O professor Marco Antônio Sousa Alves tomou um susto quando recebeu seu projeto “revisado” pela agência de fomento norte-americana Fulbright. Intitulado “O dilema da teoria crítica do Direito: desafios contemporâneos”, o projeto teve seu texto original alterado. Várias palavras e expressões estavam cortadas e teriam que ser substituídas para que o projeto tivesse garantido seu financiamento.
Os autores — além de Marco, a professora Lorena Martoni, também da UFMG — se indignaram com as alterações. “O projeto ficaria todo descaracterizado”, diz Marco, que é professor de Teoria e Filosofia do Direito e do Estado da federal mineira, onde é subcoordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito. Doutor em Filosofia pela UFMG (2014), com estágio na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS/Paris), Marco é também vice-presidente do APUBH, o sindicato dos professores da UFMG, e acha que o momento é de resistência ao pacote anticiência trumpista. Nesta entrevista, ele revela os bastidores da censura ao projeto e afirma que a academia e as instituições científicas não podem aceitar a “cruzada censória” de Trump.
Foto: Arquivo PessoalJornal da AdUFRJ - Como começou a relação com a agência Fulbright?
Marco Antônio - No ano passado houve uma chamada da Fulbright para um programa de cátedra de curta duração, o Fulbright Specialist Program, no qual podemos convidar um professor norte-americano para ficar de 15 a 45 dias aqui no Brasil. Eu e a Lorena (Martoni) submetemos um projeto para trazer o professor Bernard Harcourt, da Universidade de Columbia, um teórico crítico especialista em Michel Foucault. O projeto foi contemplado, estava tudo certo.
Até que Donald Trump assumiu...
E mudou tudo. A gente já estava agendando a vinda dele, que seria em abril, mas na sexta-feira passada (7) a gerente da Fulbright Brasil entrou em contato, muito constrangida, dizendo que tínhamos que fazer adequações no projeto. No primeiro momento, ela deu a entender que era uma mera formalidade para atender à nova diretriz do governo norte-americano. E que, feitos os ajustes, o projeto poderia prosseguir sem problemas.
E que ajustes eram esses?
Quando ela enviou o projeto glosado por e-mail é que nós percebemos o absurdo da situação. Termos como “human rights”, “oppressions of gender, class, and race”, “crisis of democratic principles”, “social emancipation”, “systems of oppression”, “promotion of social justice”, “ecological crisis” e até “cross-cultural interactions” foram cortados. Sobrou pouca coisa do original, foi censura do início ao fim. Como um projeto de ciência social não pode investigar questões de raça, classe, gênero? É uma loucura, uma situação bizarra.
E qual foi a reação de vocês depois da censura?
Conversei com a Lorena e a gente entendeu que o melhor era denunciar isso. Não é possível ignorar, como se nada estivesse acontecendo. Porque isso vai virar uma escalada. Não posso me esconder em relação a isso. A gerente da Fulbrigth está numa situação difícil, ela está tentando salvar os projetos que foram contemplados aqui no Brasil. Mas isso é uma mutilação.
Ela deve estar sendo pressionada como estão outros agentes do governo, não?
Sim. As delações estão sendo incentivadas. Entre os pesquisadores estrangeiros, por exemplo, há receio de que vistos possam ser revistos, além de financiamentos cortados. Entendo a situação de vários colegas que dependem da Fulbright e que ficam calados porque têm medo de perder a bolsa, precisam terminar o doutorado, estão morando no exterior, com a família toda lá. Eles ficam com medo de falar e serem prejudicados. Eu não dependo da Fulbright para nada. Se o projeto perder o financiamento, a vida segue. Não posso aceitar isso calado.Tenho que denunciar.
A reação às medidas ainda é tímida, sobretudo nos Estados Unidos. E sua postura vai contra esse silêncio. O caminho é resistir?
Eu entendo, e é o que eu estou tentando fazer, que o melhor é uma reação, uma resistência pública e imediata para tentar fazer o governo Trump recuar. O caminho não é aceitar os termos que eles estão imputando, que são inconstitucionais, inclusive. Eu acho que as pessoas que estão em condição de falar, e esta é a minha condição, têm que fazer isso e tentar fazer eles recuarem. Eu acho que é um precedente muito perigoso ser permissivo com essa cruzada censória de Trump.