A professora Heloiza Costa Brambati, aposentada do Colégio de Aplicação da UFRJ e reconhecida tradutora de Francês, infelizmente faleceu em 30 de março deste ano, aos 84 anos, sem ter recebido o que era seu direito assegurado pela lei e pela Justiça. No momento mais delicado de sua vida, já fragilizada e enfrentando um câncer, ela teve negado pela universidade o que seria um último conforto e alento para quem dedicou sua vida a ensinar gerações.
Ela tinha direito à incorporação do Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC) ao seu contracheque de aposentada como mestra. Depois de recolher documentação de toda uma vida e de ter sido aprovada pela banca do Colégio de Aplicação, a Seção de Inativos da PR-4 declarou o pleito “indeferido por falta de amparo legal”. Heloiza não é um caso isolado. Ela sintetiza a luta de outras 22 docentes que aguardam sem definição o recebimento da retribuição.
A decisão judicial favorável à professora Heloiza e a um grupo de mais de 70 docentes é de 2022, fruto de ação coletiva da AdUFRJ. Em novembro do mesmo ano, a Pró-reitoria de Pessoal assinou compromisso legal de implementar a RSC em até 15 dias, mas nada aconteceu.
Para buscar uma solução para a longa espera, oito professoras aposentadas se reuniram com a direção e com a assessoria jurídica da AdUFRJ na última sexta-feira, 30 de maio. “Este é um interesse vital para nós aposentadas, pois temos enorme defasagem salarial e a RT representa muito no nosso salário”, explicou a professora Laura do Amaral Mello.
Ao todo, 73 docentes aposentados do CAp poderiam receber a RSC. A lista inclui docentes dos 67 aos 90 anos. Todos têm direito à paridade com os ativos. Muitos deles estão bastante adoecidos.
Até agora, somente 23 conseguiram juntar toda a documentação necessária para dar seguimento ao processo interno à UFRJ. Para receber os valores do RSC, é necessário comprovar que sua vida acadêmica foi equivalente à retribuição por titulação pleiteada (mestrado, se têm especialização; doutorado, se têm mestrado). A primeira dificuldade é justamente juntar documentos de uma época em que nada ou quase nada era digitalizado. “Fui pedir minha documentação na UFRJ e me responderam que não tinham porque o oitavo andar pegou fogo. Meus documentos se perderam naquele incêndio (2016)”, contou a professora Manuela Quintáns, que já foi diretora do Colégio de Aplicação. “Esse é um exemplo da dificuldade”.
O passo seguinte é ser aprovado por uma banca formada por dois professores do CAp e dois professores externos à UFRJ. “Essa é uma etapa complicada. Tem sido muito difícil conseguir os avaliadores externos”, revelou a professora Angela Fonseca. Dos 23 que juntaram a documentação, nove já foram aprovados – sete mulheres e dois homens –, mas os processos aguardam resposta da PR-4 desde setembro do ano passado. Outras 14 professoras esperam a formação das bancas.resiliência em meio à dor Professoras aposentadas do CAp se reuniram com a diretoria na sede da AdUFRJ, no dia 30 de maio - Foto: Silvana Sá
LUTA JUSTA
Há anos, os professores do CAp têm direito à licença para qualificação, mas essa não era a realidade vivida pelas professoras que fazem parte do grupo que pleiteia a RSC. “Hoje, os professores têm mestrado com liberação, doutorado com liberação e isso é absolutamente justo e fruto de uma luta que nós travamos”, afirmou a professora Laura. “A gente não tinha liberação para se qualificar. Nosso trabalho era integral. Muitas de nós fomos desencorajadas tamanha luta. Não restava fôlego para se titular. Não bastasse isso, hoje não vemos a concretude desse reconhecimento”, lamentou.
“Não se trata de progressão. É o direito sobre a RT no nosso salário”, pontuou a professora Militza Putziger. “No meu caso, seria um acréscimo de R$ 4 mil”, revelou. “Essa desproteção desde setembro passado é inconcebível. Parece-nos que estamos numa linha de direito indiscutível, mas nada acontece”, completou a professora Laura.
Há docentes na lista gravemente doentes, que lutam contra o tempo para receberem o que a Justiça já lhes garantiu. “Temos colegas em situação muito difícil e esse dinheiro seria muito importante para comprar remédios, para melhorar a vida”, contou a professora Marlene Medrado. Seu processo também está finalizado, mas sem resposta da Pró-reitoria de Pessoal.
“Trata-se de descumprimento de decisão judicial”, pontuou o advogado Renan Teixeira do escritório Lindenmeyer Advocacia, que presta assessoria jurídica à AdUFRJ. “Vamos mediar a situação junto à PR-4 e ao CAp para que a determinação seja cumprida”, garantiu.
A professora Mayra Goulart, presidenta da AdUFRJ, entrou em contato informalmente com a PR-4 durante a reunião e foi informada de que o CAp enviou os processos para o setor errado, mas não explicou o motivo de o processo da professora Heloiza ter sido indeferido. “Vamos fazer uma diligência junto a Pró-reitoria de Pessoal para que esses pagamentos sejam realizados. Também entraremos em contato com a Comissão Permanente de Pessoal Docente do CAp para que os próximos processos sejam enviados diretamente para o gabinete da pró-reitora”, disse Mayra.
Procuramos a PR-4 para uma resposta formal à reportagem, mas não obtivemos retorno até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto.