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WhatsApp Image 2025 02 14 at 15.24.10O cerco à Ciência imposto pelo presidente norte-americano Donald Trump desde a sua posse, em 20 de janeiro, já produz efeitos nocivos no Brasil. Em menos de uma semana, o Jornal da AdUFRJ identificou três casos de pesquisadores brasileiros impactados pelas medidas de retenção de verbas e restrição à autonomia de agências de fomento e instituições de pesquisa dos Estados Unidos (veja na página 3 as principais medidas).

Dois casos envolvem professores da UFRJ. O mais grave é o de uma docente do Instituto de Física — a pedido dela, seu nome não é divulgado. Ela estava de malas prontas para passar um ano em uma universidade dos EUA como visitante, com bolsa de pós-doc da National Science Foundation (NSF), e já tinha pedido seu afastamento da UFRJ. Mas, esta semana, recebeu uma mensagem da NSF dizendo que a bolsa tinha sido suspensa. “A bolsa fazia parte de um projeto da NSF e esses projetos estão passando por revisão para se adequarem às ordens do novo governo”, lamentou a docente, que tem esperança de que a bolsa seja liberada após a revisão.

O segundo exemplo é um caso de autocensura. Um professor de um instituto ligado ao CCJE deu entrevista ao Jornal da AdUFRJ na terça-feira (11). Entre outras reflexões, ele afirmou que “as recentes restrições impostas pelo governo Trump à ciência representam um ataque direto à liberdade acadêmica e à autonomia das instituições de pesquisa”. Na quarta (12), o professor fez um pedido ao repórter: “Acabei de saber que recebi uma bolsa para fazer pós-doutorado nos Estados Unidos. Confesso que estou com receio, pela bolsa ser do governo americano, e prefiro que minha entrevista não seja publicada”.

PROJETO CENSURADO
Se os dois casos da UFRJ envolvem bolsas de pós-graduação, o da UFMG tem relação direta com um projeto financiado. Os professores Marco Antônio Sousa Alves e Lorena Martoni, da Faculdade de Direito da UFMG, contemplados em 2024 com uma bolsa da agência Fulbright, foram informados sexta-feira passada (7) de que o projeto teria de ser alterado. As mudanças — entre elas a supressão de termos como “Human Rights” e “oppressions of gender, class, and race” — mutilariam o projeto e os autores não as aceitaram (leia entrevista com o professor Marco Alves na página 4).

A Fundação Fulbright foi criada em 1946 nos Estados Unidos e atua desde 1957 no Brasil. A principal fonte de financiamento da Fulbright é uma verba anual do Departamento de Estado dos EUA. Os recursos da agência sofrem restrições impostas pelo governo Trump.
A Fulbright informou que “consultas sobre esse assunto estão sendo tratadas diretamente com a Embaixada dos EUA”. Já a assessoria de imprensa da Embaixada dos Estados Unidos informou que, tanto a embaixada quanto os consulados, “estão revisando os programas e parcerias para garantir que estejam alinhados com a política externa dos EUA e de acordo com a agenda America First”.

SILÊNCIO E REAÇÃO
O temor de perder bolsas ou ter projetos interrompidos é uma das consequências mais visíveis do pacote trumpista. Pesquisador com larga experiência em colaborações internacionais, o professor Pedro Lagerblad, do IBqM/UFRJ, acredita que seus colegas nos Estados Unidos estejam sendo monitorados. “Tenho até receio de falar algumas coisas por telefone com eles. Há um sentimento de perplexidade. Para quem trabalha com temas ligados a minorias ou equidade de gênero, por exemplo, é muito difícil. Essa turma está na primeira linha de embate. A capacidade de reação das pessoas ainda é pequena”, avalia Pedro.

A presidenta da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, vê a situação com indignação. Com pós-doutorado na University of Southern California (1977) como bolsista do National Institute of Health (NIH) — atingido diretamente pelas medidas de Trump —, ela vislumbra tempos sombrios. “O que me preocupa, entre outras questões, é que há um ambiente persecutório. E você vê um silêncio conspícuo nos Estados Unidos. As manifestações contrárias são de fora de lá. Tudo é muito assustador, mas também me assusta o silêncio”.

