nossos estatutos.
A minha geração chegou na universidade no momento em que usufruíamos da luta e do sacrifício de tantos que nos antecederam. Ao entrar na Letras já era rotina a eleição dos chefes de departamento por todos os docentes e não mais pelo corpo deliberativo apenas. Os estudantes ocupavam 1/5 das cadeiras nos órgãos colegiados e nossos professores podiam falar livremente nas salas de aula. Ainda era o governo Figueiredo, mas era o fim da ditadura. Nenhum colega meu desapareceu de repente, nenhum de nós precisou sair escondido no porta-malas dos carros dos professores mais conservadores para despistar a polícia, nenhum de nós foi torturado. Claro que não vivíamos num mar de rosas, mas tivemos a chance de mudar um pouco essa história, e a UFRJ foi uma grande protagonista na elaboração do capítulo sobre a Educação na Constituição de 1988. Saímos em uma caravana de centenas de pessoas – estudantes, professores e funcionários – para ajudar a escrever dois princípios constitucionais essenciais para a nossa sobrevivência até hoje: a universidade é autônoma e o ensino público é gratuito.   
O que nos salta aos olhos ao rever ainda que rapidamente a nossa trajetória, é que mesmo diante das mais graves crises institucionais e do mais perverso quadro de restrição orçamentária, nós seguimos produzindo um ensino de alta qualidade, uma pesquisa científica de ampla inserção internacional e reafirmando nosso lugar de vanguarda nacional, figurando sempre como uma das mais importantes instituições do país. Os laboratórios, as bolsas para pesquisa (desde a iniciação científica às de produtividade e de pós-doutorado), a liberdade de cátedra, e mais recentemente, as políticas de inclusão e democratização do acesso à universidade não caíram do céu. São os frutos mais doces de todas essas enormes batalhas. Aos que chegaram há pouco na UFRJ, aos que aqui estão mesmo que um pouco cansados pela idade avançada, a todos nós cabe nesse momento uma decisão difícil, mas necessária. A reforma administrativa que acaba de ser entregue ao Congresso Nacional pelo desgoverno federal, assim como o projeto de lei orçamentária anual (PLOA) para 2021, se passarem, nos jogarão mais uma vez para o cenário desolador de antes de 1980: ausência de carreira, vários regimes de trabalho e estrangulamento orçamentário. Tal como Sísifo, recomecemos. É necessário combinarmos nossa dedicação à vida acadêmica à luta sem descanso em defesa da universidade pública que nos formou e que nos recebeu como docentes. Ou trairemos a memória e a história de todos que vieram antes de nós.

eleonora artigoEleonora Ziller
Professora Associada da Faculdade de Letras e Presidente da AdUFRJ

 

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