Denise Pires de Carvalho, presidente da Capes e ex-reitora da UFRJ, ministrou aula inaugural da pós-graduação na última terça-feira, dia 8 de abril, no Centro de Ciências da Saúde. A palestra lotou o auditório Quinhentão. Em mais de duas horas e quase 70 slides, Denise mostrou os rumos do sistema nacional de pós-graduação e apresentou o quadro da pós na UFRJ.
Os dados indicam que o Brasil ainda precisa amplia muito seu sistema de pós-graduação para se equiparar ao conjunto de países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Há urgência em reduzir a desigualdade regional entre os programas.
Os números desmontam a falácia da extrema direita de que o país “forma muitos mestres e doutores”. Na realidade, o Brasil forma duas vezes menos doutores do que a média dos países que compõem a OCDE. A média brasileira é de 11,2 por cem mil habitantes, enquanto a média OCDE é de 22,9 por cem mil habitantes.
Outros dados apresentados por Denise Pires de Carvalho dizem respeito à queda de bolsas de programas de conceitos 6 e 7 no país. O impacto negativo se deve à ociosidade desses benefícios, que ficaram em torno de 80% de utilização. “O modelo recompensa programas que tenham taxas mais altas de utilização de suas bolsas, que estejam em regiões com menor IDH e tenham mais titulações de mestres e doutores”, explicou. “São 10 mil bolsas ociosas em todo o país. Orçamento que não é executado, é cortado”, afirmou.
As limitações orçamentárias também foram tema da aula inaugural. “Para aumentar em 5% o valor das bolsas, com o orçamento atual, teríamos que cortar quatro mil benefícios e nós não queremos cortar número de bolsas”.
Pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa, o professor João Torres elogiou a apresentação da presidente da Capes. Segundo Torres, a UFRJ está num bom caminho em relação às bolsas recebidas pela agência de fomento. “De todas as agências federais, a Capes é a mais importante para a PR-2, pois ela não só financia, mas cuida da qualidade da pós-graduação”, apontou. “Temos uma relação muito próxima”.
No entanto, o pró-reitor revelou algumas preocupações. Uma delas, as bolsas ociosas. “Nós reconhecemos o esforço da agência na redistribuição de bolsas ociosas. É um problema para nós, mas, de fato, é recurso público que não pode ficar parado”, defendeu.
Outra preocupação do dirigente é em relação à queda na média das defesas de mestrado e doutorado na UFRJ. “Vamos ter a avaliação quadrienal e essa redução certamente aparecerá. Ainda não sabemos como impactará os programas, que podem ter redução de bolsas e até queda seu conceito”, apontou. “Acreditamos que essa redução ainda é resquício da pandemia, período em que todos os prazos de defesa foram ampliados em dois anos”, disse.
Antes de iniciar a aula inaugural, a presidenta da AdUFRJ, professora Mayra Goulart, entregou uma carta da diretoria do sindicato cobrando mais bolsas para a UFRJ. O documento aponta perda de 110 bolsas Proex (destinadas a programas 6 e 7) e 99 de Demanda Social (de programas 3, 4 e 5). Embora os cortes se relacionem com bolsas ociosas, o sindicato solicitou que elas fossem remanejadas para outros programas da própria universidade. Veja a íntegra da carta abaixo:
"À Presidente da Capes,
Professora Denise Pires de Carvalho
Saudações cordiais, professora Denise. A Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes é uma das mais importantes agências de fomento à pesquisa do país, responsável por 79% das bolsas de pós-graduação distribuídas no Brasil e co-responsável pelo desenvolvimento científico nacional. Há, no entanto, uma demanda retraída gigantesca, inclusive na UFRJ.
Em 2014, a Capes chegou a atender, em média, 42% dos pós-graduandos do país. Em que pese o aumento da inserção de jovens na pós-graduação, houve de fato uma redução dos investimentos e, consequentemente, cortes de bolsas, o que fez cair para 32% a média da cobertura nacional. Hoje, felizmente, vivemos um processo de retomada, com alcance médio a 37% dos mestrandos e doutorandos do país.
Ainda assim, se faz necessária a contínua ampliação do investimento na pós-graduação, com olhar mais cuidadoso para a formação de mestres. É nesta faixa da formação acadêmica que está a menor incidência de bolsas da Capes, cerca de 30%. Os doutores são atendidos em 42%, segundo os dados da instituição.
Na UFRJ o cenário não é diferente. Dos quase 15 mil pós-graduandos na modalidade stricto sensu, somente 3.071 são atendidos com bolsas Capes. Um número bem abaixo da demanda necessária à plena formação desses estudantes. Quando olhamos para a formação de mestres e doutores, apenas 1.642 são atendidos durante o mestrado, enquanto 2.079, são atendidos no doutorado.