Entre os mais firmes posicionamentos está o da revista britânica Lancet, uma das mais conceituadas no meio científico. Em editorial de 8 de fevereiro, intitulado “Caos americano: em defesa da saúde e da medicina”, a Lancet sustenta que a comunidade científica não pode aceitar passivamente as medidas: “É imperativo que as instituições de saúde não se deixem amedrontar e confrontem as políticas nocivas do presidente americano. Este momento é um teste. Como nossa comunidade deve reagir? O resultado imediato tem sido confusão, perturbação e desorientação, mas a resposta não pode ser ditada pelo medo ou pela resignação”.

Superintendente geral de pós-graduação e pesquisa da UFRJ, o professor Felipe Rosa também estranha a falta de reação nos Estados Unidos. “Passei três anos no Laboratório Nacional de Los Alamos, e não havia nada nem remotamente parecido com o que está acontecendo com Trump. Fazíamos discussões francas, com muitos estrangeiros, sem interferências. É chocante ver isso acontecendo com universidades. Está faltando um mínimo de resistência. O conformismo de muitas pessoas envolvidas faz lembrar o nazismo, que também contou com uma aprovação progressiva e silenciosa. A reação tem sido muito pacífica”, diz Felipe.

Professor emérito da UFRJ, Ricardo Medronho acredita que Trump queira impor uma agenda de extrema direita à produção intelectual norte-americana. “Essa cartilha determina que sejam atacados professores universitários, universidades públicas e centros de pesquisa, pois, em sua visão distorcida da realidade, ele acredita que professores e pesquisadores são comunistas e que, por isso, precisam ser combatidos. Surpreende-me a fragilidade das universidades, centros de pesquisa e de ajuda humanitária dos Estados Unidos, pois todas estão seguindo fielmente as determinações do Trump”, diz Medronho. “Isso nunca aconteceria nas universidades públicas brasileiras, pois temos autonomia”, complementa.

TRISTEZA E RECEIO
De forma geral, os cientistas brasileiros temem que a retenção de recursos e a suspensão de programas possam ruir com pesquisas em curso. Fundador e professor titular do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (Nupem/UFRJ), Francisco Esteves vê com preocupação as restrições impostas à NSF. “É uma instituição que há décadas mantém intercâmbio com o Brasil, fomenta a instalação e manutenção de equipamentos, e a compra de materiais para a área de Ciências Biológicas, por exemplo. Grande parte dos pesquisadores da UFRJ e do Brasil vai para os Estados Unidos para se qualificar e volta para cá para formar novos profissionais. É motivo de muita tristeza para toda a comunidade científica brasileira”, lamenta Esteves.

Diretor da AdUFRJ e também do Nupem, Rodrigo Fonseca concorda: “É muito grave porque os Estados Unidos recebem muitos brasileiros. Recentemente, o CNPq abriu um edital de colaborações do Brasil com outros países, muitas delas com os Estados Unidos. E há realmente uma caça às bruxas por lá, muitos professores têm medo até de receber e-mails com certos termos que passaram a ser monitorados”.

Para o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, as medidas compõem “uma ofensiva contra o conhecimento, uma oposição à verdade científica”. Em editorial no Jornal da Ciência, da SBPC, em 24 de janeiro, ele destaca: “Se uma potência como os Estados Unidos caminha para o obscurantismo e dominância de poder, cabe à Ciência, cada vez mais, lutar e conscientizar sobre o papel político e o impacto social de sua governança”.

Na visão da pesquisadora Natalia Pasternak, professora da Universidade de Columbia (EUA) e presidente do Instituto Questão de Ciência, os reflexos das medidas para o mundo são imensuráveis. “Tudo o que acontecer com os cortes de agências norte-americanas vai afetar o resto do mundo. Cortes no NIH afetam desenvolvimento de colaboração científica. A própria vacina da dengue do Butantã foi desenvolvida em parceria com o NIH. É triste e de uma crueldade ímpar: imagine quantos programas de AIDS, malária e tuberculose na África simplesmente pararão de existir?”, questiona.

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