domont siteFoto: Kelvin MeloO professor emérito Gilberto Domont é uma inspiração que atravessa a história da UFRJ. Ingressou no curso de Química da então Universidade do Brasil, em 1954, ainda como aluno. Sete décadas depois e prestes a completar 90 anos, em 11 de novembro, o docente segue dando aulas no Programa de Pós-graduação em Bioquímica do Instituto de Química, realizando pesquisas e orientando alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado.
“Sou apaixonado pela profissão, pela Ciência. Não paro por causa disso. É um prazer enorme estar aqui”, afirma o mestre de tantas gerações.
Uma paixão que começou cedo, em casa, por influência da mãe Maria de Lourdes, professora primária da escola municipal Estácio de Sá, na Urca. E que depois ganhou força na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) — hoje sede do IFCS/Instituto de História — da então Universidade do Brasil, na década de 50.
“Era um ambiente intelectual fortíssimo. Davam aulas lá César Lattes, Leite Lopes, Costa Ribeiro, Christovão Cardoso — que foi o primeiro diretor do Instituto de Química —, Manuel Bandeira, Maria Yedda Linhares e Anísio Teixeira, entre outros”, diz Gilberto, que fez curso técnico de Química Industrial antes de ingressar na universidade.
“Entrei na pesquisa pelas mãos dos professores João Perrone e Abrahão Iachan. Foram meus dois orientadores, os mentores que concederam minha primeira bolsa, de iniciação científica”.
O currículo, iniciado com aquela bolsa e atualizado em 22 de setembro, impressiona. Gilberto é um dos fundadores do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química em 1959 e, três anos depois, do Programa de pós-graduação em Bioquímica — o mais antigo do país na área de Ciências Biológicas. Integrante da Academia Brasileira de Ciências desde 1975, emérito em 1998, tornou-se o pesquisador responsável pela introdução da proteômica (estudo das proteínas) no Brasil. Criou a Sociedade Brasileira de Proteômica em 2012.

GENEROSIDADE
A história, com tantos títulos, poderia supor um professor sério, distante dos alunos, alguém se sentindo acima dos colegas. É o contrário, dizem os mais próximos. “O que me chamou muito a atenção no Gilberto é a simplicidade no trato com as pessoas. Ele é um cara afetuoso com todo mundo”, observa o professor Rogério Espíndola, da Coppe.
Os dois trocam ideias desde 2018. Um aluno de Gilberto precisava de uma modelagem que envolvia técnicas de inteligência artificial, área de expertise do docente da Coppe. “O comportamento nas discussões é sempre com humildade, querendo aprender. Isso é algo difícil. Normalmente, o que se vê são pessoas com currículo muito grande e já se sentindo acima dos demais. Ele é arrogância zero. Fora o brilhantismo científico dele. Ele é meu modelo”, completa Rogério.
Ajudar os jovens é praticamente uma missão para o (quase) nonagenário mestre. Que o diga o professor Fábio Nogueira, do Instituto de Química. “Sou de Fortaleza e, em 2003, o Gilberto organizou um curso nacional de proteômica, com convite para alunos de pós. Eu fazia iniciação científica na Universidade Estadual do Ceará, mas ele abriu esta exceção”, lembra.
Fábio e Gilberto hoje trabalham juntos na área proteômica — o estudo das proteínas pode ajudar a identificar a causa de uma doença em nível celular. Ou a prevenir casos graves. “Por exemplo, em uma célula cardíaca, extraímos as proteínas e identificamos com a espectrometria de massa. A célula sadia se expressa de uma forma equilibrada. A patologia aparece quando esse concerto não acontece”, explica o jovem colega.
A pesquisa da UFRJ na área tem prestígio internacional. O grupo coordenado por Gilberto é o único do país participando de um consórcio internacional para identificar as proteínas dos 23 cromossomos humanos. Coube aos brasileiros o estudo do cromossomo 15, que é associado ao aparecimento de algumas doenças, como Prader-Wiili & Angelman e leucemias.
O estudo, complexo, flui com muito bom humor. “É difícil ver o Gilberto sério. Brinca com todo mundo. Quando ele pede café e as pessoas perguntam se quer açúcar ou adoçante, ele responde: ‘Puro mesmo, porque de doce basta a vida’”, conta Fábio. “Quando levava a filha na escola, dizia: ‘Você vai para sua Disneylândia e o papai vai para a Disneylândia dele’. Aqui é onde ele se diverte”.
“O Gilberto tem uma característica muito própria que é a de escutar todo mundo. Trata o aluno de iniciação científica, de mestrado, de doutorado ou o professor da mesma forma. Gosta de aprender coisas novas e fazer planos de longo prazo. Agora, aos 90 anos, está fazendo planos para os próximos dez anos”, diz Fábio.
Planos que os dois realizam juntos no primeiro andar do Centro de Pesquisa em Medicina de Precisão (CPMP), na mais recente frente de trabalho aberta pelo mestre. “O CPMP tem uma concepção moderna. Os alunos, de diferentes formações, sentam juntos nestas bancadas. Trouxe a proteômica para cá para avançar na medicina de precisão, a convite dos professores Antonio Carlos Campos de Carvalho e Denise Pires de Carvalho. Fomos um dos primeiros grupos a vir para cá”, afirma Gilberto.

CARIOCA TÍPICO
Tantas atividades não deveriam deixar tempo para mais nada, certo? Errado. Gilberto é um carioca típico, que gosta de tomar chope, jogar conversa fora com os amigos e comer churrasco. “Adora um churrasco, com a carne bem vermelha. E adora tomar chope com a garotada”, afirma a esposa Solange Guimarães.
O casal, que está junto desde o início do namoro, em 1982, compartilha o amor pela Ciência e divide a casa com as estantes recheadas de livros. “Ele vive a Ciência em casa o tempo todo. Estamos sempre conversando. Eu me entusiasmo também. A contrapartida da família é apoiar e vibrar com a vibração dele”, conta Solange, que já foi pesquisadora do Programa de Engenharia Civil da Coppe.
E a família, para Gilberto, é uma das contrapartidas mais importantes da vida acadêmica: “São meus sistemas biológicos prediletos, a Solange e minha filha Sônia”, brinca. “Devo tudo à UFRJ. Saber, família, amigos, patrimônio. Eu me formei aqui, encontrei minha esposa aqui, minha filha estudou aqui”, diz, deixando uma mensagem para os professores em início de carreira. “Se apaixonem pela Ciência também!”.

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