No caso das bolsas do Programa de Excelência Acadêmica (PROEX), a UFRJ teve uma perda de 30 benefícios para o mestrado e 80 no doutorado. A instituição também perdeu 99 bolsas de doutorado DS - Demanda Social, destinadas aos programas 3, 4 e 5. Ainda que se tratassem de bolsas ociosas, acreditamos que elas poderiam ser remanejadas para outros programas da própria universidade, ao invés de deixarem de constar do número total da UFRJ.
Os números revelam as limitações orçamentárias pelas quais passam os setores ligados à Educação e à Ciência e são um alerta sobre o quanto a pós-graduação brasileira precisa de apoio e incentivo.
A AdUFRJ está atenta a esta demanda que é de estudantes e professores, pois a pesquisa nacional é feita em grande parte pelos nossos alunos de pós-graduação. Sem eles, não há pesquisa, não há desenvolvimento nacional.A diretoria da AdUFRJ reconhece os esforços da Capes, mas reitera que a ampliação das bolsas é essencial para a valorização de uma pós-graduação comprometida com a qualidade e com a inclusão.
Respeitosamente,
Diretoria da AdUFRJ"
Veja mais detalhes da apresentação da professora Denise Pires de Carvalho
Brasil forma duas vezes menos doutores do que a média dos países que compõem a OCDE
“A pós-graduação é motor do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. O Brasil ainda precisa aumentar muito a formação de mestres e doutores. Por ano, nosso país forma dez vezes menos mestres do que a média dos países da OCDE. Em relação aos doutores, em média, nós formamos duas vezes menos por cem mil habitantes, do que a média da OCDE. Estamos em último lugar na formação de mestres e em antepenúltimo em formação de doutores dentre os países-membros. Precisamos de financiamento para mudar esse quadro.”
A UFRJ manteve nos últimos anos a proporção de matrículas de mestrado e doutorado
“Desde 2015, as taxas de matriculados na pós-graduação da UFRJ permaneceram relativamente estáveis, com pequenas oscilações até 2020, quando começa a pandemia. Nos anos de 2021 e 2022 cresce o número de matriculados na pós. Este não é um número que expressa somente as novas matrículas, pois tem relação com a retenção de mestrandos e doutorandos nesse período. Todos os programas prorrogaram prazos, que impactaram também esses números.”
Número de titulações reduziu durante a pandemia. Gráfico demonstra pequena recuperação em 2023
“A capacidade de titulação dos programas é o fator que mais está impactando na distribuição de bolsas, já que a nota não mudou na última quadrienal e o IDH dos locais onde as instituições estão localizadas também não mudou. Nosso cálculo leva em conta a média de titulações nos quatro anos anteriores. Cada programa é avaliado de acordo com a média da sua área. Quem titula mais, ganha um percentual maior no cálculo. Quem titula menos, ganha menos. A UFRJ apresenta uma recuperação em 2023, mas a queda é muito acentuada em 2020, 2021 e 2022.”
UFRJ perderá bolsas em 2025, mas perde menos do que a média do sistema nacional de pós-graduação
“A maior parte dos programas de pós-graduação da UFRJ é de excelência. De todos eles, vinte programas (10%) da universidade devem perder bolsas em 2025. Quatro deles são Proap e 16 são Proex. Apesar do corte, a universidade perde menos do que a média de todo o sistema, que é de 20%. A UFRJ perderá por dois motivos: ou porque titulou menos até 2023, ou porque não utilizou a bolsa. São esses os dois principais critérios para essa conta. Mas temos um quantitativo maior de programas que vão ganhar benefícios.”
Valor investido em bolsas em 2023 e 2024 tem a ver com o reajuste dos benefícios e o aumento das concessões
“A UFRJ é um retrato do Sistema Nacional de Pós-Graduação, porque é uma universidade enorme. A Capes é responsável por 79% das bolsas de pós-graduação em todo o país e essa importância se reflete também na UFRJ. O valor investido tanto no Brasil quanto na universidade aumentou em 2023 e 2024 por dois fatores: aumento no número de bolsas, mas principalmente, aumento do valor dessas bolsas, que foram reajustadas tanto para mestrado, quanto para doutorado, em 2023.”
A Capes privilegia e financia mais os programas de pós-graduação de Excelência Acadêmica
“Não é verdade que a Capes não valoriza os programas de excelência. Cursos 6 e 7 têm uma concessão maior de bolsas, então nossa distribuição é maior para os cursos de excelência. O nosso modelo de concessão privilegia a maior nota. Mais uma vez, a UFRJ reflete a situação nacional, com mais concessões Proex. Em 2024, o custeio para esses programas de excelência é mais de duas vezes maior do que as bolsas Proap concedidas. Apesar de todos os cortes, temos mantido nosso compromisso em fortalecer a pós-graduação.”