Foto: DivulgaçãoHá mais de vinte anos na Advocacia-Geral da União (AGU), a procuradora Flávia Corrêa Azeredo de Freitas atua em ações judiciais que envolvem autarquias e fundações federais do Rio e do Espírito Santo. Muitos destes processos são ligados a universidades. Como reconhecimento da expertise administrativa, Flávia foi convidada e escrever um artigo, divulgado dia 9 no site Consultor Jurídico, com propostas para aperfeiçoar o modelo de financiamento das instituições federais. Em entrevista ao Jornal da AdUFRJ, Flávia aprofunda aspectos do texto que chamou a atenção da comunidade acadêmica neste início de ano. Ex-aluna da Faculdade Nacional de Direito, mestre pela UFF e fazendo o doutorado na USP, ela entende o valor de um ensino superior público de qualidade. “Mesmo com orçamento deficitário, a UFRJ conseguiu se manter entre as melhores universidades do país e do mundo. É plausível esperar que, com recursos adequados, a entrega da Universidade para o Estado e a sociedade seja maior”, afirma.
Jornal da Adufrj - O que motivou a senhora a escrever o artigo “Custos sistêmicos do subfinanciamento da UFRJ e propostas corretivas”?
Flávia Corrêa Azeredo de Freitas - Por conta da minha experiência com contencioso administrativo prioritário, atuei em algumas ações envolvendo corte de serviços essenciais nas universidades públicas. Quando surgiu o convite do meu orientador do doutorado para escrever um artigo para a coluna que ele coordena no Consultor Jurídico, resolvi estudar o tema — que tem sido recorrente — com mais profundidade.
O interesse surgiu pois, além de estar no mundo acadêmico por conta do doutorado, a desjudicialização é um dos temas que despertam meu fascínio como pesquisadora. Tomando um caso real, resolvi explorar as potenciais soluções para evitar a discussão judicial de uma relação que deveria ocorrer dentro da normalidade administrativa, entre Poder Público e concessionária.
Por que é importante resolver o problema de financiamento da UFRJ e de outras federais?
O artigo buscou trazer à tona os custos sistêmicos da judicialização em torno do subfinanciamento das universidades. A conta fica mais alta com o pagamento da dívida corrigida, acrescida de juros e honorários. A ameaça de corte de algum serviço essencial, como água e luz, direciona toda a atenção da gestão universitária para o problema, comprometendo a organização e planejamento da universidade com demandas importantes e relacionadas às suas finalidades. Há o risco no comprometimento de pesquisas e na interrupção das aulas. Há reflexos negativos no orçamento das concessionárias, com a imprevisibilidade, faltas e atrasos dos pagamentos. E há ainda o abalo emocional das pessoas envolvidas com a solução do problema.
Mesmo com orçamento deficitário, a UFRJ conseguiu se manter entre as melhores universidades do país e do mundo. É plausível esperar que, com recursos adequados, a entrega da Universidade para o Estado e a sociedade seja maior.
A senhora fez graduação na FND. Há um pouco de afeto no artigo para a resolução do problema das universidades, em especial da UFRJ?
Sim, sou egressa da Faculdade Nacional de Direito, onde tive excelentes professores e fiz amizades que duram até hoje. Fiz mestrado na UFF, universidade que tem sede em Niterói, cidade onde nasci e resido e faço doutorado na USP. Não posso negar que há um componente afetivo, mas, sobretudo, pelo ensino superior público, pois foi boa parte em razão dele que alcancei a posição social e profissional que ocupo hoje. A educação de qualidade é fundamental para o desenvolvimento social e falo isso no artigo. De outro lado, há um desejo de compreender a situação conflituosa como um todo, muito em razão da minha formação em mediação e negociação de conflitos.
No artigo, a senhora menciona o financiamento da USP, que é atrelado ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), como uma ideia a ser debatida para as federais.
Atrelar o financiamento das IFEs a algum percentual do orçamento público pode ser um elemento de solução do problema, mas não deve ser considerado como a única solução. A Constituição estabelece percentuais mínimos para investimento em educação a serem observados pela União, Estados e Municípios, mas não há percentual mínimo atrelado ao ensino superior, como há para a educação básica. Além da vinculação orçamentária é preciso ampliar o leque de possibilidades de recursos para fazer frente às necessidades de ensino, pesquisa e extensão das universidades. Problemas complexos demandam soluções criativas.
A senhora pode dar um exemplo?
No doutorado da USP, tive aula em uma sala bem bonita e reformada, que recebeu o nome de uma grande processualista, a professora Ada Pellegrini Grinover. Ela foi reformada após uma parceria da faculdade com escritórios de advocacia, cujos membros estudaram na USP e tiveram aula com a professora, já falecida, e o Instituto Brasileiro de Direito Processual. Na Faculdade de Direito da USP é possível encontrar, além dessa sala, outros ambientes reformados no âmbito do projeto Adote uma Sala. O projeto é gerido pela Associação dos Antigos Alunos. Sinto que há espaço para explorar (no bom sentido) esse lado afetivo, retributivo e de pertencimento de profissionais destacados com a faculdade pública que os formou. Não apenas na área do Direito, como em outras áreas também.
Mas essas iniciativas são criticadas por setores que dizem que as universidades devem ser financiadas apenas pelo Estado.
Precisamos ter uma visão ampla. O poder público tem suas obrigações, assim como a sociedade civil. Se você puder despertar o interesse e o engajamento da sociedade civil para resolução de problemas que a afetam, isso faz parte da democracia. Se houver uma segurança jurídica para que essa parceria ocorra, eu não vejo problema algum.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação também deveria participar das despesas correntes das universidades?
Não me parece razoável impor apenas ao MEC a obrigação de envio de recursos orçamentários às universidades, pois elas não têm a função apenas de educação, mas de pesquisa e extensão também. Considerando que, a exemplo da realidade da UFRJ, os grandes consumidores de energia são os laboratórios, cuja finalidade é principalmente o desenvolvimento de pesquisa em prol do avanço da ciência, creio ser possível uma construção jurídica que englobe a participação do MCTI no custeio das despesas correntes dos laboratórios. A forma de participação pode, inclusive, se dar pelo custeio de painéis solares ou outras formas de inovação tecnológica que reduzam os custos dos serviços essenciais.
Como tirar essas ideias do papel?
A Rede de Mediação e Negociação (Resolve) foi criada pelo Decreto 12.091/2024. Tem a finalidade de conectar diversos atores para buscar solução de um problema complexo envolvendo uma política pública. O comitê gestor tem a função de realizar a articulação interinstitucional necessária e será instituído por ato das autoridades máximas da Advocacia-Geral da União, da Casa Civil da Presidência da República, do Ministério da Fazenda e do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Penso que o subfinanciamento das universidades federais com todos os problemas dele decorrentes, incluindo a judicialização, possa ser tema a ser tratado na Resolve.