A noite de 10 de dezembro foi de celebração a um dos maiores nomes da música popular brasileira. Gilberto Gil, imortal da Academia Brasileira de Letras desde 2022, recebeu das mãos do reitor Roberto Medronho o título de Doutor Honoris Causa da UFRJ. A sessão solene do Conselho Universitário aconteceu na Escola de Música. “Muito obrigado a todos vocês que estão aqui hoje. Esse é um momento de encontro afetivo, emotivo, emocional”, descreveu Gil, logo após receber a diplomação.
A cerimônia ocorreu no salão Leopoldo Miguez e foi emocionante. Jovens e veteranos talentos de programas de extensão da Escola de Música apresentaram obras do vasto repertório de Gil. Tempo Rei, Realce, Drão, Lamento Sertanejo foram algumas tocadas e cantadas nas apresentações aclamadas pelo público.
Em seu discurso, Gilberto Gil agradeceu a concessão do título e as homenagens da noite. Ele contou que, dois dias antes, esteve na casa de um amigo para uma confraternização. Na despedida, ele se referiu ao anfitrião como doutor. “Ele sorriu, abraçou-me e retrucou: ‘Não, eu não sou doutor. Doutores são todos esses aqui nesta festa; médicos, advogados, economistas, pessoas de sólidas carreiras. Afinal, sentaram nos bancos da universidade que a eles conferiu formais e merecidos títulos de doutor. Eu sou apenas um homem simples que, a despeito de ter obtido sucesso como empreendedor, tive minha formação restrita ao dia a dia do trabalho árduo e ao aprendizado intuitivo’”, lembrou Gil.
Ele prosseguiu. “Eu sorri, num gesto de acolhimento compreensivo às suas palavras, e retruquei: eu me habituei a chamar de doutor a muitos por quem tenho admiração, a quem dedico uma afeição sincera. E a quem vejo como cúmplices e parceiros de vidas intensas e criativas”, contou Gil. “Hoje, eu tomo esse título como assemelhado ao tratamento de doutor atribuído por mim à porta da casa de meu amigo, anteontem”.
Antes de começar a discursar, o artista pediu que equalizassem o microfone, para que pudesse ser melhor compreendido pela plateia. “Quero que vocês entendam mais claramente minhas breves palavras”. Ele tinha razão. Os microfones estavam muito baixos e não davam conta da amplitude do espaço, o que dificultou o entendimento de grande parte das falas.
Com pouca estrutura para receber um grande público no histórico e castigado prédio da Escola de Música, a universidade não fez uma ampla divulgação da cerimônia. Nem transmitiu ao vivo o evento em seus canais oficiais. A expectativa é que a gravação de toda a sessão solene do Consuni esteja disponível no Youtube da UFRJ para a sociedade, nos próximos dias.
TEMPO, TEMPO, TEMPO
Anfitrião da noite, o diretor da Escola de Música, professor Ronal Silveira, resumiu o sentimento comum a todos. “O elemento mais importante da música é o tempo. E o tempo nunca tem pressa. Percebemos isso em momentos mágicos como esse”.
A Orquestra Sinfônica da UFRJ encerrou as apresentações e ganhou de presente o acompanhamento de Gil, que solfejou Tempo Rei. Estudantes do DCE Mário Prata também fizeram uma breve saudação ao músico, lembraram da crise orçamentária da universidade e pediram punição aos golpistas.
Visivelmente emocionado, o baterista Charles Gavin, da primeira formação dos Titãs, estava ansioso para ver o amigo ser agraciado com a homenagem. “Estou muito honrado de ter sido convidado para esta cerimônia. Eu me sinto muito feliz por estar aqui”, disse. “Essa homenagem é mais que justa, mas esse tipo de situação deveria ser mais comum no nosso cotidiano: reconhecer e premiar os grandes mestres da sociedade contemporânea brasileira”, afirmou. “Sem Gil, eu não estaria aqui”.
O músico criticou a distância que ainda percebe entre a Academia e a cultura popular. “O meio acadêmico reluta muito ainda para trazer pessoas do meio popular. Esses universos acadêmico e popular são complementares e devem andar mais juntos”, defendeu. “Esta homenagem deveria ter acontecido há décadas atrás com Gil e com outras pessoas de sua geração, mas que bom que está sendo realizada”, disse.
HOMENAGENS
O professor emérito Samuel Araújo, da Escola de Música, fez parte da mesa solene e discursou em nome da comissão que indicou o nome de Gil ao título. “Gil tem um extenso legado de canções que são, todas elas, lições: de vida, de amor ao próximo, ao planeta, com letras de rara sensibilidade”, elogiou o docente.
O professor Samuel destacou a importância do papel político de Gilberto Gil no período em que foi ministro da Cultura, de 2003 a 2008. “O orçamento da pasta cresceu exponencialmente na gestão de Gil. Os Pontos de Cultura foram elementos de forte conexão com a sociedade nos territórios”, frisou.
Decano do CLA, Afranio Gonçalves Barbosa, em momento mais descontraído de discurso, finaliza dizendo: "Seja bem-vindo à Escola de Música, ao CLA e à UFRJ, Gil, somos nós que te damos 'Aquele abraço'. E eu, agora não mais como Decano, mas como indivíduo, mando abraço grande à tua família e te confesso que espero receber, ainda hoje, enfim, o teu abraço, pois eu o aguardo há décadas, desde minha infância e adolescência lá em Realengo, que sempre foi muito mais que lugar de quartéis. É lugar que te ama."
Vice-reitora, a professora Cássia Turci disse que estava vivendo um dos momentos mais bonitos de sua vida na universidade. “É um momento pleno, que gostaríamos de vivenciar mais vezes. São muitas qualidades que a gente encontra quando pensa em Gil. Pensar em Gilberto Gil é pensar no mundo que queremos: mais justo, mais igualitário, mais equânime, mais humano”.
O reitor Roberto Medronho também fez uma fala emocionada. Lembrou que a universidade produz ciência, mas também é produtora e difusora de cultura. “Não existe desenvolvimento social pleno se não houver cultura”, afirmou.
O dirigente máximo da universidade também aproveitou a ocasião para lembrar dos feitos da UFRJ no período recente. “A universidade passou por um momento muito difícil, que congregou a pandemia com uma política que ignorou um vírus selvagem. Muitas vidas foram salvas pelo trabalho da universidade e por nosso Sistema Único de Saúde”. Ele aproveitou a ocasião para fazer um tributo aos profissionais de saúde, representados na cerimônia pela doutora Margareth Dalcomo, ícone da ciência durante a pandemia e presente na fila do gargarejo na cerimônia de Gil. .
“Hoje é um momento histórico”, resumiu o reitor. “Gil nos traz, na sua carreira, o grande legado de fazer da música um instrumento que nos inspira na busca de um mundo melhor”.