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WEB menor 1125 p4Arquivo Biblioteca NacionalPara professores do Instituto de História da UFRJ, a resposta é não. Embora sejam capazes de mexer com a economia e com a vida da população, crises sanitárias, na visão dos historiadores, não têm força para alterar estruturas políticas.
O Brasil de 1918 vivia a República Velha. O poder girava em torno das oligarquias do Sudeste, com alteranância entre São Paulo e Minas Gerais. O presidente Rodrigues Alves se preparava para assumir novo mandato na Presidência da República. Mas a gripe espanhola, que chegou nas terras brasileiras em setembro daquele ano, mudaria os rumos da política nacional. O presidente adoeceu em novembro. O vice, Delfim Moreira, assumiu seu lugar até que Rodrigues Alves pudesse retomar suas atividades. Mas a gripe matou Alves em janeiro de 1919. Novas eleições foram convocadas e Epitácio Pessoa venceu o pleito.
Apesar das peças mexidas no xadrez político nacional, historiadores consideram pequeno ou nulo o impacto da pandemia de 1918 na cena política brasileira. “O que podemos tirar de mais expressivo foi a eleição de Epitácio Pessoa, que era nordestino e, portanto, de fora do eixo Sudeste. Era esta a alternância de poder colocada até então”, pontua a professora Andréa Casa Nova, do Instituto de História da UFRJ.
Outros setores sociais, da classe média e populares, começam a disputar maior presença na cena nacional. Houve algumas greves, como a dos coveiros, por melhores condições de trabalho e salário. Depois de 1918 e toda a década de 20 que se seguiu, houve movimentações de trabalhadores exigindo mais espaço e representação política. “Mas não podemos afirmar que isto é consequência da gripe espanhola. O início da crise da Primeira República coincide com a gripe, mas também com o fim da Primeira Guerra, que é um acontecimento que mexe efetivamente com as estruturas políticas em todo o mundo”, explica Casa Nova.
O historiador Carlos Fico, também professor do IH e especialista em Brasil República, é mais taxativo. “Não houve uma mudança significativa do campo político. O sistema se manteve exatamente igual na República Velha”, afirma.
Para Fico, a crise sanitária que foi capaz de trazer à cena política novos atores foi a Revolta da Vacina, anos antes, em 1904. “Curiosamente, Rodrigues Alves era o presidente à época. Naquele contexto havia uma crise política colocada. Havia uma tentativa de golpe militar. A revolta popular foi usada politicamente e nós temos grande destaque de figuras do campo científico e da saúde. Em 1918 não houve essa efervescência”, compara o historiador.
O professor Marcos Bretas, também do IH-UFRJ, concorda com o colega. “Não houve uma transformação das relações de poder. Como não acho que vá acontecer agora”, afirma. “Uma crise sanitária não é capaz de mudar estruturas políticas”, destaca.
Ele acredita que a gripe espanhola gerou impacto menor para o país, se comparada à atual pandemia do novo coronavírus. “Vivemos uma pandemia no mesmo momento de uma crise política”, justifica. “A universidade, que estava sendo atacada e desacreditada, passa a ter centralidade no debate e nas medidas de enfrentamento à doença. Mas, todo esse protagonismo não é capaz de mudar o discurso do governo”, analisa o historiador.
Ele também compara o papel político da comunidade científica em relação à gripe espanhola e em relação à Revolta da Vacina. “Em 1918, não havia uma solução, como uma vacina ou um remédio. Os embates na comunidade científica foram, portanto, menos evidentes que na ocasião da Revolta da Vacina. Em 1904, todo aquele caldo foi usado contra o presidente da República. Algo que não aconteceu em 1918”.
Se epidemias do passado não mudaram estruturas políticas, eles tampouco acreditam que a atual crise sanitária poderá ser capaz de modificar a rota do país. “Diante de episódios muito trágicos, há uma congregação no imaginário social de que é necessária uma nova forma de viver. A sociedade passa a afirmar que tudo vai ser diferente. Mas, não é verdade”, defende Carlos Fico.
A crise econômica e social gerada a partir da pandemia, ele acredita, não trará mudanças estruturais. Nem à esquerda, nem mais à direita. “Estamos diante de um governo que é uma mistura explosiva de despreparo e autoritarismo”, diz o docente.
Apesar da tendência autoritária, Fico não acredita em golpe do governo Bolsonaro. “A sociedade tem condições de reagir. Por outro lado, também não haverá maior solidariedade”.
A professora Andréa Casa Nova também não acredita em rupturas no Brasil, mas está reticente em relação ao mundo. “Eu acho que no nosso caso atual não vai mudar nada”. E acrescenta: “Não dá para dizermos o que será, mas se olharmos para as experiências do passado, vemos após a gripe espanhola e o fim da Primeira Guerra a ascensão de governos nacionalistas, fascistas. Vemos o nazismo”, lembra. “Ao invés de as mortes – pela guerra e pela gripe – indicarem um caminho de solidariedade entre os povos, o que aconteceu foi a ascensão do autoritarismo”, finaliza a docente.

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