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WEB P6 1128Foto: MARCO FERNANDES (COORDCOM/UFRJ)Falta o mínimo de bom senso ao ministro Abraham Weintraub. Em meio à pandemia do coronavírus, o titular do MEC insiste em manter a aplicação das provas impressas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para os dias 1 e 8 de novembro, como se nada de anormal estivesse ocorrendo no mundo.                              
A inexplicável teimosia contraria a avaliação de reitores, professores, movimentos estudantis e especialistas da área. O mais recente movimento favorável ao adiamento do Enem partiu da Associação de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que publicou nota no dia 14. O texto defende um exame “com concorrência democrática”. Antes disso, dia 11, a Secretaria de Controle Externo da Educação do Tribunal de Contas da União emitiu parecer técnico contra a manutenção das datas atuais. Segundo o documento, a atitude viola a igualdade de condições entre candidatos e a garantia de acesso à universidade.
“Não podemos ter um calendário que aprofunde as desigualdades”, opinou o presidente da associação de reitores (Andifes), João Salles, durante uma coletiva de imprensa realizada na mesma data, antes da manifestação do TCU.
O dirigente da UFBA afirmou que “no momento em que houver condições para o retorno à normalidade nas universidades, os calendários serão reformulados”. E que nada impede fazer ações e eventos de 2020 em 2021. “Precisamos considerar que ano letivo não coincide com ano civil”, enfatizou.
As instituições do Rio de Janeiro assumiram protagonismo sobre a suspensão do Enem. Na sexta-feira (9), a UFRJ e demais universidades do estado (federais e estaduais), institutos, Cefet e Colégio Pedro II publicaram nota conjunta criticando
“qualquer tentativa de difundir uma sensação de normalidade falseada, como a manutenção do cronograma do Enem 2020”, diante da pandemia.
A reitora Denise Pires reforçou a mensagem no início desta semana. “Somos favoráveis ao adiamento do Enem”, disse em vídeo divulgado nas redes sociais. “A enorme maioria dos estudantes não teve os conteúdos do ensino médio. Esses alunos serão prejudicados sem o adiamento”, justificou.
Em um debate virtual com o reitor do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), Rafael Almada, também no dia 11, a reitora da UFRJ acrescentou que considera muito importante que outros estados se posicionem  em favor da saúde e da segurança dos candidatos. “É dramática nossa situação no Rio de Janeiro, mas também em todo o Brasil”, destacou, fazendo referência ao elevado número de casos e de mortes pela Covid-19.
Para piorar as perspectivas dos estudantes e demonstrar a inépcia do MEC em articular o exame nacional, há ainda a coincidência de datas.  O Enem digital, que será realizado em um modelo piloto pela primeira vez neste ano para 100 mil candidatos, coincide com as provas de dois dos principais vestibulares do estado de São Paulo: a primeira fase da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), no dia 22 de novembro, e a primeira fase da Fuvest, que seleciona para a USP (Universidade de São Paulo), no dia 29 de novembro.

ESPECIALISTAS E MOVIMENTOS DEFENDEM O ADIAMENTO
Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, o impacto negativo da pandemia sobre o aprendizado escolar é um fato, apesar das iniciativas para minimizar danos. Vencedor do Prêmio Darcy Ribeiro 2015, o professor da Faculdade de Educação da USP cita estresse, esgotamento e baixo rendimento, mesmo entre os que têm acesso a opções de ensino a distância.
Sobre o Enem, Cara argumenta que a manutenção do calendário “é cruel e prejudica, demasiadamente, os estudantes de escolas públicas”. O docente sustenta que “não há saúde mental para fazer a inscrição e responder às provas. Tampouco condições de aprendizado, com um ano letivo já prejudicado”.
WEB P6A 1128As entidades estudantis encamparam o adiamento das provas. A União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) entraram com um mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 11. “Sem as atividades de salas de aula das escolas, faltam as condições básicas de estudo. Sobretudo, para o jovem mais desfavorecido. A maioria não tem computador e internet suficiente em casa para acompanhar as aulas a distância”, resume Iago Montalvão, presidente da UNE. De acordo com o universitário, os estudantes cobram do MEC a constituição de um Comitê especial, com representações docente e discente para elaboração de um calendário alternativo.
A experiência da rede básica do Rio de Janeiro confirma as análises pessimistas. O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação tirou posição de apoio à campanha #AdiaEnem dos estudantes. “O que estamos vendo, a partir da proposta do ensino a distância para a rede estadual, é que menos de 30% dos estudantes acessaram alguma vez a plataforma. Turmas inteiras de 40 alunos não tiveram qualquer acesso.
Em regiões como o Complexo da Maré, o Google Classroom e afins são completamente irreais”, relata a diretora do sindicato, Maria Eduarda Queiroga.
A professora fala ainda sobre a perda de docentes. “A alternativa tem sido a distribuição de apostilas nas escolas. E, infelizmente, o maior número de mortes por coronavírus ocorre exatamente entre diretora e diretores escolares, que estão fazendo esse trabalho. O site do sindicato parece um obituário”, lamentou.

ESTUDANTE COMPARTILHA
DIFICULDADES E MEDOS
Aluna do terceiro ano do Colégio de Aplicação (CAp), Giulia Viegas tenta manter o foco no objetivo de conquistar uma vaga na universidade. E nem sempre é bem sucedida. “É complicado. A gente vai falando com os amigos, mas é tudo muito surreal e confuso. Conheço gente que fechou conta no Instagram, porque não se adaptou a aulas (de cursinhos) pela internet e não quer ficar vendo publicação de quem conseguiu”, explica.
A capiana conta que o segundo mês de isolamento está rendendo mais que o primeiro. Porém, emperrou nas limitações de estrutura. “Esse mês, eu comecei a estudar mais em casa. Mas tive que dar uma segurada por causa da internet”, relata. “Aqui em casa, não tem wifi. Eu roteio do celular para o laptop. E o meu plano é dividido com meus avós. Tive que reduzir para não deixar o pessoal sem”.
Para a jovem, o adiamento do Enem seria o mais justo. Ela diz que mesmo antes da pandemia, apenas uma parte dos alunos realizava atividades em casa com auxílio de equipamentos eletrônicos. “Sempre tinha gente que pedia para os professores trazerem as folhas de exercícios impressas. Agora vai ficar muito pior para essa galera”, exemplifica.
O CAp da UFRJ suspendeu as aulas, assim como as demais unidades da universidade. Mas construiu uma plataforma online com diversas atividades não curriculares para manter o vínculo com a comunidade escolar. A campanha pelo adiamento do Enem está nela, desde o anúncio de manutenção do cronograma pelo Ministério da Educação.
“O Enem, por si, já gera muita pressão sobre os alunos. São adolescentes, estão passando por muitas mudanças. E tem que tomar muitas decisões importantes para o próprio futuro”, analisa a diretora do CAp, professora Maria de Fátima Galvão. “E, ainda por cima, estão enfrentando uma pandemia. Alguns com parentes doentes ou falecidos. Com esse calendário, não há a menor condição”.

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