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Lucas Abreu, Kim Queiroz e Liz Mota Almeida

WhatsApp Image 2020 09 07 at 13.11.53AULA NO PAVILHÃO de Doenças Tropicais da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, em 1930 - ACERVO CASA DE OSWALDO CRUZCom honrosas exceções, ser professor universitário no Rio de Janeiro dos anos 20 era ofício para homem, branco e rico.  Ser aluno também. As turmas somavam até 200 estudantes, no caso da Medicina e da Poli. No Direito, as classes eram menores. Todos frequentavam as aulas com figurino solene – sempre de paletó, gravata e sapato social.
“Atuar como docente significava – em linhas gerais – fazer parte de um reduzido grupo de homens brancos, letrados, pertencentes, portanto, a uma elite cultural e econômica”, resume a professora Libânia Xavier, titular da Faculdade de Educação, pesquisadora da história do ensino superior no Brasil.
“Ser docente em 1920 era algo completamente diferente do que é hoje. Não existia a figura do professor em tempo integral, muito menos de dedicação exclusiva”, afirma Helói Moreira, ex-diretor da Escola Politécnica da UFRJ. O professor, que organizou o livro “Memórias da Escola Politécnica II”, ajuda a contar a história do magistério nos primeiros anos da universidade. “Os professores ingressavam por concurso. Existiam concursos para catedrático, e os alunos assistiam às provas dos concursos, pois havia uma disputa muito grande entre os candidatos”, comenta.
 Não havia uma carreira universitária. Os catedráticos eram responsáveis pelas cátedras e espécie de “donos” de uma determinada disciplina. “No Império, os catedráticos tinham os mesmos salário e status social que os desembargadores”, conta Antônio Braga, professor da UFRJ e ex-presidente da Sociedade Brasileira de História da Medicina. A equivalência entre as duas carreiras públicas deixa de existir no começo do período republicano.
Também existiam os professores ordinários – que trabalhavam diretamente com os catedráticos – e os livres-docentes, que não eram funcionários da instituição.
WhatsApp Image 2020 09 07 at 13.11.531Em 1968, na ditadura militar, a figura do catedrático deixou de existir e deu lugar a uma estrutura em que os departamentos são responsáveis pela coordenação dos cursos. Na mesma reforma, foram criados os cargos de professor titular, adjunto e assistente.
Para Antônio Braga, a figura do catedrático era importante para o curso, mas sua presença também atrapalhava o desenvolvimento na carreira dos demais professores. “Era uma estrutura que não conseguia mais responder aos desafios do ensino e pesquisa”, defende. Ele também aponta um caráter mais democrático na atual estrutura. “O chefe de departamento é eleito pelos seus pares”.
 As mudanças no meio acadêmico são contemporâneas de restrições às liberdades democráticas. Durante esse período, 26 pessoas (24 alunos e alunas e dois professores) da UFRJ foram assassinados ou desapareceram, segundo informações da Comissão da Memória e Verdade da universidade. Quarenta e quatro docentes foram expulsos.

CONCURSOS DESDE O INÍCIO
A admissão dos professores já era feita por concurso público desde o tempo do Império, e a validação institucional do processo era inquestionável e imprescindível. Uma anedota contada pela professora Gisele Sanglard, coordenadora da Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da COC/Fiocruz mostra bem o comprometimento da Faculdade de Medicina com seu concurso. “Em 1883, o renomado professor Carlos Arthur Moncorvo de Figueiredo recusou-se a fazer a prova para a cátedra de Pediatria porque se considerava hors concours”, conta a professora. Barata Ribeiro, um higienista, fez a prova e assumiu a cátedra.

CONHECIMENTO IMPORTADO
Há cem anos, segundo Helói, a maior parte do ensino da Escola Politécnica ainda derivava do conhecimento produzido na Europa. “Não havia uma produção de livros por parte dos professores. Eram livros estrangeiros, na maioria, e normalmente franceses”, diz o docente. “Consequentemente, havia a questão das apostilas, em que os professores preparavam as suas matérias”, acrescenta.
Helói, que hoje é presidente da Associação dos Antigos Alunos da Politécnica (A3P), ressalta a participação dos estudantes em 1920 no desenvolvimento do material. “Principalmente no caso da Politécnica, o diretório acadêmico é que editava as apostilas dos professores. Esse é um aspecto interessante, porque hoje em dia não é mais assim”.
Engenheiros de prestígio integravam a comunidade acadêmica, como José Pantoja Leite, Maurício Joppert da Silva e Paulo de Frontin. “A Escola tinha grandes professores, figuras consideradas expoentes na Engenharia brasileira”, lembra Helói.
Outro fato relevante na história da unidade é a ligação com a organização dos cientistas brasileiros. “A Academia Brasileira de Ciências foi criada em 1916, pouco antes da Universidade do Rio de Janeiro, mas dentro do prédio da Politécnica, no Largo São Francisco. A maioria dos integrantes da Academia era também professor da Escola”, finaliza.
Decano do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas, Flávio Martins entende que a essência de ser professor há 100 anos e agora se mantém a mesma. “É um exercício de poder, ou seja, do poder de transmitir, de relacionar reconhecimento e de se tornar referência para outras pessoas”, afirma. Mas o ensino se transformou com o tempo. “Me parece que hoje a figura do professor tem uma relação dialogal que talvez não existisse naquela época”, completa o decano e ex-aluno da FND. “Hoje é possível aplicar um processo individualizado de ensino e aprendizagem. Essa é uma marca que diferencia o docente do passado com o do presente”, reforça o professor Antônio Braga.
A Universidade do Rio de Janeiro, primeiro nome da UFRJ, ainda não estava ancorada nos três pilares – ensino, pesquisa e extensão. Nos primeiros anos, ainda no Catete, a faculdade de Direito contava apenas com salas de aula, não havia espaços para pesquisa ou locais de encontro. “O professor dava a aula e ia embora. Não havia um lugar em que ele pudesse receber os alunos, as bibliotecas eram acanhadas”, informa Marcos Tavolari, diretor de assuntos históricos da Associação dos Antigos Alunos de Direito da UFRJ (ALUMNI FND).  “Quem lecionava e publicava era um grande intelectual, conseguia que as suas ideias fossem reproduzidas nos jornais”, recupera o advogado.

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